Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 21 de Julho de 2008, aworldtowinns.co.uk
Sobre a proposta de pacto nuclear EUA-Índia
A proposta de tratado nuclear EUA-Índia representa um desenvolvimento significativo e perigoso para os povos da região e do mundo.
O debate no parlamento indiano, um dos mais encarniçados dos últimos anos, fazendo com que o governo liderado pelo Partido do Congresso tenha que enfrentar um voto de confiança marcado para 22 de Julho, foi completamente reaccionário de ambos os lados. O Partido do Congresso, de Sonia Gandhi, já está a salivar com a perspectiva de acorrentar ainda mais o destino da Índia aos EUA. O Partido Bharatiya Janata (BJP), fundamentalista hindu (ou fascista hindu, como é frequentemente chamado), alega que o tratado pode vir a dificultar a capacidade da Índia usar as suas armas nucleares como pretender. O antigo partido pró-soviético, o Partido dito Comunista da Índia (Marxista), pôs nos seus argumentos uma capa de oposição à subserviência aos EUA e pode estar mais disponível para acordos semelhantes com as potências europeias, mas não é menos entusiástico que o BJP no apoio a um expansionismo indiano com armas nucleares. Os EUA têm intervindo proclamando descaradamente: este é o melhor acordo que vocês podem vir a obter e é melhor que o aceitem ou serão punidos.
Segundo o acordo proposto, para cuja assinatura o governo Bush tem pressionado implacavelmente, Washington daria à Índia acesso à tecnologia norte-americana de centrais nucleares e a combustível. Supostamente, isso seria estritamente limitado a projectos nucleares civis, mas o acordo está a ser votado numa altura em que os EUA estão a ameaçar que “todas as opções estão sobre a mesa” para impedirem o Irão de desenvolver o seu próprio programa de enriquecimento de urânio, declarando correctamente que não há nenhum muro entre a tecnologia nuclear civil e a militar. Além disso, enquanto o Irão assinou o tratado de não-proliferação nuclear e por isso está sujeito a inspecções internacionais, a Índia tem-se recusado a fazê-lo. O novo acordo permitiria a inspecção das centrais nucleares da Índia mas protegeria as suas instalações militares de olhos indiscretos. Os peritos têm salientado que o fornecimento de combustível nuclear à Índia para as suas centrais eléctricas permitir-lhe-ia concentrar os seus recursos no enriquecimento de urânio para fins militares. Ainda mais importante, a Índia tem armas nucleares; o Irão não.
Há uma arrogância de grande potência neste pacto, dado que os EUA estão a tentar impor as suas condições à Índia. É essa a importância política dos acordos desiguais em que os EUA têm direito a inspeccionar e controlar os programas nucleares da Índia (e ninguém tem autorização para inspeccionar os EUA!) e em geral têm a última palavra sobre as opções usufruídas pelo seu parceiro menor. A Índia passaria a depender do combustível nuclear dos EUA e ficaria acorrentada a contratos com empresas norte-americanas. Esse negócio é altamente lucrativo e alvo de uma concorrência internacional de alta pressão entre as grandes potências. Isso iria aumentar a dependência económica estrutural da Índia. Mas a proposta de tratado faz parte de um quadro mais vasto e envolve esforços norte-americanos para atrair a Índia como grande aliado militar regional, dado que as ambições regionais da Índia passam a convergir mais inteiramente com as do império norte-americano.
Há muito que a Índia age como gendarme regional dos imperialistas, por exemplo no Sri Lanka e potencialmente contra o Nepal. Cada vez mais, os EUA têm estado a preparar a Índia como aliado militar, não só contra os países mais pequenos da Ásia do Sul que a Índia habitualmente intimida, mas mais que isso. As rivalidades há muito existentes entre a Índia e o Paquistão e a China passaram a ter um novo conteúdo, com os EUA a esgrimirem a Índia como ameaça, de forma a manterem os regimes desses países alinhados com os actuais interesses norte-americanos. Não há necessariamente nenhum conflito de interesses entre a subserviência indiana em relação aos EUA e o expansionismo indiano. Por exemplo, o aproveitamento da Índia de uma maior influência no Afeganistão tanto visa o vizinho Paquistão, cujo regime perdeu o estatuto de fiável defensor dos interesses norte-americanos, como é uma grande ajuda à ocupação liderada pelos EUA.
Os EUA efectuaram 13 séries de jogos de guerra envolvendo a Índia desde 1995, altura em que a Índia, antes aliada da União Soviética, começou a ser incorporada no império norte-americano. Nos dois últimos anos, as manobras – cada uma maior que a anterior – foram particularmente importantes. Em 2007, teve lugar a primeira flexão de músculos da recém-formada Iniciativa Quadrilateral, uma aliança militar que reúne navios de guerra dos EUA (e não navios quaisquer, mas os porta-aviões Kitty Hawk e Nimitz), Índia, Japão e Austrália. (Singapura também participou.) Embora no passado a Índia também tenha efectuado exercícios de articulação com a China e a Rússia, a ponta de lança desta aliança visa específica e claramente a China. Um ano antes, navios de guerra norte-americanos, indianos e japoneses tinham efectuado manobras de articulação no Mar do Sul da China. As Forças Especiais dos EUA também efectuaram durante três semanas operações conjuntas no nordeste da Índia, em que o exército indiano deveria dar aos soldados norte-americanos conselhos sobre guerra contra-insurreccional.
Este enquadramento torna particularmente sinistra a proposta de pacto nuclear EUA-Índia. Para começar, porque é que a Índia tem armas nucleares – e porque é que os EUA estão agressivamente a tentar obter um acordo cujo verdadeiro efeito será assegurar que a Índia pode ter mais armas nucleares? O objectivo deste tratado é a agressão: a agressão norte-americana na busca dos seus interesses imperialistas e a agressão indiana como parceiro dos EUA – não menos odiosa e letal por ser de um parceiro de menor dimensão, e um parceiro muito grande e estratégico.
(Ver também o comunicado do PCI(ML) Naxalbari: “Rejeitemos o acordo nuclear Índia-EUA”)