Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 9 de Março de 2009, aworldtowinns.co.uk
Vaticano: “Que as meninas morram”
A menina tinha nove anos de idade. Tinha sido hospitalizada devido a dores de estômago quando se descobriu que estava grávida de gémeos por ter sido violada pelo padrasto, que se pensa que tenha abusado dela desde que os seis anos dela.
Os médicos decidiram que, como ela era muito pequena (pesava 32 quilos), o útero dela não podia aguentar sequer um bebé, quanto mais dois. E agendaram um aborto.
A Igreja Católica, porém, acha que a deveriam ter deixado morrer. O arcebispo do local onde a menina vive, no nordeste do Brasil, tentou impedir a operação. Quando não o conseguiu, excomungou a mãe dela e os médicos e toda a equipa médica que a efectuou.
Este caso não tem a ver apenas com as particularidades dos oprimidos da região nordeste do Brasil, nem com o país em si. A 7 de Março, um importante responsável do Vaticano, o Cardeal Giovanni Battista Re, respondeu a uma tempestade de protestos contra a excomunhão, vinda das bases católicas e de muitas outras pessoas, apoiando a actuação do clérigo brasileiro como sendo vital para a defesa da doutrina da Igreja. A excomunhão é a exclusão da Igreja e dos serviços religiosos. É uma forma relativamente rara de castigo para quem desafia a doutrina católica e propaga “a divisão e a confusão entre os crentes”. O padrasto violador não foi excomungado pelo que fez. A “violação”, disse o cardeal que também é responsável pela América Latina, “é menos grave que o aborto”. “É um caso triste, mas o verdadeiro problema”, disse ele ao diário italiano La Stampa, “é que os gémeos concebidos eram duas pessoas inocentes que tinham direito a viver e a não serem eliminadas”.
O verdadeiro problema, é claro, é exactamente o contrário: a criança grávida e os embriões poderiam muito bem ter morrido se ela não tivesse feito o aborto, e este responsável do Vaticano está a defender que esse desenlace teria sido melhor que salvar a vida dela com um acto que viola a “lei de Deus”. Por isso, por favor não nos digam que a oposição da Igreja Católica ao aborto se baseia no respeito pela “santidade da vida humana”. Tem a ver com a religião e a autoridade religiosa, sobretudo a doutrina que define as mulheres como receptáculos para carregarem bebés. A actuação da Igreja Católica neste caso não é muito diferente das “mortes de honra” de mulheres “não castas” no Islão e noutras religiões.
Além disso, as circunstâncias especiais deste caso de certa forma obscureceram as questões mais gerais. A lei brasileira só permite o aborto se a vida da mulher estiver em perigo ou se a gravidez resultar de uma violação. E se essa menina não estivesse a gerar as gémeas e se não se soubesse quem era o pai? A verdade é que o simples e básico direito a decidirem se e quando terem crianças é negado à maioria das mulheres do mundo, seja pela lei ou de facto.
Independentemente do que os divide, os apoiantes do Cristianismo, do Judaísmo, do Islão e de outras religiões juntaram as mãos para controlarem as mulheres. Actualmente, em quase todos os lugares do mundo onde há movimentações em torno do direito ao aborto, trata-se de movimentações para trás. A sua insistência nesse aspecto da opressão das mulheres faz parte da sua devoção mais geral pelo sistema patriarcal e pela escravização das mulheres no papel de esposas e mães, em vez da sua emancipação como seres humanos plenamente iguais. Além disso, independentemente de quão retrógrados possam ser esses movimentos religiosos, a sua batalha é pela definição do futuro – pela preservação e pelo reforço, face a uma crescente oposição e a mudanças na vida material, das relações sociais e económicas dominantes e das instituições e ideias que são o que agrilhoam as mulheres do mundo – não a biologia.
A Igreja Católica atiçou as suas divisões contra as conquistas legais no direito ao aborto, onde quer que elas tenham sido obtidas, bem como contra o divórcio, os direitos dos homossexuais e o laicismo em geral, e para impor a “santidade da família”, pela força se necessário. Em nenhum lado isso é mais visível que em Espanha, onde o movimento patrocinado pela Igreja aparece embrulhado no ainda persistente odor do regime fascista do Generalíssimo Francisco Franco, mas o mesmo é verdade em diferentes graus em Itália, na Polónia, em França e noutros lugares. Nos EUA e noutros países em que essa batalha tem sido patrocinada por legiões de protestantes evangélicos, num clima político geral em que a oposição ao direito legal ao aborto se tornou respeitável, mesmo entre os que alegam ter mais conhecimento.
A rapidez da Igreja Católica a excomungar uma mãe e os médicos católicos que salvaram a vida de uma criança contrasta com um outro conhecido caso de excomunhão: o Papa Bento XVI anulou recentemente a excomunhão ordenada por um seu predecessor de um grupo de padres extremistas de direita sancionados em 1970 por terem desafiado a reforma da Igreja conhecida como Conselho Vaticano II. Agora que Bento XVI finge estar surpreendido por um dos padres que ele acolheu de regresso às saias da Madre Igreja, Richard Williamson, continuar a negar a existência das câmaras de gás nazis. Dizemos “finge” porque o grupo de Williamson, a Sociedade de São Pio X, era conhecida pelas suas simpatias nazis e pela sua oposição a qualquer alteração da doutrina católica de que todos os judeus devem ser considerados responsáveis pela morte de Cristo. O Papa Bento XVI planeia visitar Israel em Maio, mostrando assim a sua capacidade de combinar tolerância ao anti-semitismo com apoio ao sionismo, ao serviço de interesses mais altos – a defesa desta ordem mundial injusta, intolerável e desnecessária.
O Papa, pelo menos, parece estar muito consciente da centralidade da opressão das mulheres como pilar dessa ordem. Ele não é o único guardião do mundo tal como ele existe, também é um dos mais influentes e astutos – um lobo com pele de cordeiro.