Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 28 de Abril de 2008, aworldtowinns.co.uk

Afeganistão: Porquê a escalada da NATO?

O Afeganistão esteve no topo da agenda da cimeira da NATO do início de Abril em Bucareste, na Roménia. O país anfitrião e a França concordaram em enviar mais forças para o Afeganistão, para servirem nas zonas de combate. A NATO já tem cerca de 37 000 tropas no Afeganistão, incluindo 14 000 dos EUA e 7700 de Inglaterra. Os EUA também têm outros 11 000 soldados a operar fora da missão da NATO. Além disso, Washington anunciou que mobilizará mais de 3000 tropas adicionais para o Afeganistão este ano.

Depois de ter lançado a ideia há algum tempo atrás, o presidente francês Nicolas Sarkozy anunciou formalmente na cimeira que enviará aquilo a que ele chamou de “várias centenas” de forças frescas para o sul do Afeganistão, para reforçarem a ocupação nessa região. A França já tem 1500 tropas no Afeganistão, mas estão estacionadas sobretudo à volta de Cabul e não têm estado directamente envolvidas nas zonas de guerra do sul e leste do Afeganistão. Os verdadeiros números poderão vir a atingir muitas vezes mais que as “algumas centenas”, uma vez que a França pretende enviar um batalhão, o que normalmente significa 1000 soldados. No parlamento, Sarkozy foi acusado de deliberadamente minimizar essa mobilização, uma vez que ela é ainda mais impopular que ele próprio, e ele é o presidente menos popular da história francesa recente. Ainda mais que o número de tropas envolvidas, o que é significativo é a sua mobilização para uma zona de combates e possivelmente para operações de combate contra os talibãs. Esta questão da participação directa na guerra tem sido, até agora, um tópico aceso e um tema de tensão entre os EUA e outros países da NATO, incluindo a França e, em particular, a Alemanha.

Contudo, embora o governo Bush tenha publicitado a decisão da França como sendo um sinal de vitória, unidade e “compromisso” dos países da NATO para com a “reconstrução” e a “segurança” do Afeganistão, ela nem sequer chegou perto dessa afirmação. Claro que não está na natureza desses sanguessugas imperialistas preocuparem-se com uma verdadeira reconstrução do Afeganistão, uma reconstrução que beneficie o povo, mas essa acção nem sequer foi um sinal positivo do ponto de vista dos seus próprios interesses imperialistas. Foi um sinal de que eles estão mais longe que nunca de atingirem os seus objectivos no Afeganistão e que a sua estratégia não está a ter sucesso.

É um importante desenvolvimento que Paris tenha invertido a sua antiga e muito defendida política e concordado em deslocar tropas para as zonas de guerra, e isso terá consequências políticas e militares para a França, mas isso não indicia qualquer “compromisso” entusiástico, mesmo para os padrões da NATO (em comparação, por exemplo, com a muito menor Holanda e o Canadá). Não é ainda claro se este é um primeiro passo em frente da parte da França ou um gesto sem continuidade. Além disso, a Alemanha, a Itália e a Espanha irão continuar a manter as suas tropas fora das zonas de guerra. É de salientar que, há um ano atrás, a Itália e a Espanha concordaram em enviar as suas forças para zonas de conflito se isso fosse desesperadamente necessário, mas elas nunca apareceram. Tendo em conta isso, bem como os desafios mais gerais que os ocupantes da NATO enfrentam no Afeganistão, este resultado da cimeira não pode ser considerado um êxito segundo nenhum padrão, e certamente não o foi para os que têm levado a cabo uma vasta e vigorosa campanha para provocar uma escalada no número de tropas da NATO envolvidas em combate.

Essa campanha foi lançada pela Casa Branca de Bush, com o apoio dos governos britânico e holandês. O Canadá ameaçou retirar as suas forças se outros países da NATO não enviassem mais tropas para combate. Estes apelos desesperados são o resultado da situação política e militar no Afeganistão nos últimos anos e em particular da crescente força dos talibãs durante o último ano.

Ao contrário da guerra do Iraque que desde o início enfrentou uma enorme oposição nos países ocidentais e que cedo se transformou num desastre para os ocupantes, a guerra do Afeganistão deveria ter sido uma “guerra boa” para os EUA e os seus aliados. Os governantes imperialistas ocidentais tiveram mesmo o apoio de um sector dos intelectuais, de uma forma muito maior que em relação à invasão do Iraque. Inicialmente, os EUA tinham confiança no sucesso e por isso preferiram deixar uma grande parte da ocupação aos seus parceiros menores enquanto tratavam do desafio maior que enfrentavam no Iraque. Como resultado disso, Washington permitiu que os britânicos reduzissem as suas forças no Iraque para assumirem mais responsabilidades no Afeganistão. E foi isso que eles fizeram.

Com o encorajamento dos EUA e da Grã-Bretanha, a NATO assumiu a liderança da ISAF (Força Internacional de Apoio à Segurança), a forca invasora cuja missão era defender Cabul, e depois assumiu a responsabilidade pela missão de segurança em todo o país durante as eleições parlamentares de 2005. A ideia era afastar-se, ligeiramente, da doutrina Bush da “coligação de vontades”, a qual acabou por significar essencialmente uma acção unilateral norte-americana apenas secundada pela Grã-Bretanha e por alguns outros dos seus aliados mais servis, e atrair mais amplamente outros países imperialistas a partilharem o fardo, dando mais responsabilidade à NATO. Para os EUA, a questão era forjar e consolidar um contingente militar que pudesse agir como força de reserva para intervenções e ocupações norte-americanas. Porém, alguns países europeus viram isso como uma forma de (uma vez mais, ligeiramente) contrariarem o “unilateralismo” norte-americano, ou pelo menos tomarem uma parte mais activa nas ocupações e intervenções sem porem as suas tropas formalmente sob o comando directo dos EUA, embora os EUA continuem a ser os chefes indisputados da NATO. Assim, a maioria dos membros mais poderosos acolheram bem esta nova missão da NATO.

Então, em Julho de 2006, a NATO deslocou-se para a zona de combate e assumiu o comando da zona de guerra do sul do Afeganistão, enquanto a igualmente quente região leste do país permanecia sob a responsabilidade das forças da “coligação” sob o comando directo dos EUA. A Grã-Bretanha aumentou o número das suas tropas no Afeganistão para mais de 7000 e, agindo através da NATO, assumiu a direcção da província de Helmand, um dos santuários dos talibãs no sudoeste. O Canadá aumentou o número das suas tropas para 2500 e assumiu a responsabilidade pela zona de Kandahar. A Holanda também se deslocou para as zonas de combate. Porém, alguns países europeus, como a Alemanha, a França e alguns outros países, resistiram a enviar as suas forças para as zonas de guerra.

À medida que a situação piorava, incluindo tanto a opressão e a violência da parte dos ocupantes e do seu governo, como a corrupção generalizada produzida pelo seu domínio, o povo do Afeganistão foi-se dando cada vez mais conta da natureza e brutalidade das forças ocupantes e das intenções e dos objectivos que visam. Â medida que os talibãs se tornavam mais fortes e que a guerra se espalhava a muitas regiões e escalava, aumentou o número de tropas de ocupação mortos e feridos. Segundo os números da NATO, em 2007 houve 9000 ataques às tropas ocidentais e do governo fantoche afegão, um aumento de 30%. Ao mesmo tempo, segundo a “coligação” liderada pelos EUA, foram efectuados 3500 ataques aéreos durante o ano, 20 vezes mais que o nível de dois anos antes. O número de civis mortos pelas forças de ocupação atingiu um número record. Só em 2007, a guerra ceifou 6500 vidas afegãs. Esta guerra não só não erradicou os talibãs, como Bush e Blair alegaram que faria rapidamente; expandiu-os e multiplicou-os. Esta situação levou a uma crescente frustração entre as potências ocupantes e aumentou as tensões entre elas.

Sobretudo durante o último ano, os imperialistas norte-americanos, britânicos e outros têm levado a cabo uma campanha para convencerem ou pressionarem os outros países da NATO a participarem nos combates. Tem havido um tom alarmista nos relatos dos círculos imperialistas, incluindo do exército, das agências parlamentares e de certas agências humanitárias, destacando a deterioração da situação no Afeganistão, o ressurgimento dos talibãs e a verdadeira possibilidade de, como eles gostam de dizer, “o Afeganistão se tornar num estado falhado”. Esses relatos reflectem a realidade e, ao mesmo tempo, também fazem parte de um esforço para mobilizar a opinião pública para uma maior intervenção.

Mas esta situação gerou divisões entre os países imperialistas, que surgiram quando os EUA exigiram que a Alemanha, cujas forças estão no relativamente estável norte, enviasse tropas de combate e helicópteros para as zonas de guerra. O jornal alemão Süddeutsche Zeitung noticiou que Robert Gates, secretário da defesa dos EUA, enviou uma solicitação “invulgarmente dura” a Berlim. O secretário da defesa da Alemanha, Franz Josef Jung, respondeu: “Acho que o nosso foco deve continuar a ser no norte.” A Chanceler alemã Angela Merkel deixou claro que o mandato limitado “não estava em discussão” (The Guardian, 2 de Fevereiro de 2008).

O envio de forças para as zonas de combate não foi o único motivo para esse aumento de tensão. Os métodos e as tácticas usadas na luta também se tornaram numa importante fonte de arrebatada controvérsia entre as potências ocupantes.

“Robert Gates, secretário da defesa dos EUA, disse ao Los Angeles Times: ‘Estou preocupado que tenhamos algumas forças militares que não sabem fazer operações de contra-insurreição... A maioria das forças europeias, das forças da NATO, não estão treinadas em contra-insurreição; elas foram treinadas para o Fulda Gap’, uma referência à região alemã onde era considerada provável uma invasão terrestre soviética da Europa ocidental.” (The Guardian, 16 de Janeiro de 2008)

Isso provocou uma reacção exaltada de alguns dos países envolvidos nos combates, incluindo o general holandês Jaap de Hoop Scheffer, que é o secretário-geral da NATO. O ministério holandês da defesa chamou o embaixador dos EUA para que explicasse os comentários de Gates.

Como pano de fundo desta disputa, há muito que há diferenças gritantes entre a Grã-Bretanha e os EUA em relação às tácticas utilizadas nesta guerra. Os chefes militares britânicos têm acusado os EUA de usarem “tácticas pesadas”, incluindo excessivos bombardeamentos aéreos – que regularmente resultam em vítimas civis. Quando os britânicos sugeriram um plano de apoio às milícias locais e às forças de defesa civil no sul, os chefes militares norte-americanos rejeitaram-no. O general norte-americano Dan McNeill, comandante das forças da NATO no Afeganistão, disse que o plano poderia alimentar a insurreição. Estas diferenças parecem ser profundas e estar relacionadas com questões ainda mais fundamentais, embora ainda sejam um pouco obscuras. Os recentes acontecimentos fornecem alguns indícios claros disso: a prisão de dois diplomatas britânicos no Afeganistão, supostamente por terem negociado com as forças talibãs, e a rejeição para o lugar de enviado especial da ONU ao Afeganistão de Lord Paddy Ashdown, o qual era oficiosamente considerado um candidato muito forte. Estes dois actos foram supostamente levados a cabo pelo governo afegão de Hamid Karzai, mas não há nenhuma indicação de que os EUA estejam descontentes com estas medidas tomadas pelo homem que eles colocaram no poder.

Como diz o ditado, quando as coisas correm mal, aparecem os ladrões.

A nova capacidade dos talibãs de aumentarem a guerra em 2007 foi um grande choque para muita gente. Ao longo do último ano, os talibãs levaram a cabo cerca de 140 ataques suicidas em todo o Afeganistão e tomaram o controlo de pelo menos quatro distritos (velsewali) no sul, segundo uma notícia de Janeiro do serviço da BBC em persa. Só no último ano, foram mortos cerca de 800 polícias, além dos pesados números de vítimas sofridos pelo exército fantoche e pelos ocupantes. O número de ataques contra o exército afegão, levados a cabo sobretudo pelos talibãs, também foi várias vezes mais elevado que em anos anteriores.

Musa Ghala foi a maior cidade a norte de Helmand a cair para os talibãs. Embora depois a tenham perdido, eles mantiveram o controlo de três outros distritos da mesma província ao longo do ano. Durante 2007, a actividade dos talibãs propagou-se às províncias ocidentais do Afeganistão. Os talibãs conseguiram tomar vários distritos da província de Farah, embora não os tenham conseguido manter durante muito tempo.

Ao mesmo tempo, o povo do Afeganistão sofreu um dos seus piores anos em termos de segurança. Foi apanhado num fogo cruzado entre os ocupantes e os talibãs e, em resultado disso, morreram centenas se não mesmo milhares de pessoas. Um grande número delas foram mortas pelos bombardeamentos aéreos da coligação liderada pelas forças dos EUA e também pelas forças da NATO.

Os talibãs têm adoptado cada vez mais as tácticas usadas pelos fundamentalistas islâmicos no Iraque: ataques suicidas e minas ou mesmo bombas à beira das estradas. A questão é que as tácticas militares dos dois lados são reaccionárias porque os seus objectivos são reaccionários. Nenhum dos lados tem qualquer interesse em poupar as vidas das gentes comuns.

Ao mesmo tempo, a corrupção dentro do regime fantoche tem desiludido cada vez mais o povo sobre qualquer possibilidade de melhoria da sua situação. A produção de ópio e heroína ultrapassou todos os records. As forças de ocupação e os responsáveis do regime culpam os talibãs por esse aumento. É verdade que os talibãs estão a beneficiar dele, mas vários relatos também sugerem o envolvimento de altos responsáveis governamentais na produção, distribuição e exportação de drogas, incluindo o próprio irmão de Hamid Karzai, Wali Ahmad Karzai. Ele é bem conhecido como o maior contrabandista de heroína e armas da região, uma posição que desfruta graças à sua relação com o presidente.

A guerra do Afeganistão mostrou ser um desastre para o povo. Porém, os ocupantes não sairão do país apenas por essa razão. Pelo contrário, eles estão a preparar-se para aquilo a que eles chamam um “compromisso de longo prazo”. Embora alguns dos parceiros menores achem difícil lidar com a nova deterioração da situação, os EUA não têm outra alternativa se não continuarem a guerra durante os próximos anos ou décadas – a menos que o povo os expulse a todos. Para os EUA, a ocupação do Afeganistão não é um esforço isolado. Tem um importante papel na sua estratégia para todo o Médio Oriente e, até certo ponto, para a Ásia Central. Para os EUA, a vitória ou pelo menos um relativo controlo do Afeganistão é crucial quando procura intensamente materializar as suas ameaças contra o Irão. A sua guerra no Afeganistão também está cada vez mais entrelaçada à situação no Paquistão, onde vivem 2,4 milhões de refugiados afegãos. A manutenção do apoio norte-americano ao Presidente Pervez Musharraf está muito relacionada com o desejo expresso pelos chefes militares norte-americanos no Afeganistão de montarem operações militares a uma maior escala de ambos os lados da fronteira, visando tanto forças paquistanesas como afegãs.

Além disso, o regime Bush realizou um quase milagre, ressuscitando as forças moribundas dos talibãs que tinham atraído o ódio profundo de milhões de afegãos. Agora, os EUA não têm outra alternativa se não lidarem com as consequências dos seus próprios actos. Ao contrário do que dizem as mentiras do regime Bush, os talibãs (e os seus aliados da Al-Qaeda), por um lado, e a República Islâmica do Irão (e os seus aliados xiitas fundamentalistas noutros países), por outro, não têm nem muita afinidade ideológica nem um projecto comum e, na realidade, foram e continuam a ser inimigos de morte. Contudo, os esforços dos EUA para eliminarem o fundamentalismo islâmico anti-EUA levando a cabo uma guerra contra o povo deram um grande presente a essa corrente religiosa e permitiram-lhe alegar cada vez mais a bandeira da oposição aos EUA. Isso está a criar uma espiral que é tanto muito perigosa em termos da “guerra sem fim” que o regime Bush orgulhosamente prometeu, como um pesadelo para o povo do Afeganistão e de outros lugares – de facto, de todos lugares.

Estes factores são a razão por que os EUA estão a juntar mais 3000 soldados norte-americanos – muito necessários no Iraque – aos 25 000 que já têm no Afeganistão, além de escalarem a sua pressão sobre as outras potências da NATO para também fornecerem mais carne para canhão. Contando todas essas forças, os cerca de 5000 homens (todos soldados, mas alguns não em uniforme) das chamadas Equipas de Reconstrução Provincial e um número semelhante de mercenários estrangeiros empregues pelas chamadas “empresas de segurança”, o número total de tropas imperialistas hoje no Afeganistão é cerca de 65 000 – quase o triplo do número com que começaram.

Os outros imperialistas da NATO têm os seus próprios interesses imperialistas a considerar e não seguirão necessariamente a estratégia dos EUA. Além disso, à medida que a guerra evolui, mais gente nos países dos ocupantes se está a dar conta dos objectivos dos imperialistas e do resultado desastroso desta guerra para o povo do Afeganistão e para os povos do mundo no seu conjunto. É amplamente sabido que há muito pouco apoio público no Canadá, França, Grã-Bretanha, Holanda, Polónia, etc., à guerra que as tropas dos seus países estão a levar a cabo (deixando aqui de lado a questão da opinião pública dos EUA, que combatem em duas guerras). Até agora este facto não se transformou no tipo de factor activo que possa ajudar a mudar a equação.

A retirada de todas as forças estrangeiras do Afeganistão e o fim de toda a intervenção militar e política dos imperialistas e outras potências reaccionárias na região é o primeiro passo para uma solução para o povo do Afeganistão. É isso que o povo do Afeganistão deseja e também o que precisam os povos de todo o mundo.

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