Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 30 de Maio de 2005, aworldtowinns.co.uk

Afeganistão: Uma narcocolónia dos EUA

O texto que se segue é o resumo de um artigo da edição de Março (n.º 5) do Sholeh, uma publicação do Partido Comunista (Maoista) do Afeganistão.

Depois de invadirem e instalarem o regime fantoche de Hamid Karzai, os EUA e os seus aliados anunciaram que eliminar o tráfico de drogas seria a sua primeira prioridade. Nos três últimos anos eles salientaram os seus esforços para eliminar o ópio. Supostamente, gastaram 100 milhões de dólares nessa campanha. Mas, em vez de diminuírem, a produção e o tráfico de drogas aumentaram.

Tanto as fontes bem informadas dentro do país como a imprensa estrangeira indicam que o Afeganistão ainda é o maior produtor de drogas do mundo. Essas fontes indicam que, em termos de área cultivada, a produção de ópio deste ano aumentou 60 % em relação ao ano passado. Actualmente, a planta da papoila a partir da qual o ópio e depois a heroína são produzidos, está a ser cultivada em regiões onde nunca antes fora. Essas fontes dizem que o valor total do ópio produzido no Afeganistão será este ano de 24 mil milhões de dólares, com 3 mil milhões a ir para os afegãos e 21 mil milhões para organizações internacionais do crime.

Os talibãs tornaram a economia do Afeganistão totalmente dependente das drogas, impulsionando o seu tráfico. Amir Mullah Mohamad, membro dessa organização, descreveu o ópio como a bomba atómica do Afeganistão. Embora no final dos seus dias o regime talibã tenha reduzido até certo ponto a produção de ópio, depois do seu colapso a produção de ópio subiu em flecha. No pico da produção de ópio no Afeganistão, durante o regime talibã, atingiu as 3000 toneladas. Depois de Karzai ter chegado ao poder, saltou de 3500 toneladas no seu primeiro ano para 4000 no segundo e 5000 no terceiro.

Alguns dias após as eleições que anunciaram Karzai como presidente, ele apelou a uma “jihad” contra os narcóticos. Declarou que a guerra contra a produção e o tráfico de drogas era mais importante que a “guerra contra o terrorismo”. O conselho de Akhonds (mulás) do regime emitiu um decreto em que apelava a um boicote da produção e do tráfico de ópio, os quais foram apelidados de actos de “infidelidade”.

Mas, apesar desta retórica, o jornal Washington Post, usando informação fornecida por alguns diplomatas ocidentais e sobretudo europeus, expôs o facto de algumas poderosas autoridades do governo afegão estarem fortemente ligadas ao cultivo de ópio. O jornal concluiu que enquanto essas autoridades não forem afastadas do poder, os programas de erradicação da droga continuarão a falhar. Esse artigo incitou o regime fantoche a convocar uma reunião de emergência de todos os ministros e vice-presidentes para refutar o artigo como um conjunto de mentiras. A reunião emitiu um comunicado declarando o artigo do Washington Post como não documentado, infundado e irresponsável e alegando que o governo afegão estava a lutar contra os narcóticos com todos os poderes à sua disposição.

Cerca de uma semana depois desta altissonante declaração, o Ministério do Interior do regime emitiu um comunicado que concordava com o artigo do Post. Admitia que a razão do fracasso da campanha contra as drogas é que alguns dos responsáveis governamentais têm vínculos aos traficantes. Além de os recursos governamentais serem extensivamente usados no cultivo de ópio, os responsáveis também perturbam e bloqueiam a actividade policial. Nenhuma outra reunião do governo se realizou para refutar esta posição do Ministério do Interior, nem foi feita qualquer contradeclaração. Porém, Karzai voltou a emitir o seu slogan da “jihad” contra os narcóticos.

Para iniciar essa “guerra santa”, Karzai incluiu um novo lugar no seu governo, o “Ministério de Luta Contra as Drogas”. Certamente que um tal Ministério teria a ver com drogas no Afeganistão. Mas como? O seu papel seria combater a produção e o comércio de drogas ou tornar ainda mais lucrativa essa produção e comércio? Examinemos a situação do regime e dos seus amos, as forças imperialistas de ocupação.

As províncias de Helmand, Urozgan, Qandhar e Nangarhar foram consideradas durante muito tempo as mais importantes zonas de cultivo do ópio. O governador de Helmand é membro da família Akhoundzada, senhores da guerra de longa data que controlam a província desde a guerra contra a invasão soviética e que agora apoiam Karzai. O governador de Nangarhar é irmão de Haji Ghadir, um vice-presidente de Karzai que foi morto há dois anos. A sua família herdou o controlo da produção e comércio de ópio na província. Nas províncias de Qandhar e Urozgan, o irmão de Karzai é agora o maior comerciante de ópio e heroína. Ele usou os rendimentos desse negócio para se tornar no maior proprietário de terras da região. O governador da província de Ghazni tem relações particularmente chegadas com Karzai e toda a gente o considera “um homem de Karzai”. Ele controla a principal rede de passagem do tráfico de ópio e heroína, a estrada principal Cabul-Qandhar, sobretudo a secção que vai da capital até Ghalat, uma cidade da província de Zabul, no sul do Afeganistão.

O governador de Bamian (uma província do Afeganistão central habitada principalmente pela nacionalidade Hazra) é um líder do Partido de Unidade Islâmica. Ele criou um grupo de trabalho que colocou um dos membros da sua família encarregue dos grupos militares que controlam a estrada que liga Bamian à parte norte do país, para proteger as remessas de droga ao longo dessa via. Esse homem tornou-se num dos mais ricos na área de Hezarajat. Em Ghataghan e Badakhshan, locais do norte do Afeganistão, bandos ligadas aos partidos Jamiat-e-Islami e Shoraye Nezar (ambos parte da antiga Aliança do Norte) controlam a produção e o comércio de droga. Esses bandos estão ligados a vários antigos senhores da guerra reciclados em políticos, o Marechal Qassim Fahim, Yunes Qanooni e o ministro dos negócios estrangeiros de Karzai, Abdullah Abdullah. Através de Ahmad Zia Massoud (o principal vice-presidente de Karzai e irmão do falecido Ahmad Shad Massoud), também estão ligados ao próprio Karzai. O governador de Balkh (no norte), um veterano do Jamiat-e-Islami, também está numa situação semelhante. Ele antes tinha estado envolvido numa luta pelo controlo da droga com um dos comandantes designados por Karzai, mas tem agora relações próximas com Karzai e trabalhou com Ahmad Zia Massoud para garantir a eleição de Karzai como presidente.

Em suma, uma cadeia de redes de produção e contrabando de droga que se estende do palácio presidencial até aos níveis inferiores das autoridades civis e militares. Essas redes estão em contacto constante com o Centro do Hotel Intercontinental em Cabul, um quartel-general de segurança controlado por generais dos EUA. Grupos privados de segurança afegãos e norte-americanos estão intensamente envolvidos no transporte de droga. Nada disto é segredo para os afegãos; essa informação circula diariamente entre as pessoas.

Mas por que é que um regime que é o principal controlador da produção e tráfico de drogas declara uma “guerra santa contra as drogas” e cria um “Ministério de Luta Contra as Drogas”? Por que é que as potências ocidentais e os EUA em particular fazem tanto barulho por causa das drogas, mas na prática nada fazem? Finalmente, será que o actual alarido do regime sobre as drogas é sério ou apenas um acto de propaganda?

Actualmente, a produção e comércio de drogas é um dos sectores mais lucrativos do mercado mundial. A sua comercialização ascende a centenas de milhares de milhões de dólares e os seus lucros a dezenas de milhares de milhões. Tal como outros sectores do mercado mundial, ele é controlado e dirigido em última análise pela oligarquia do capital financeiro imperialista, i.e., pelos monopólios. Mas, ao mesmo tempo, a produção e o comércio de droga têm uma natureza muito específica porque são “ilegais”. Isto é o que torna possível gerar esse tipo de lucro. Caso contrário, não haveria nenhuma diferença entre vender trigo ou milho e vender ópio. Deste ponto de vista, manter a sua venda ilegal é uma necessidade e é extremamente importante para assegurar a sua espectacular rentabilidade.

Durante os últimos três anos, o cultivo de ópio tornou-se legal na prática, se não mesmo formalmente. A produção de ópio aumentou mil toneladas este ano. A inundação do mercado mudou grandemente a relação entre a oferta e a procura no mercado mundial. Para contrariar a descida dos preços do ópio, foram precisas fortes medidas. A declaração de “guerra santa” contra as drogas está ao serviço desse objectivo. Caso contrário, o preço continuaria a cair e provocaria perdas de milhares de milhões de dólares ao capital imperialista durante os próximos anos. Por outras palavras, esta “guerra santa” às drogas serve os interesses do capital imperialista.

De facto, a “guerra santa” de Karzai contra as drogas é semelhante à fátua (directiva religiosa) emitida pelo líder talibã Mulá Omar que proibia o cultivo de ópio. Nessa altura, o preço do ópio também tinha caído enormemente, ao mesmo tempo que milhares de toneladas de ópio se acumulavam nos armazéns. Se o cultivo do ópio não tivesse sido reduzido, não só as futuras colheitas de papoila, como também o ópio já produzido, teriam perdido ainda mais “valor”, ascendendo a milhares de milhões de dólares. O restabelecimento da ilegalidade das drogas limita o cultivo de ópio e a produção de heroína no Afeganistão, assegurando ao mesmo tempo a sua enorme rentabilidade e concentrando ainda mais o seu controlo nas mãos dos ocupantes e do seu regime fantoche. De facto, um dos objectivos desse plano é cortar as mãos às forças talibãs e da Al-Qaeda envolvidas no comércio de droga e assegurar que os funcionários do regime fantoche o monopolizam. Os ocupantes e em particular os imperialistas norte-americanos não se limitaram a apoiar esta situação, planearam-na e os seus soldados impuseram-na.

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