Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 2 de junho de 2018, aworldtowinns.co.uk

França: Heróis e imigrantes
A França desfrutou de um momento de se ficar a sentir bem quando o Presidente Emannuel Macron realizou um muito divulgado encontro com Mamoudou Gassama e prometeu a cidadania a esse jovem maliano que vivia e trabalhava indocumentado em Paris. Um vídeo visto por milhões de pessoas tinha-o mostrado a subir pela parede exterior de um prédio de apartamentos para resgatar uma criança pendurada por uma mão numa varanda a grande altura.
Gassama merece certamente um louvor e muito mais pelo seu heroísmo, mas Macron agiu com um calculismo cínico. O tratamento digno que, por uma vez, foi concedido a um migrante visou dar uma fachada humana a um político que está atualmente a pressionar o parlamento para aprovar legislação que torne mais fácil expulsar massivamente outros imigrantes. Muitos deles, como Gassama, provêm das antigas colónias francesas ainda sob sua dominação e que, tal como Gassama, atravessaram desertos e mares para escaparem às consequências do saque e do controlo franceses que moldaram os países deles. Como proclamou um outro político, criar uma exceção para um africano dá à França a autoridade moral para deportar centenas de milhares de migrantes. Ao mesmo tempo que a comunicação social francesa se entregava a uma orgia de autocongratulação, a polícia estava a destruir uma vez mais um campo de migrantes situado nos limites de Paris que alojava pessoas como Gassama.
Também quase ao mesmo tempo, os tribunais franceses começavam a punir severamente várias pessoas por terem salvado imigrantes cujas vidas estavam em perigo. Três jovens de França, Itália e Suíça foram encarcerados durante dez dias e as vidas e movimentos deles estão agora sujeitos a longos períodos de restrições draconianas enquanto eles estão à espera de julgamento. Eles estão acusados de ter participado numa marcha de cerca de 160 pessoas que acompanharam e protegeram imigrantes africanos enquanto estes caminhavam de Itália para França através dos Alpes. Estas travessias tornaram-se cada vez mais perigosas desde que a polícia começou a bloquear totalmente as estradas e os vales de mais fácil travessia entre os dois países. Em maio, dois imigrantes foram encontrados mortos nessas florestas. As ações de vigilância feitas nessa região por grupos fascistas de toda a Europa tornaram a situação ainda mais perigosa.
Uma mulher local de 73 anos, viúva de um polícia e que se tornou uma ativista da imigração desde a aposentação dela, está agora a ser julgada por ter entrado em França com dois jovens adolescentes da Guiné. Segundo a Amnistia Internacional, os dois jovens tinham sido ilegalmente detidos pela polícia em França e levados para Itália, apesar de serem menores a viajar sozinhos que pediram o estatuto de refugiados, de terem sido reconhecidos como tal por uma agência oficial francesa e de supostamente deverem estar sob proteção do governo francês. Depois disso, a polícia italiana recusou-se a permitir que eles deixassem a zona da fronteira, deixando-os presos num limbo. A mulher encontrou os dois jovens junto a um sinal da fronteira francesa e caminhou com eles até um posto policial francês para exigir que os direitos deles fossem respeitados – e por isso ela foi presa.
Todos estes quatro europeus presos enfrentam dez anos de prisão e enormes multas porque são acusados de terem agido como “bando organizado”. (No caso da viúva, o “bando organizado” criminoso é a Amnistia Internacional.)
No passado, ainda não há muitos anos, a França gabava-se de ser “uma terra de refúgio”. Um clamor das pessoas que ainda defendem essa ideia forçou um governo anterior a recuar e abandonar a ideia de criminalizar totalmente o que é conhecido como “crime de solidariedade”, uma referência irónica à reversão pelo governo do “dever de solidariedade” que existe na lei francesa, segundo o qual é ilegal não ajudar uma pessoa em perigo. Até agora, os governos franceses alegavam fazer uma distinção entre os atos humanitários de cidadãos individuais e o “tráfico de seres humanos” organizado para fins lucrativos. O governo de Macron está a avançar para remover da lei esta distinção, como já o fez na prática. A Itália tem feito o mesmo, ameaçando com acusações criminais máximas as tripulações dos navios das ONG que resgatem imigrantes em perigo de afogamento.
Por mera casualidade, a criança que Mamoudou Gassama salvou da morte não era um imigrante indocumentado. Caso contrário, o próprio Gassama poderia mesmo enfrentar a prisão pelo “crime de solidariedade”. Em todo o caso, ele foi ainda mais corajoso, não só porque arriscou uma queda estropiadora ou mortal, mas também porque ele não tinha nenhuma razão para acreditar que a recompensa dele por ter saído das sombras fosse outra coisa que não um espancamento policial, a prisão ou a deportação.