Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 29 de Novembro de 2004, aworldtowinns.co.uk

Que estão os EUA a fazer no Darfur, Sudão?

Durante os últimos meses a comunicação social mundial tem relatado as atrocidades contra o povo do Darfur, no Sudão ocidental. A insistência dos EUA, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se a semana passada numa sessão especial em Nairóbi, no Quénia, para debater a situação no vizinho Sudão. Um cessar-fogo negociado durante essa conferência foi rompido quase imediatamente quando rebeldes do Exército de Libertação do Sudão atacaram as forças governamentais e tomaram Tawilah, ao que o regime respondeu com ataques aéreos indiscriminados que destruíram completamente a cidade-mercado do Darfur.

Dezenas de milhares de pessoas morreram de fome, doença e outras causas relacionadas com o conflito que começou há quase 22 meses. Há relatos de que mais de um milhão de pessoas está sem casa dentro do país, enquanto outros cem mil saíram para países vizinhos como o Chade. O Ocidente culpa desta situação os Janjaweed, uma milícia que se diz ser apoiada pelo governo sudanês, acusando-a de incendiar aldeias e roubar gado numa tentativa de esmagar a rebelião. O governo sudanês tem tentado minimizar a profundidade da crise. Alega que morreram no máximo 5000 pessoas, incluindo soldados governamentais, enquanto as potências ocidentais, em particular os EUA, citam números muito mais elevados para justificar o que dizem seria uma intervenção humanitária, mesmo que envolva uma acção militar directa. Quaisquer que sejam os números reais, as pessoas estão claramente a sofrer e estão a ser cometidos crimes contra elas.

Alguma informação de fundo

A Província do Darfur consiste em três estados: o Darfur Norte, o Darfur Sul e o Darfur Ocidental. O norte é habitado por nómadas do deserto. A parte meridional é habitada por tribos africanas que trabalham sobretudo a terra. As regiões centrais e meridionais há muito que são palco de conflitos entre os nómadas que procuram pastagens e água para alimentar o seu gado e os camponeses que defendem as suas pequenas parcelas de terreno. Durante muitos anos as disputas foram resolvidas entre o próprio povo. Por exemplo, os nómadas do norte usavam apenas certos caminhos. Mas desde 1980 que ruíram as soluções tradicionais. Uma das razões foi a fome de 1980 em que morreram 75 000 pessoas. Desde então, a seca levou a uma escassez de água e à expansão do deserto. Mas a interferência de sucessivos governos e potências estrangeiras representou um grande papel na antagonização dessas diferenças entre o povo.

O regime de Omar Al-Bashir, que chegou ao poder no Sudão em 1989, é reaccionário e brutal e é conhecido pelo uso extensivo de tortura e execuções e pela sua aplicação da lei islâmica. Baseia-se nos relativamente mais prósperos muçulmanos do norte e uma das suas principais fontes de armas tem sido a Rússia que lhe forneceu “aviões de combate MiG-29, num total de 12 comprados com quase 370 milhões de dólares provenientes dos rendimentos do petróleo, que se vieram juntar aos bombardeiros Antonov e aos helicópteros Mi-24 na coordenação dos ataques aéreos às aldeias do Sudão ocidental com os ataques da milícia Janjaweed”, segundo um artigo do Middle East Report de Julho. Na véspera da reunião do Conselho de Segurança da ONU, a Amnistia Internacional denunciou a Rússia, a China, a Polónia, a França, o Irão e a Arábia Saudita de alimentarem o conflito ao fornecerem armas ao regime.

Antes da actual rebelião no Darfur, o EPLS (Exército Popular de Libertação do Sudão) levou a cabo uma guerra contra o governo central sudanês em oposição às suas políticas de arabização e islamização dos povos do sul. No final de 2002, quando estava prestes a ser assinado um acordo entre o governo e o EPLS, o Exército de Libertação do Darfur – nome inicial do que é agora chamado Exército de Libertação do Sudão (ELS) – iniciou uma rebelião no Darfur e acusou o governo central de estar a esquecer a província. Tiveram algum sucesso inicial derrotando as forças governamentais. Nessa altura, uma milícia predominantemente árabe chamada Janjaweed do norte do Darfur, que se diz ser armada pelo governo, enfrentou os rebeldes e derrotou-os. Ambos os grupos étnicos são muçulmanos e fisicamente indistinguíveis, mas há diferenças culturais entre eles. Depois disso, outra organização islâmica chamada Movimento Justiça e Igualdade também se juntou à luta contra o governo. De acordo com a BBC, estas duas organizações do Darfur estão ambas ligadas a políticos de oposição a nível nacional.

Em Abril de 2004, o governo e o ELS assinaram um acordo de cessar-fogo, mas não houve nenhuma interrupção real dos combates. Passados três meses, e porque aumentou rapidamente o envolvimento estrangeiro, as conversações acabaram por completo. Em Junho passado, os EUA acusaram o governo sudanês de estar por trás do massacre de milhares de pessoas no Darfur. O Secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, fez uma dramática visita aos campos de refugiados do Darfur em Julho e advertiu que os acontecimentos se estavam a “orientar para uma conclusão em genocídio”. A União Africana concordou em enviar um “força de protecção” de 300 tropas para apoiar os 60 monitores que anteriormente tinha enviado para o Darfur. Actualmente a UA planeia enviar 3000 soldados, embora não esteja previsto que entrem em combate. O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair, anunciou que a Inglaterra estava preparada para enviar até 5000 tropas para o Sudão, com objectivos puramente “humanitários”, claro. O governo sudanês respondeu que o povo do país consideraria isso uma invasão e o transformaria noutro Iraque. A França enviou para a fronteira do Sudão 200 dos 1000 soldados que tem estacionados no vizinho Chade.

Os EUA levaram o assunto ao Conselho de Segurança da ONU, onde as grandes potências começaram a puxar em diferentes direcções. Duas resoluções do Conselho de Segurança deram, cada uma, 30 dias ao Sudão para desarmar a milícia Janjaweed ou enfrentar sanções punitivas. Mas o Conselho permaneceu dividido sobre tomar outras medidas ou não. Pieter Feith, um conselheiro do chefe da política externa da União Europeia, Javier Solana, disse aos jornalistas que embora “seja claro que está a acontecer uma matança generalizada, silenciosa e lenta, bem como o incêndio de aldeias em larga escala”, isso não equivalia a genocídio. Powell insistiu que se tratava de genocídio e anunciou novos e mais alarmantes números sobre as pessoas em risco. Contudo, a revista londrina Observer informou que a acusação de “genocídio” fora rejeitada pelo “Conselho de Segurança das Nações Unidas, pelos países europeus e pela União Africana e mesmo por responsáveis britânicos em privado” (3 de Outubro de 2004). Aparentemente essa divisão no Conselho de Segurança ainda continua, porque na sua reunião de 19 de Novembro em Nairóbi se limitou a aprovar uma terceira resolução semelhante.

A revista londrina continuava: “Os avisos norte-americanos de que o Darfur seguia rumo a uma catástrofe humanitária apocalíptica foram amplamente exagerados por responsáveis da administração, alegam trabalhadores humanitários internacionais no Sudão. Alegam que o desejo de Washington de uma mudança de regime em Cartum influenciou os seus relatórios... Embora nenhum dos trabalhadores e funcionários humanitários entrevistados pela Observer tenha negado haver uma crise no Darfur – ou que mortes, violações e uma deslocação em larga escala da população tenham acontecido, muitos ficaram surpreendidos que ela se tenha tornado no centro dessas advertências hiperbólicas quando havia crises de magnitude semelhante no norte do Uganda e no Congo oriental.”

Rivalidades imperialistas

Por que é que os EUA estão tão ansiosos por intervir no Sudão? Embora o governo sudanês não esteja na “lista A” do “eixo do mal”, está certamente entre os alvos de G. W. Bush e do governo dos EUA para uma mudança de regime. De facto, o Sudão esteve nessa lista anos antes de Bush chegar à Casa Branca. O Presidente Bill Clinton autorizou um ataque com mísseis à fábrica de farmacêuticos de al-Shifa no Sudão em 1998, usando a acusação completamente infundada de que estaria a fabricar antraz em vez de aspirinas.

O Sudão adquiriu uma maior importância estratégica para os EUA. Está situado a oeste do Mar Vermelho e a sul do Canal do Suez, a passagem para muito do petróleo da Arábia Saudita, bem como para o comércio entre a África Central, o Médio Oriente e a China. Além disso, foram descobertas vastas reservas adicionais de petróleo no Sudão meridional e no próprio Darfur. A China e a França estão envolvidas na extracção e exploração de petróleo e em projectos de construção de oleodutos e portos. A França começou a procurar petróleo numa vasta área do Sudão meridional em 1980, mas teve de parar devido à guerra entre o governo e o EPLS. Hoje, a economia do Sudão é quase exclusivamente dependente das exportações de petróleo, especialmente para a China. Prevê-se que a sua produção aumente para 750 000 barris por dia em 2006, pouco para os padrões dos gigantes do petróleo do Médio Oriente como a Arábia Saudita, o Kuwait, o Irão e potencialmente o Iraque, mas ainda assim uma quantidade considerável. Até agora, a maior parte está nas mãos da Companhia Nacional de Petróleo da China. A China é neste momento o maior investidor estrangeiro no Sudão.

O Sudão deve ser visto no contexto da crescente rivalidade entre todos os imperialistas e da procura de domínio global dos EUA. Nos últimos anos, os EUA mostraram um súbito interesse por algumas partes de África, sobretudo, mas não apenas, pelo Norte de África. Durante os últimos dois anos, altos funcionários dos EUA têm percorrido o Norte de África e alguns países africanos subsaarianos, assinando novos tratados políticos, económicos e militares. As matérias-primas justificam muito do interesse norte-americano pela região. Como explica um artigo de 6 de Julho de 2004 no jornal International Herald Tribune, “a produção da África subsaariana – mais de quatro milhões de barris de petróleo por dia – ultrapassa a do Irão, da Venezuela e do México combinados e a região tem o potencial para se tornar num recurso de petróleo bruto tão importante como a Rússia ou o Mar Cáspio... Segundo estimativas do Conselho Nacional de Informações dos EUA, a África subsaariana poderia fornecer até 25 por cento das necessidades em combustível fóssil dos EUA até 2015, acima dos actuais 16 por cento.”

É verdade que os EUA vêem esse petróleo como uma maneira de diminuir a sua dependência do petróleo do Médio Oriente e de reduzir a sua vulnerabilidade aos acontecimentos nessa região. Mas ainda mais importante que as suas próprias necessidades petrolíferas, não pode tolerar que esse petróleo esteja nas mãos de potenciais rivais ou de alianças rivais. Quer controlar o petróleo como um modo de os controlar. Esse foi um importante factor nas razões por que os EUA invadiram aquilo que chamam o “Grande Médio Oriente” em ambas as suas extremidades, o Afeganistão e o Iraque, e nas ambições dos EUA pelo Sudão, na fronteira entre a África do Norte e a subsaariana.

Também é muito provável que a rivalidade franco-norte-americana esteja a ter um grande papel no conflito do Darfur, do mesmo modo que o está a ter actualmente na Costa do Marfim e noutros lugares em África. A determinação dos EUA em impedirem que a China alcance a independência energética também é uma questão estratégica. O petróleo importado é um potencial ponto de estrangulamento da expansão económica da China. Embora a China, ainda longe de se ter tornado imperialista, tenha ficado crescentemente dependente do Ocidente desde o desmantelamento da economia socialista edificada no tempo de Mao, tem um peso cada vez maior nos assuntos internacionais. Quem controlar esse petróleo tem económica e politicamente nas suas mãos a veia jugular da China. Não admira que o representante da China se tenha enfurecido com a utilização da palavra “genocídio” pelos EUA no Conselho de Segurança. As acções que os EUA querem que a ONU leve a cabo contra o governo do Sudão são dirigidas em grande parte contra a China, a qual, em resposta, teve um papel principal em bloquear abertamente um acordo no Conselho de Segurança.

Intervenção e crise humanitária

Mesmo algumas pessoas e organizações que estiveram contra a invasão do Iraque ficaram caladas face à ameaça dos EUA e da Grã-Bretanha de outra invasão no Sudão. Pior, algumas juntaram-se ao coro que pedia uma rápida intervenção imperialista na região e a punição do governo do Sudão, pelo menos através de sanções e possivelmente de uma intervenção militar. Mas quem beneficiaria com essa intervenção e quem sofreria mais?

A intervenção britânica no Sudão no final do século XVIII – com a desculpa de que estava a fazer uma “guerra contra a escravatura” – durou até 1956 e é a base dos actuais conflitos. Como escreveu Peter Hallward no jornal Guardian de 28 de Agosto de 2004, “a desastroso política britânica no (Sudão) meridional, iniciada em 1929, tornou permanente a divisão há muito existente entre um território do norte relativamente próspero (predominantemente muçulmano) e um território meridional muito mais pobre (predominantemente animista ou cristão)”.

A intervenção dos EUA nos finais dos anos 70 resultou no reinado de Jaffar Nemeiri que mergulhou o país numa guerra civil em que nenhum dos lados estava a lutar pelos direitos democráticos do povo e pela independência em relação aos imperialistas. A actual crise foi agitada pela contínua intervenção imperialista nas rivalidades internas do país.

Os EUA estão a pressionar a ONU para que aprove sanções contra o Sudão. Este tipo de bloqueio económico causaria um desastre humanitário, do mesmo modo que o fez quando as sanções da ONU levaram a fome ao Iraque. Já a maior parte das mortes divulgadas na recente crise foram devidas a má nutrição, fome e doenças relacionadas com a pobreza. Essa ameaça mostra a hipocrisia da alegada preocupação com o povo sudanês que os EUA e outras potências ocidentais afirmam ser a sua motivação.

Além disso, os próprios EUA tiveram uma mão directa na recente crise. Diz-se que a CIA tem estado a armar e a financiar os grupos de oposição do Darfur, bem como do Sudão meridional, para desestabilizar o governo de Cartum. Os EUA insistiram em realizar a recente reunião do Conselho de Segurança em Nairóbi, a quarto única vez na história da ONU em que o Conselho se reuniu fora da sua sede de Nova Iorque. Os embaixadores foram levados em aviões militares norte-americanos. Não por coincidência, o Quénia é onde se estão a realizar as conversações entre o governo do Sudão e o EPLS. Na véspera da reunião, Bush telefonou pessoalmente a Al-Bashir e ao dirigente do EPLS John Garang para pressionar Cartum para ceder às exigências do EPLS. Os EUA forçaram previamente o Sudão para assinar um acordo com o EPLS para a formação de um governo autónomo no sul. As reservas de petróleo foram divididas igualmente entre o governo e o EPLS. Esse acordo foi uma vitória dos EUA, uma vez que o deixava a controlar o sul e parte das reservas de petróleo e afastava os seus rivais desses recursos. Porém isso não satisfez os estrategos dos EUA. Eles queriam tudo, incluindo a instalação de um regime favorável aos EUA a nível nacional. É por isso que os EUA continuam a desestabilizar o país e a incendiar ainda mais a crise para criar uma situação favorável a uma maior intervenção. O ataque de 29 de Novembro do ELS a Tawilah, no Darfur, pode ter sido encorajado pelos EUA precisamente por esta razão.

Ao mesmo tempo que os EUA estão a ajudar as forças da oposição no Sudão para obterem influência entre os oficiais de alta patente do exército sudanês, também estão a trabalhar para forjar um grupo de cidadãos sudaneses que moram nos EUA, comprados e subornados para uso futuro como marionetas do tipo de Karzai e Allawi. Assim, parece que a crise do Darfur continuará durante algum tempo ou que outras crises serão atiçadas.

Dadas as dificuldades que os EUA e a Grã-Bretanha enfrentam no Iraque, a sua falta de recursos disponíveis adicionais (especialmente mais tropas) e o facto de o Sudão não ser tão estratégico quanto o Iraque, até agora o modo preferido de intervenção de Washington tem sido o do alargamento da força que a União Africana já tinha no Darfur. Os rivais dos EUA como a França podem alinhar nisso, desde que mantenham a sua própria influência sobre as neocolónias africanas e os seus exércitos, e se assim puderem esperar virar a intervenção da UA em sua própria vantagem. É importante notar que esta transposição da missão imperialista para a UA não significa que a África está a gerir os seus próprios assuntos. As potências imperialistas estão a dirigir o espectáculo por detrás do palco, em contenda e em conluio umas com as outras. Por outras palavras, elas estão a exportar as suas rivalidades reaccionárias para África.

A História e os actuais acontecimentos demonstram muito claramente que a intervenção imperialista sob qualquer forma e sob qualquer pretexto apenas pode piorar a miséria das massas. Assim, o primeiro passo para uma solução é exigir que os imperialistas e os seus representantes saiam e se mantenha fora.

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