Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 19 de Janeiro de 2009, aworldtowinns.co.uk
O Afeganistão e o dilema dos ocupantes: Mais tropas ou uma abordagem diferente?
O debate sobre a necessidade de uma nova estratégia no Afeganistão atingiu um pico febril entre os círculos imperialistas. Raramente há uma notícia sobre esse país que pelo menos não declare a necessidade de uma nova abordagem. Os think-tanks dos ocupantes e os especialistas no Afeganistão estão ocupados a discutir e debater os elementos necessários. A tomada de posse de Barack Obama como presidente dos EUA pode fornecer a ocasião para o desenrolar de um novo plano, ou pelo menos de passos apresentados como tal.
É agora amplamente reconhecido que a abordagem que os EUA têm usado até agora falhou. Embora os EUA, que são os principais imperialistas que ocupam o Afeganistão, achem difícil admitir abertamente esse fracasso, essa conclusão está implícita na exigência dos responsáveis norte-americanos de que outros países da NATO acompanhem os EUA num grande aumento do número de tropas estrangeiras (Ver o SNUMAG de 3 de Novembro de 2008).
Os EUA, o Canadá, a Grã-Bretanha e outros imperialistas que combatem nas zonas de guerra tentaram fortemente e durante muito tempo pressionar outros países da NATO para que combatessem a seu lado. Tem havido um tom alarmista nos relatórios dos círculos imperialistas, incluindo dos porta-vozes militares e parlamentares e de certas agências humanitárias, destacando o deteriorar da situação, o ressurgimento dos talibãs e a possibilidade real de, como eles gostam de dizer, “o Afeganistão se poder tornar num estado falhado”. A maioria dos seus relatórios recomenda que outros países da NATO se envolvam nos combates e que todos eles enviem mais tropas, avisando que, caso contrário, o resultado possa ser um fracasso total.
Esta questão foi o principal tema da conferência da liderança da NATO em Abril em Bucareste, da qual resultou um significativo aumento das tropas de combate. Porém, ficou depois claro que a necessidade de uma alteração da abordagem era pelo menos tão importante. Embora não tenha sido publicitada nessa altura, parece que a conferência de Bucareste também se centrou na “falta de coerência estratégica” e de um comando unificado e coordenação entre as potências ocupantes. “Hoje em dia, a falta de coerência estratégica no esforço da comunidade internacional reflecte-se em haver representantes civis especiais separados das Nações Unidas, da União Europeia e da NATO, sem uma autoridade clara de uns sobre os outros; e numa relutância por parte dos Estados Unidos e outros principais países contribuintes em serem coordenados por qualquer um deles”, como disse um dirigente do Grupo Internacional de Crise ao Congresso dos EUA na véspera da conferência (Mark L. Schneider, crisisgroup.org, 2 de Abril de 2008).
Embora os EUA tenham de facto atingido alguns dos seus objectivos em Bucareste, obtendo compromissos de mais “botas no terreno”, esta e uma outra importante reunião posterior em Paris não conseguiram resolver as mais importantes diferenças estratégicas qualitativas, e portanto nem sequer a disputa quantitativa sobre tropas de combate. Tão recentemente quanto 1 de Outubro, o Tenente-General David McKiernan, comandante norte-americano das forças da NATO no Afeganistão, queixou-se uma vez mais de que “as restrições aos papéis de combate de algumas forças internacionais degradam os esforços da coligação. ‘Algumas vieram para fazer a guerra; outras vieram para um campo de verão, muito francamente’.” (Washington Post, 2 de Outubro de 2008). Esta relutância por parte das potências europeias é um sinal de algo mais profundo – é uma expressão de dúvida sobre a actual estratégia.
O Tenente-General Sir Peter Wall, responsável pela direcção das operações militares britânicas, disse: “a noção de que para ‘inundar’ o Afeganistão com ‘toda a carga’, mais tropas seria a solução, é enganadora”. Ele defendeu uma política diferente: “Os afegãos teriam que conseguir uma melhor governação e construir as suas próprias forças armadas, disse ele. Não fazia sentido investir mais dinheiro e homens no país a menos que a segurança e os projectos económicos e sociais fossem vistos como ‘inspirados pelos próprios afegãos’, acrescentou ele.” (Guardian, 29 de Outubro de 2008).
Surpreendentemente, um comandante sénior britânico, o Brigadeiro Mark Carleton-Smith, disse ao jornal Times de Londres que “acredita que os talibãs nunca serão derrotados. Uma vitória militar sobre os talibãs não seria ‘nem possível nem sustentável... Do que precisamos é de tropas suficientes para conter a insurreição num nível em que não seja uma ameaça estratégica à longevidade do governo eleito’.” (6 de Outubro de 2008). Esse jornal acrescentou que Carleton-Smith “indicou que a única saída era encontrar uma solução política que incluísse os talibãs”.
O comentário do brigadeiro britânico surgiu depois da fuga de informação de uma mensagem diplomática francesa codificada. Segundo o semanário francês Le Canard Enchaîné, o vice-embaixador francês em Cabul informou que o embaixador britânico, Sir Sherard Cowper-Coles, lhe teria dito que a estratégia para o Afeganistão estava “condenada ao fracasso”. O diplomata francês escreveu que Sir Sherard se queixou de que a Grã-Bretanha não tinha outra alternativa senão apoiar os EUA, “mas nós devíamos dizer-lhes que queremos fazer parte de uma estratégia vencedora, não de uma perdedora. A estratégia norte-americana está condenada ao fracasso.” A fuga dessa mensagem parece indicar que, nisto, o governo francês está em geral de acordo com o britânico.
De facto, estas diferenças há muito tempo que têm surgido nos bastidores e estão agora a ser intensificadas pelo deteriorar da situação para a ocupação.
Como salientou antes este serviço noticioso, “os comandantes militares britânicos têm acusado os EUA de ‘tácticas pesadas’, incluindo excessivos bombardeamentos aéreos – que resultam regularmente em vítimas civis. Quando os britânicos sugeriram um plano de apoio às forças das milícias locais e de defesa civil no sul, os comandantes militares norte-americanos rejeitaram-no. O general norte-americano Dan McNeill, comandante das forças da NATO no Afeganistão, disse que o plano poderia alimentar a insurreição. Estas diferenças parecem ser profundas e estar relacionadas com questões ainda mais fundamentais, embora elas ainda sejam um pouco obscuras.” (SNUMAG de 28 de Abril de 2008).
Estas críticas não se limitam aos britânicos. À medida que as outras potências vêem a situação ir de mal a pior e que os EUA as pressionam para enviarem mais tropas de combate, também elas parecem estar a encontrar coragem para erguer as suas vozes contra a estratégia imposta pelos EUA.
Ao deixar o cargo, o enviado especial da UE ao Afeganistão, Francesc Vendrell, disse ao programa HARDtalk do canal de televisão da BBC: “O Ocidente não tem nenhuma estratégia coerente para uma vitória no Afeganistão”. Defendendo que embora muita gente no Afeganistão tenha inicialmente considerado a ocupação um “mal necessário”, mesmo este tipo de apoio perdeu-se. “Saio com uma sensação de desgosto por termos cometido tantos erros”, disse ele, mas tornou imediatamente claro que isto era uma utilização cortês do “nós”, uma vez que o que ele realmente quis dizer era que os EUA eram os responsáveis. “Os EUA continuam a cometer erros fundamentais [ao] enviarem mais tropas, matando civis...”
Embora os políticos alemães tenham evitado cuidadosamente a discussão pública deste assunto, os jornais diários do país, sobretudo na altura em que o Bundestag (o parlamento alemão) estava a debater um aumento das forças alemãs no Afeganistão, questionaram repetidamente o sentido de se enviar mais tropas para o Afeganistão. Por exemplo, o Frankfurter Rundschau escreveu: “Se a comunidade internacional, e os EUA em particular, não mudarem a sua estratégia no Afeganistão, o caos aí aprofundar-se-á”. O Seuddeutsche Zeiteung disse: “A situação da segurança está a ficar mais desastrosa, a ajuda não militar à reconstrução não está a funcionar e, em resultado, a moral em geral está a deteriorar-se. A questão é: qual é a solução? Ninguém quer ouvir falar em derrota da NATO, porque isso significaria uma declaração de derrota dos países mais poderosos do mundo.”
Os EUA, por seu lado, parecem estar a insistir na sua estratégia de incremento das forças e irão enviar mais 8000 tropas no início de 2009. Essas tropas irão ajudar a proteger Cabul, e não levar a cabo uma ofensiva. O General McKiernan pediu mais três batalhões, cerca de 15 a 20 mil novas tropas e, no final de Dezembro, o chefe de pessoal das forças armadas dos EUA, Mike Mullen, indicou que o número total de novas forças poderia chegar a 30 mil. O presidente eleito Barack Obama declarou que redobrará os esforços de Washington para ganhar a guerra no Afeganistão. (International Herald Tribune, 24 de Dezembro)
Os EUA também estão a continuar a pressionar os seus aliados para enviarem mais forças para o Afeganistão e sobretudo para as zonas de guerra. O General David Patraeus, o comandante supremo norte-americano no Iraque, famoso pela sua estratégia de “vaga abrupta” nesse país, foi agora colocado como responsável por toda a região. Espera-se que ele preste uma maior atenção às questões estratégicas no Afeganistão. A sua nomeação levantou ainda mais suspeitas de que também o Afeganistão possa vir a ter em breve uma “vaga abrupta” nas forças de ocupação. O novo presidente norte-americano Barack Obama tem há muito defendido que é o Afeganistão, e não o Iraque, o centro estratégico dos interesses dos EUA na região e que deveria receber algumas das tropas que agora combatem no Iraque. Como já se disse, as potências europeias culpam os EUA pela maior parte do que tem ocorrido de errado na ocupação. Elas teriam muita dificuldade em alinhar num aumento quantitativo e querem que os EUA aceitem uma mudança estratégica.
Em suma, os EUA estão sob pressão dos seus aliados e mesmo, até certo ponto, dos seus próprios peritos políticos e generais, para enfrentarem a realidade. Há sinais de que os círculos governamentais dos EUA poderiam ceder a uma nova estratégia que pelo menos alegasse ser diferente dos seus esforços falhados até agora. Académicos e estrategas militares imperialistas (incluindo grande número de pessoas que trabalha às ordens de Patraeus) e outras pessoas estão aparentemente a trabalhar noite e dia para terem um plano pronto até à tomada de posse do novo presidente a 20 de Janeiro. Essa estratégia – da qual alguns elementos já são visíveis – e como ela poderia funcionar serão o tema de um futuro artigo.