Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 9 de Fevereiro de 2015, aworldtowinns.co.uk

A imigração tornou-se num assunto supremo na cena política britânica e no debate entre os representantes políticos da sua classe dominante.

Migrantes do mundo inteiro, e especialmente do Médio Oriente e África, há décadas que tentam entrar na Grã-Bretanha para encontrarem trabalho. O número de novos imigrantes vindos de fora da União Europeia [UE] baixou em mais de um terço desde o seu pico há uma década atrás, enquanto o número anual de novos imigrantes oriundos de países europeus, sobretudo da Europa de Leste, aumentou imensamente (para 92 mil), embora este número continue a ser inferior ao dos imigrantes vindos de fora da UE (168 mil). Entre 1997 e 2009, 2,2 milhões de pessoas foram viver para a Grã-Bretanha.

Para os políticos dos principais partidos políticos da Grã-Bretanha, usar este tema – de facto, fazer dele o enorme tema que é – tem sido uma das principais formas como eles procuram moldar a opinião pública.

Os principais partidos políticos têm visado tanto os imigrantes europeus como os não europeus. Este artigo examina principalmente a fúria dirigida contra os imigrantes oriundos da UE. Como eles têm os mesmos direitos e estão habilitados aos mesmos benefícios que os cidadãos britânicos, estão a ser culpabilizados pelas longas filas nas consultas no sistema público de saúde e pela indisponibilidade de habitação pública. Juntamente com os imigrantes em geral, eles são acusados de serem responsáveis pela sobrelotação dos transportes públicos e por todo o tipo de outros males sociais, bem como de algumas coisas que de facto não são problema nenhum, como o aumento da diversidade étnica e linguística em Londres e outras cidades. As preocupações com as afrontas culturais à “identidade inglesa” estão a ter atenção.

Estes partidos têm tentado ultrapassar-se uns aos outros com os seus planos para limitar a imigração para o Reino Unido. Tudo isto tem resultado não só numa draconiana política anti-imigrantes, como também permitiu a ascensão da figura política abertamente racista de Nigel Farage e do partido dele, o UKIP (Partido da Independência do Reino Unido). Farage, membro do Parlamento Europeu, e o partido dele têm obtido apoio nalgumas praças-fortes do Partido Conservador (Tory) no sul e sudeste de Inglaterra. Nas eleições para o Parlamento Europeu de Maio de 2014, o UKIP obteve quase um terço dos lugares da Grã-Bretanha, com mais votos que qualquer outro partido. Esta foi a primeira vez que um partido além dos Trabalhistas e dos Conservadores obteve o maior número de votos numa eleição nacional desde 1906. Nos últimos meses, alguns destacados membros do Partido Conservador saíram do seu partido para o UKIP.

O ponto forte do programa do UKIP é “pôr a Grã-Bretanha em primeiro lugar”, retirando-a da União Europeia e acabando com a maior parte da imigração. Farage é conhecido por ter uma retórica que culpa a imigração por tudo o que está mal na Grã-Bretanha, incluindo o desemprego, o crime, o anti-semitismo, a falta de casas, a situação do Serviço Nacional de Saúde e a deterioração geral do estado social. Ele também se tem queixado de que há idiomas estrangeiros que estão a ser falados nos transportes públicos, e chegou mesmo a culpar o número de imigrantes pelo intenso trânsito que quase o fez faltar a uma conferência do seu partido.

O UKIP, embora mais deliberadamente provocador na sua retórica, é um produto da campanha anti-imigração dos outros três principais partidos que já antes promoviam uma retórica e políticas anti-imigrantes e chauvinistas britânicas antes de o UKIP ter sido fundado. Agora, estes partidos estão a usar a ameaça política colocada pelo UKIP como desculpa para competirem com ele e uns com os outros no alimentar de sentimentos retrógrados e racistas entre a população.

O Partido Trabalhista, então liderado por Tony Blair durante o tempo em que ele esteve no governo nas décadas de 1990 e 2000, introduziu algumas das mais draconianas restrições à imigração. Num discurso em 2005, Blair disse que entre os feitos de que ele mais se orgulhava estava a redução do número de pedidos de asilo em dois terços e a quase triplicação das deportações. Apesar de às vezes tentar representar o papel de “tipos simpáticos” quando não está no governo, o Partido Trabalhista saltou completamente para dentro desta vil campanha actual. Embora o líder do partido, Ed Miliband, goste de salientar que é filho de imigrantes quando isso lhe dá jeito, ele declarou recentemente que as “preocupações” dos apoiantes do UKIP “a maior parte do tempo não são baseadas em preconceitos, são baseadas na realidade”. Aqui, ele estava a ecoar o primeiro-ministro conservador (Tory) David Cameron, que tinha dito que as “preocupações” de Farage também são as dele.

Como o Partido Trabalhista pretende representar os trabalhadores, Miliband teve de acrescentar a alegação de que os imigrantes fazem baixar os salários e dizer que “tem sido um campeão da abertura e da diversidade”, mas que “o sistema não está a funcionar” – querendo dizer o sistema de imigração. O significado disto foi revelado num folheto do Partido Trabalhista deixado em caixas de correio de todo o país que denunciava os Tory por “terem perdido o controlo das nossas fronteiras” e prometendo libertar os serviços públicos de pessoas que não “falam correctamente o inglês”. Quando se tornou primeiro-ministro, Cameron prometeu reduzir globalmente a imigração em oitenta por cento. Agora, o Partido Trabalhista está atacá-lo, não por ter feito essa promessa reaccionária, mas por não a ter cumprido.

Tanto os Tory como os trabalhistas, que implementaram cortes drásticos na despesa pública com serviços sociais, querem culpar os terríveis resultados na saúde, na educação, na habitação e noutras áreas com a “inundação” de imigrantes e sobretudo de imigrantes oriundos da UE. Por isso, Cameron e o governo dele propuseram um plano para reduzir ou limitar a maioria desses serviços aos cidadãos da UE que vão para a Grã-Bretanha em busca de emprego, incluindo tanto os subsídios de desemprego como outros benefícios para os que têm trabalho. (A percentagem de imigrantes que trabalham é muito mais elevada que a da população não-imigrante em idade de trabalhar.) Ele também disse que o governo dele quer deportar os trabalhadores da UE que fiquem no desemprego durante mais de seis meses, embora tenha reconhecido que uma tal medida seria ilegal sem uma renegociação dos tratados da UE que o país assinou.

É extremamente improvável que todos os outros países da UE concordem em eliminar o direito dos cidadãos de um país membro a viverem e trabalharem em todos os outros, o que supostamente é um pilar da própria União Europeia, juntamente com a livre movimentação do capital e o mercado aberto às mercadorias. A chanceler alemã Angela Merkel e outros responsáveis governamentais europeus deixaram claro que não permitirão que a Grã-Bretanha escolha quais os princípios fundamentais da UE que irá seguir.

No discurso dele em Staffordshire no final do ano passado, Cameron recuou na declaração de uma “paragem de emergência” na imigração e de imposição de um limite no número de migrantes, que os responsáveis governamentais têm repetidamente proposto. Em vez disso, disse que iria reduzir o fluxo de imigrantes da Europa através da redução dos “alegados” incentivos à imigração. Porém, incluiu uma ameaça de que a Grã-Bretanha poderia sair da UE se essas condições não forem aceites pelos outros países da UE, dizendo: “Se as nossas preocupações caírem em orelhas moucas e não pudermos pôr a nossa relação com a UE numa base melhor, então é claro que não afasto nenhuma opção”. Cameron tinha antes agendado para 2017 um referendo sobre se a Grã-Bretanha deveria ou não sair da UE; agora diz que o quer realizar no ano que vem.

A saída da Grã-Bretanha da União Europeia já não é considerada impossível. Embora haja avaliações divergentes sobre se isso seria vantajoso, aceitável ou desastroso para o capital britânico, este debate é ele próprio novo. Afinal de contas, foram os Conservadores sob a liderança de Margaret Thatcher que levaram a Grã-Bretanha para a UE. Se a Grã-Bretanha sair da UE ou usar essa ameaça para renegociar os seus compromissos legais, ou mesmo se acabar por não mudar nada nessa relação, ainda assim parece que a opinião pública anti-UE (e anti-estrangeiros) está a ser alimentada pelos três principais partidos para fortalecerem o controlo das classes dominantes britânicas em qualquer eventualidade.

Estas ameaças de saída parecem indicar que a Grã-Bretanha está a deslocar-se para uma direcção oposta à de outros países da UE e sobretudo da eurozona de 17 membros (e acima de tudo da Alemanha, em conjunto com a França) que procura uma maior integração económica europeia.

Mesmo que a continuação da Grã-Bretanha na UE seja substituída por uma zona de comércio livre conjunta Grã-Bretanha-UE ou por alguns outros tratados económicos, ainda assim uma tão importante decisão iria reflectir e acelerar as principais divergências entre os países imperialistas ocidentais. No mínimo, esta situação revela alguma coisa sobre a volatilidade das relações internacionais nos dias de hoje.

Porque é que eles estão a fazer isto?

As estatísticas reais mostram que Cameron e outros políticos britânicos estão a mentir sobre o papel que os migrantes podem desempenhar e têm desempenhado em países de destino como a Grã-Bretanha. Mesmo as alegações mais restritas de que os imigrantes colocam problemas orçamentais a curto prazo à Grã-Bretanha são falsas. “Como diz Katja Hall, directora-geral adjunta da confederação da Indústria britânica: ‘A imigração tem ajudado a manter a máquina desta recuperação a andar ao preencher a escassez de competências e ao permitir que as empresas britânicas cresçam’”, escreveu um comentador no jornal Observer (30 de Novembro de 2014).

Segundo a mesma fonte, um estudo do Centro de Investigação e Análise da Migração do University College de Londres indicou que os migrantes acrescentaram 20 mil milhões de libras à economia britânica durante a década até 2011 e que os migrantes da UE pagaram significativamente mais impostos britânicos do que receberam em benefícios.

O jornal The Guardian noticiou recentemente que 30 mil cidadãos britânicos estão a receber benefícios de desemprego em países de toda a UE. Isto ridiculariza os argumentos feitos por Cameron e pelos congéneres dele. Ainda pior para a credibilidade de Cameron, “os britânicos que recebem benefícios em países mais ricos da UE ultrapassam os dos mesmos países na Grã-Bretanha. Os britânicos que recebem benefícios na Irlanda ultrapassam os irlandeses numa razão de cinco para um e os alemães em quatro para um. E muitos britânicos recebem benefícios muito melhores noutros estados da UE do que teriam aqui”. (The Guardian, 21 de Janeiro de 2015)

Cameron, o vice-primeiro-ministro dele (Nick Clegg, do Partido dos Democratas Liberais), Miliband e Farage sabem tudo isto. Eles escondem as estatísticas, ou usam estatísticas enganadoras, para moldarem as conversas de acordo com os termos que eles querem impor.

O mesmo cinismo, mentiras e crueldade que as autoridades da Grã-Bretanha exibem em relação aos imigrantes europeus são multiplicados múltiplas vezes em relação aos migrantes do Médio Oriente e de países africanos sob dominação do imperialismo ocidental. Embora eles enfrentem um tratamento muito mais severo e mesmo mais hostil por parte das autoridades britânicas que os imigrantes europeus, também ninguém pode alegar que a economia britânica não precisa destes migrantes. Apesar da vil campanha contra os imigrantes, os sucessivos governos britânicos têm tido de admitir todos os anos muitos milhares de imigrantes de países dominados, e isto não parou com o governo de Cameron.

O governo britânico pode não ter um controlo total, mas tem pelo menos um duro controlo sobre quem admitir e quantos admitir na Grã-Bretanha. E admite um número de imigrantes ou refugiados de acordo com a sua necessidade de ajustar a sua mão-de-obra e o crescimento da população. Eles têm as suas estruturas e mecanismos para fazer isso e não têm vergonha de recorrer às mais brutais práticas para regular a situação. Isto inclui a deportação de imigrantes ou a detenção e a prisão, onde eles em vez de trabalhar desperdiçam as suas vidas. Outros imigrantes são forçados a viver clandestinamente. Algumas pessoas deixam tudo e regressam a casa, frequentemente com grande risco, porque o governo britânico demora eternamente as pessoas em vez de dar uma resposta rápida aos pedidos de asilo, por exemplo. Muitas pessoas recebem mensagens telefónicas automáticas a dizer-lhes que deixem imediatamente o país ou enfrentarão a prisão – e isto tem acontecido a pessoas que foram cidadãos durante décadas.

Incontáveis milhares de pessoas à procura de trabalho têm morrido ao tentar atravessar o Mediterrâneo em barcos sobrelotados não adequados a navegar nessas águas. Mas agora, as potências europeias, com a Grã-Bretanha a tomar a iniciativa pública, anunciaram que irão reduzir drasticamente as operações de salvamento marítimo que provavelmente salvaram 100 mil vidas num ano. A Itália, cuja marinha fez a maioria das recentes operações de salvamento, deixará de actuar no alto-mar. Na nova Operação Triton, a Europa, que inclui dezenas dos países mais ricos do mundo, irá operar apenas sete barcos e três aeronaves para cobrir um milhão de milhas quadradas de mar. Além disso, a principal missão desses navios e aeronaves não será salvar as pessoas de se afogarem, mas sim impedi-las de chegarem à Europa.

A Grã-Bretanha foi mesmo mais longe quando o seu governo anunciou que “não iria apoiar nenhuma futura operação de busca e salvamento, incluindo a Triton, alegando que a ajuda iria apenas encorajar mais pessoas a arriscar a travessia”. (The Guardian, 27 de Outubro de 2014) Muitos dos que são condenados à morte no mar são refugiados de países onde a Grã-Bretanha está neste momento a desempenhar um papel activo na sua devastação, como a Síria (a principal fonte de refugiados), o Sudão e a Somália, bem como outros países africanos. Cameron, talvez mais abertamente que qualquer outro chefe europeu dos governos agora no poder, está essencialmente a defender e a liderar o afogamento em massa de estrangeiros.

O poder britânico – os políticos, a comunicação social e por aí adiante – não está apenas a implementar políticas reaccionárias. Nem está apenas a levar a cabo uma política eleitoral. Também está a legitimar, a encorajar e mesmo a impor a ideologia mais brutal e reaccionária, uma forma de pensar e de sentir que é tão perigosa quanto desprezível.

A Grã-Bretanha tem pelo menos tanta responsabilidade como qualquer outro país na história humana em termos de trazer miséria aos povos do mundo durante os últimos cinco séculos. O modo caloso e instrumental como os representantes da classe dominante britânica lidam com os imigrantes europeus, e as atrocidades selvagens que infligem de uma forma muito mais geral, são dois lados dos mesmos valores “britânicos” e interesses nacionais que dizem estar a ser ameaçados pela imigração.

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