Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 10 de Maio de 2004, aworldtowinns.co.uk
Soldados dos EUA resistem a uma guerra injusta
O texto que se segue são excertos editados do artigo “Resistentes militares: Nas próprias palavras deles”, de Phillip Watts, publicado no n.º 1236, de 11 de Abril de 2004, do jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (revcom.us/a/1236/giresist.htm em inglês e revcom.us/a/1236/resist_s.htm em castelhano). O artigo foi escrito antes das recentes revelações de atrocidades cometidas por soldados dos EUA no Iraque que originou uma maior resistência a esta guerra injusta por parte daqueles que são chamados a fazê-la.
Resistentes militares: Nas próprias palavras deles
Por Phillip Watts
Quase 600 GIs (soldados dos EUA) estão dados como AWOL (“ausentes sem licença” – significando que abandonaram as forças armadas sem autorização, embora não tenham sido necessariamente classificados como desertores). Entre os GIs que responderam a uma sondagem recente, 50 por cento declararam uma moral reduzida. Mais de 600 GIs morreram no Iraque e mais alguns milhares ficaram gravemente feridos. Os anúncios de recrutamento militar na televisão certamente que não dizem nada aos que tentam recrutar sobre arrasar aldeias iraquianas e matar civis iraquianos (cerca de 10000 já foram mortos nesta guerra até agora). Há muito para aprender destas histórias dos resistentes GI.
O caso de Camilo Mejia
Entre os casos de AWOL mais importantes está o de Camilo Mejia. Mejia serviu no exército durante três anos. Alistou-se inicialmente na sua juventude depois de chegar aos EUA vindo da Nicarágua.
Mejia fez várias declarações contundentes sobre as suas razões para não regressar. “A justificação para esta guerra é o dinheiro e nenhum soldado deveria ir para o Iraque e dar a sua vida pelo petróleo. Esta é uma guerra imoral, injusta e ilegal”, disse ele à imprensa. “Todo o assunto se baseia em mentiras. Não há nenhuma arma de destruição em massa e não havia nenhuma ligação ao terrorismo. É uma questão de petróleo, contratos de reconstrução e controlo do Médio Oriente.”
“Quando vi com os meus próprios olhos o que a guerra pode fazer às pessoas, uma verdadeira transformação começou a ocorrer dentro de mim. Testemunhei o sofrimento das pessoas cujo país está em ruínas e que ainda por cima são humilhadas pelas rusgas, pelas patrulhas e pelo recolher obrigatório de um exército de ocupação. A minha experiência desta guerra mudou-me para sempre.”
“Um dos nossos sargentos atingiu a tiro um rapaz que levava uma espingarda AK-47. As outras duas crianças que iam com ele fugiram enquanto a criança ferida rastejava para salvar a sua vida. Um segundo tiro parou-o, mas ele ainda estava vivo. Quando um iraquiano tentou levá-lo para um hospital civil, os médicos militares da nossa unidade interceptaram-no e insistiram em levar o rapaz ferido para uma instalação militar. Aí, negaram-lhe cuidados médicos porque era suposto que uma unidade diferente tratasse dos feridos da nossa unidade. Quando a outra unidade médica recusou tratar a criança, ela morreu.”
“O regresso a casa deu-me a claridade para ver a linha de demarcação entre o dever militar e a obrigação moral. Os meus sentimentos contra a guerra ditavam-me que já não poderia participar nela. Agir de acordo com os meus princípios tornou-se incompatível com o meu papel no exército e, ao baixar a minha arma, escolhi reafirmar-me como ser humano.”
Um soldado anónimo volta-se contra a guerra após quatro meses no Iraque
Num artigo escrito na Alternet por Dan Frosch, há uma referência a um GI membro de uma unidade de Operações Especiais que passou quatro meses em combate no Iraque. Ele mantém o anonimato porque o seu pedido de estatuto de objector de consciência (a transferência para um papel de não-combate – embora possivelmente ainda no campo de batalha – para aqueles que são oficialmente reconhecidos como pacifistas) ainda está pendente. Em apenas algumas semanas de combate os seus pensamentos sobre a guerra começaram a mudar. “Havia um certo entorpecimento, não esperava encontrar lá este lado humano”, disse ele. “As pessoas à minha volta – nós, os iraquianos – estávamos todos a perder amigos e familiares. Era doentio.”
“Eu vi a destruição das pessoas. Vidas inocentes a serem levadas e que não voltarão. Eu tirei vidas,” disse ele. “Somos treinados para pensar que essas pessoas são inferiores a nós. Mas perguntávamo-nos se aquela pessoa que acabáramos de matar poderia ter sido nossa amiga... Não havia nenhuma honra nisso e eu não quis participar mais nisso.”
Stephen Funk libertado de uma prisão militar
Outro resistente foi libertado o mês passado de uma prisão militar da Carolina do Norte depois de servir seis meses por “ausência sem autorização” (AWOL). Stephen Funk foi o primeiro objector de consciência a ser encarcerado por recusar combater na guerra do Iraque.
Em Abril do ano passado, Funk, então com 20 anos de idade, um reservista homossexual do Corpo de Fuzileiros, declarou: “sou objector de consciência porque não há nenhuma maneira de eu continuar a ser fuzileiro sem sacrificar toda a minha auto-estima. Recuso perder a minha dignidade, recuso perder a minha liberdade ou perder as minhas convicções. Recuso-me a matar. As forças armadas exigem obediência, mas eu não obedecerei. Sei que é preciso coragem para dizer não sob coerção. Espero que outros soldados encontrem coragem para seguir as suas convicções. Espero que outros soldados descubram que são mais que dentes na engrenagem da máquina de guerra e que têm o poder da vontade própria.”
Escapar para o Canadá
Jeremy Hinzman é um dos resistentes que escapou para o Canadá com a sua mulher e um filho, em vez de ir para a guerra no Iraque. Hinzman disse à imprensa: “sinto que se tivesse ido para o Iraque estaria de certo modo a envolver-me numa iniciativa criminosa e a tornar-me um criminoso, porque é uma guerra – ou um acto de agressão, acho que não se pode chamar guerra – baseada em falsas premissas de armas de destruição em massa, ligações à Al-Qaeda e levar a democracia para o Iraque.”
Hinzman também revelou muita coisa sobre o modo como os EUA treinam os seus soldados. É completamente assustador pensar nesses ditos libertadores a levar a democracia para o Iraque, tendo em conta as descrições de Hinzman sobre o treino dos soldados dos EUA.
“Quando marchávamos, cantávamos canções do tipo ‘Treinar para matar. Para matar nós vamos.’. Ou durante o treino de baioneta eles perguntavam: ‘O que é que faz a relva crescer?’. E nós respondíamos: ‘Sangue, sangue, sangue vermelho e luminoso’.”
Outro GI que escapou para o Canadá foi Brandon Huey, com a ajuda de Carl Rising Moore, um veterano do Vietname transformado em activista pela paz e defensor dos GIs AWOL. Huey alistou-se no exército quando tinha apenas 17 anos. Disse ao programa de televisão canadiano Disclosure, num documentário sobre a sua ida para o Canadá: “Ao crescer, sempre pensei que alistar-me seria uma boa ideia. Depois da escola secundária, pensei que seria uma boa maneira de obter o dinheiro para ir para a universidade.”
Mas pouco depois de Huey se ter alistado, a perspectiva de ir para uma guerra que ele sabia ser errada começou a clarificar as ideias que antes tinha sobre o exército. Huey começou a procurar uma maneira de sair, o que o levou a um artigo na Internet sobre uma nova “rede clandestina”. Nesse artigo ele descobriu e contactou Carl Rising Moore com a seguinte mensagem de correio electrónico:
“Não quero ser um peão na guerra do governo pelo petróleo e disse aos meus superiores que queria sair do exército.”
“Rezo para que você ou alguém que você conheça me possa ajudar. Estou no Texas, não lhe digo exactamente onde porque não sei quem pode estar a ler isto, mas estou disposto a fazer as minhas malas e a dirigir-me para qualquer lugar para onde você me diga para ir.”
Huey fez a sua ligação e conseguir escapar para o Canadá. “Achava que o que estava a acontecer era imoral, não era correcto. Acho que desde que o Bush infringiu o direito internacional, todo o soldado tem a responsabilidade de resistir a isso.”
Reservistas que se tornam AWOL
Os reservistas têm desempenhado um papel muito maior na guerra do Iraque do que noutras ofensivas militares dos EUA. Jason Cheney é um Cabo Lanceiro dos reservistas do corpo de fuzileiros dos EUA. É um dos vários reservistas que pediram o estatuto de objector de consciência.
“Em Janeiro passado, a minha unidade de reserva, o 4º Batalhão Anfíbio de Assalto em Tampa, Florida, foi mobilizado para uma missão activa na ‘Operação Liberdade Iraquiana’. Entrei na minha unidade no dia em que me chamaram e encontrei o meu Chefe. Disse-lhe que não participaria nesta guerra. Ele olhou para mim de uma forma estranha, como se o que eu lhe estava a dizer estivesse a entrar por ele. A princípio senti-me humilhado, mas percebi que estava a fazer o que devia e tive a esperança de que alguns dos que nos escarneceram se juntassem a nós nesta luta.”
“É difícil explicar a maneira como o exército pode entrar nas nossas mentes a alguém que nunca esteve nisto. Desde o primeiro dia de treino básico que aprendemos a só temer os que têm autoridade e a desejar agradar-lhes. Deste modo, ser honesto consigo próprio e admitir que não se concorda com os seus superiores é como saltar para dentro de um poço cheio de lobos famintos.”
“Não me arrependo do que fiz. Diria que foi a melhor decisão que alguma vez tomei. Defendi aquilo em que acreditava e para isso é preciso mais coragem do que apenas fazer aquilo que nos mandam fazer.”
Não é surpreendente que sete em cada dez soldados dos EUA caracterizem a moral dos seus próprios companheiros como baixa ou muito baixa. Indica algumas coisas profundas sobre o efeito que está a ter sobre os soldados dos EUA a montanha cheia de mentiras que foi usada para justificar a guerra contra o Iraque. Não é surpreendente que as taxas de suicídio estejam a aumentar entre os soldados dos EUA.
Ao mesmo tempo que o clima de guerra e repressão continua a aumentar nos EUA e que os ventos das guerras preventivas e de construção do império sopram por todo o lado, um vento contrário começa a soprar. Uma cultura de guerra encontra pela frente uma cultura de resistência a essas guerras injustas. As mulheres e os homens a quem se está a dizer para lutarem e morrerem por uma montanha de mentiras estão em busca da verdade e a encontrar a sua consciência. Estão a encontrar redes clandestinas e uma comunidade de amigos e aliados que apoiam a sua recusa em combater numa guerra injusta. E, à medida que esta guerra progride, daremos as boas-vindas a mais soldados resistentes e objectores de consciência. E eles devem continuar a encontrar mais de nós para os apoiar!