Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 3 de Novembro de 2008, aworldtowinns.co.uk

Este é o primeiro de uma série de três artigos escritos por ocasião do terceiro aniversário da invasão do Afeganistão, liderada pelos EUA. Um segundo artigo, extraído do Sholeh Jawid, órgão do Partido Comunista (Maoista) do Afeganistão, examinará a situação dos talibãs e outros fundamentalistas islâmicos. O terceiro examinará as alternativas e perspectivas estratégicas dos EUA. Estes artigos não serão publicados em sequência.

O Afeganistão sete anos após a invasão:
1ª Parte – O estado da ocupação

Passados dois meses após terem invadido o Afeganistão, as forças da coligação liderada pelos EUA expulsaram os talibãs do poder e declararam vitória. Mas a guerra não tinha terminado. De facto, agora até as próprias autoridades militares norte-americanas admitem que o fim da guerra está cada vez mais distante.

Após sete anos de ocupação, a situação militar e política no Afeganistão tornou-se crítica. Os ocupantes estão a fazer todos os esforços para aliviarem a situação e inverterem a maré que tem corrido contra eles. Entre os seus métodos estão o reforço do seu poder militar, obrigando os seus parceiros de ocupação a juntarem-se aos combates nas zonas de guerra, e o assassinato de civis (incluindo muitas crianças) em ataques aéreos, a uma escala sem precedentes. Por outro lado, os talibãs e outros fundamentalistas estão a ganhar vantagem do caos e miséria criados pelos ocupantes e pelo regime fantoche. Eles estão a expandir a sua guerra e a impor a sua ditadura teocrática medieval sobre cada vez mais zonas do país e do seu povo, embora não tenham zonas estáveis de poder político.

O que a invasão trouxe ao Afeganistão

Esta guerra, desencadeada a pretexto de uma “guerra ao terror” e de “libertar o povo do Afeganistão” foi de facto uma guerra de agressão que visava servir os interesses dos EUA e outros interesses imperialistas e regionais que ganharam uma maior importância devido ao seu contexto global. Mas a concretização dos objectivos da guerra enfrentou obstáculos que surgiram devido à sua natureza injusta e reaccionária. Isto foi algo que os arrogantes imperialistas não podiam nem queriam prever. Todos os diferentes países imperialistas, quer os governados por regimes abertamente direitistas, quer os de governos social-democratas, obedecem apenas a uma lógica: os interesses do capital monopolista e as relações entre as potências imperialistas. Eles aproveitaram-se do 11 de Setembro e da brutalidade antimulheres do regime talibã para legitimarem a sua invasão do Afeganistão. Eles nunca duvidaram que a vitória chegaria depressa e facilmente.

Porém, a “Operação Liberdade Duradoura”, como foi rotulada a invasão, não trouxe nenhuma liberdade ao povo do Afeganistão. Pelo contrário, o resultado foi todo o tipo de miséria imposto sob várias formas ao povo pelos ocupantes e pelos fundamentalistas. Além dos frequentes bombardeamentos de aldeias nas zonas disputadas do sul e do leste do país, os invasores praticam a tortura em Bagram (uma antiga base soviética perto de Cabul agora controlada pelos EUA) e noutras instalações militares. Eles hostilizam o povo, ou pior, nas suas ruas e casas. Em vez da prometida reconstrução económica, a economia do país tornou-se dependente do comércio de droga. Cerca de 40% das pessoas sofre de pobreza absoluta e 20 milhões – mais de 70% da população – vive abaixo da linha de pobreza. Os invasores entregaram o governo e o parlamento aos mais corruptos e brutais criminosos e reaccionários que as pessoas conheceram e odiaram durante os últimos 30 anos.

Além disso, a ocupação do Afeganistão arrastou o Paquistão profundamente para esta guerra, criando o risco de um conflito mais vasto e mais complexo que poderá alastrar a outros países da região, como o Irão e mesmo possivelmente a Índia.

O estado da ocupação

Quando começou a ocupação do Afeganistão, muita gente ficou surpreendida com a superioridade militar dos imperialistas e em particular dos imperialistas norte-americanos, sobretudo devido aos vídeos, tipo jogos virtuais, do seu aparato militar de alta tecnologia repetidamente passados nos ecrãs globais de televisão. Contudo, hoje, a situação militar da ocupação deteriorou-se tanto que altos responsáveis governamentais e militares ocidentais estão agora a usar expressões como “beco sem saída” para descreverem as condições nalgumas partes do país. Um recente, ainda que secreto, relatório de informações de Washington chama à situação global uma “espiral descendente” (International Herald Tribune, 31 de Outubro de 2008). Deixámos de ouvir alegações de que os EUA estão a ganhar a guerra. Todas as fontes autorizadas concordam em que a ocupação enfrenta, no melhor dos casos, muitos mais anos de combate.

Mesmo que se compare a actual situação militar com a de há 18 meses atrás, quando os responsáveis pela ocupação ainda estavam optimistas sobre a vitória, pode ver-se que a guerra se intensificou muito mais. O número de mortos subiu de ambos os lados. A guerra alastrou a novas regiões, e zonas que os ocupantes antes consideravam sob controlo são agora consideradas perigosas – partes do norte do país e mesmo a capital. Talvez a única vitória militar dos ocupantes nos últimos dois anos tenha sido o massacre de vários importantes chefes talibãs. Porém, o impacto duradouro dessas mortes é discutível.

As alterações na situação deram lugar a contradições entre os imperialistas e entre os ocupantes e o regime fantoche. Estes conflitos não são de tal forma que possam dividir ou debilitar seriamente a coligação imperialista neste momento, mas afectaram a moral. O tom tornou-se mais azedo. Vários governos já não estão tão entusiásticos com o envio de tropas para o Afeganistão. Além disso, eles estão a culpar os EUA pela deterioração do estado das coisas, devido, dizem eles, a erros estratégicos e a uma abordagem de mão pesada.

Uma reunião da Nato que teve lugar em Abril passado em Bucareste incluiu uma conferência alargada sobre a situação militar no Afeganistão a que assistiram chefes de estado e de governo. Nessa cimeira, os EUA, a Grã-Bretanha, a Holanda e o Canadá exigiram vigorosamente que Alemanha, França e Itália enviem mais tropas para o Afeganistão e levantem as restrições que agora mantêm as suas forças aí estacionadas longe dos combates. A cimeira de Bucareste e o período que a antecedeu revelaram significativas divergências entre os ocupantes. Apesar da resistência de alguns países, os presentes na cimeira concordaram em enviar mais soldados. Mas a cimeira foi incapaz de ultrapassar as diferenças. Apesar de uma falsa demonstração de unidade no final, ela trouxe à superfície a fragilidade da unidade entre eles, reflectindo as discordâncias políticas e os interesses contraditórios.

Os níveis de tropas de ocupação

Actualmente, 40 países têm tropas no Afeganistão. Até recentemente, 26 desses contingentes estavam sob o comando da NATO no quadro da chamada Força de Ajuda à Segurança Internacional (ISAF) e o resto sob as forças de coligação lideradas pelos EUA.

No início da ocupação, a ISAF tinha 5000 tropas, concentradas sobretudo em Cabul, e o número de tropas da “coligação internacional” ascendeu a 20.000 antes de baixar para 15.000 quando a NATO assumiu o comando da ISAF e começou a participar nas zonas de guerra. Assim, as tropas de ocupação eram cerca de 20.000 no total.

Nos anos desde então, com a intensificação da guerra, aumentou a presença de forças estrangeiras no Afeganistão. Há agora cerca de 60.000 tropas sob o comando da NATO. Diz-se que actualmente o número total de soldados norte-americanos no Afeganistão é cerca de 36.000.

Estes números de tropas referem-se àqueles a que estão atribuídos papéis de combate. As Equipas de Reconstrução Provincial (PRTs) e os agentes das empresas armadas privadas de segurança também deveriam ser contabilizados como parte das forças de ocupação.

“Apesar de terem a palavra ‘reconstrução’ no seu nome, essas equipas PRTs que operam em todo o país, são militares e não civis. Cada uma é dirigida por um país específico da NATO. Embora os seus membros não usem uniformes, são todos soldados. São acompanhados por soldados sem uniforme para protegerem a sua segurança. Os programas económicos, sociais e culturais são apenas um aspecto das suas múltiplas tarefas. Eles também participam naquilo a que chamam reconstrução militar, organizando as forças policiais e treinando os recrutas. De facto, eles detêm o controlo da segurança provincial. Também intervêm em todas as questões de administração, contratando e despedindo peritos estrangeiros para as agências governamentais nas províncias. Estas equipas têm a verdadeira administração e segurança das províncias sob seu controlo e podem mesmo contratar ou despedir os governadores provinciais.” (Do Sholeh Jawid, n.º 18, órgão do Partido Comunista [Maoista] do Afeganistão). Há cerca de membros das PRTs no Afeganistão.

Milhares de empregados de empresas privadas de segurança foram enviados com as forças de ocupação. Embora vão e venham, o seu número é estimado em cerca de 5000 em qualquer momento. Esses grupos têm normalmente a tarefa de patrulhar as principais estradas, escoltar as caravanas de logística e proteger as instalações governamentais e os principais responsáveis. A maioria dos empregados de topo desses exércitos privados são ex-oficiais das forças armadas dos EUA, mas eles também empregam pessoal estrangeiro não-americano. Também têm tentado recrutar alguns afegãos, sobretudo entre os criminosos grupos jihadistas.

Assim, o número total de forças de ocupação é agora cerca de 71.000 – cerca de três vezes e meia mais que no início. A seguir à cimeira de Bucareste, o Presidente norte-americano George W. Bush aprovou a deslocação de mais 8000 tropas no início de 2009. Gordon Brown, o primeiro-ministro britânico, indicou que os membros da aliança atribuiriam pelo menos 18 novos helicópteros avançados às operações afegãs. A França anunciou que enviaria 700 soldados para as zonas de guerra no leste do Afeganistão, elevando o número total de tropas francesas para cerca de 3000. O Canadá anunciou que manteria o seu contingente de 2500 soldados no país. As suas tropas estão estacionadas na disputada província de Kandahar, uma fortaleza talibã. Antes, o Canadá tinha avisado que retiraria o seu contingente se outros países não enviassem mais ajuda. Sob pressão da NATO, o governo alemão prometeu mais 1000 soldados e o Bündestag (parlamento) aprovou isso em Outubro. Isto significa que a Alemanha acabará por ter 4500 tropas no país, o terceiro maior contingente depois dos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Finalmente, o General David McKiernan, comandante das forças norte-americanas e da NATO no Afeganistão, disse recentemente que precisava de cerca de mais 15.000 tropas de combate e apoio, para além das 8000 tropas que os EUA já programaram enviar no início do próximo ano.

As mudanças no comando militar

Uma outra mudança significativa desde o início da ocupação é o aumento do papel da Nato no comando das forças de ocupação. Isso ocorreu há vários anos atrás, numa altura em que os EUA estavam preocupados com a guerra no Iraque. À medida que a situação no Afeganistão se intensificava, os EUA tentaram trazer mais forças e soldados europeus de outras partes do mundo sob o comando da NATO (como a Turquia). Agora, a liderança das forças norte-americanas e da NATO foi combinada num só homem, o General norte-americano McKiernan. Esta decisão de restabelecer o total controlo norte-americano de todas as tropas de ocupação no Afeganistão e, ao mesmo tempo, unificá-las sob um único comando reflecte a convicção generalizadamente partilhada em Washington de que a guerra vai mal e deveria ser trazida mais para o centro das preocupações estratégicas dos EUA, em termos do nível de tropas e sobretudo do comando, o que envolve tanto componentes políticas como militares. David Petreus, o general creditado com os recentes sucessos dos EUA na divisão e neutralização, pelo menos temporariamente, de algumas das forças que combatem os ocupantes no Iraque, foi nomeado responsável por toda a região. Espera-se que ele preste uma maior atenção às questões estratégicas no Afeganistão.

Nenhuma paz à vista

Multiplicar o número das suas tropas não ajudou os imperialistas a estabilizarem a sua ocupação. Pelo contrário, resultou numa escalada da guerra de ambos os lados, como o mostram as citações que se seguem.

Em Maio de 2008, e pela primeira vez, o número de soldados da coligação mortos no Afeganistão foi maior que o de mortos no Iraque. “Os responsáveis do Pentágono disseram que, em Maio, foram mortos 16 soldados da coligação no Iraque, 14 deles norte-americanos, e foram mortos 18 soldados da coligação no Afeganistão, 13 deles norte-americanos” (Guardian, 13 de Junho de 2008).

“Globalmente, McKiernan ofereceu uma perspectiva sóbria do Afeganistão, dizendo que a violência é mais intensa do que ele tinha antecipado, particularmente no leste e no sul. O número de militares norte-americanos mortos subiu para mais de 130 este ano e ultrapassou os 117 mortos do ano passado, atingindo um novo pico máximo anual desde que a guerra começou em 2001.” (Washington Post, 2 de Outubro de 2008)

Contudo, não há nenhuma perspectiva de os imperialistas virem a abandonar a sua guerra no Afeganistão. A escalada de tropas, as alterações de comando e outras medidas são uma indicação de um ainda maior envolvimento e determinação por parte de todas as principais potências. Nos EUA, do princípio ao fim da campanha presidencial, todos os principais candidatos defenderam um incremento da guerra aí.

Uma contradição que os imperialistas enfrentam é a seguinte: por um lado, eles não estão dispostos a terminar a ocupação e, por outro, o ódio do povo afegão a essa ocupação é a principal fonte de vigor dos fundamentalistas que a combatem. Neste mesmo momento, há muita discussão dentro dos círculos imperialistas sobre a forma de lidarem com isso e darem um passo em frente, não só na inversão da maré desfavorável da guerra mas também em atingirem os seus objectivos políticos. Um indício da seriedade da sua intenção de persistirem é que, embora reconheçam o risco de propagarem ainda mais a guerra na região, eles nem sequer estão a deixar que esse perigo os faça parar.

Consequentemente, o Afeganistão está uma vez mais no centro da discussão e das diferenças entre os imperialistas. Mesmo o futuro do regime fantoche, e em particular o do próprio Karzai, estão em séria reflexão. Não há dúvida nenhuma que os imperialistas se estão a esforçar para proporem uma estratégia “mais realista”. E é óbvio que a sua estratégia “mais realista” não vai significar retirarem as suas garras do Afeganistão. O que lhes parece “mais realista” é aumentarem imensamente o número das suas forças no Afeganistão ou de alguma forma tentarem chegar a um acordo com os talibãs e atraí-los para o regime fantoche, ou uma combinação de ambos.

Isso não resolveria o problema, embora pudesse resultar em alguns resultados temporários. A contradição principal – a intervenção e o domínio imperialista – permaneceria não resolvida e continuaria a afirmar-se, como tem sido o caso do Afeganistão durante os últimos 30 anos.

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