Do jornal Público de 30 de Julho de 2001:
Os últimos maoistas do mundo a caminho de Katmandu
Por DEEPAK THAPA, em Katmandu*
A menos que sobrevenha uma paz negociada, o pequeno reino do Nepal pode simplesmente desfazer-se

Oito semanas depois do massacre do Rei, da Rainha e de outros membros da família real pelo príncipe herdeiro, o Nepal parece estar a desfazer-se em violência. Setenta polícias foram sequestrados pelos guerrilheiros maoistas, contra os quais o Exército nepalês está agora a lutar pela primeira vez.
Explosões de bombas parecem estar a trazer a rebelião para Katmandu, a capital, onde o primeiro-ministro Girija Prasad Koirala, que parecia controlar a maioria do parlamento, foi substituído por Sher Bahadur. Será que o caos no Nepal vai levar os últimos maoistas do mundo ao poder?
O “timing” do massacre real não poderia ter sido pior para este reino de 23 milhões de habitantes, encravado nos Himalaias entre dois gigantes mutuamente desconfiados: a China e a Índia. Com cerca de 70 grupos étnicos, o Nepal parece ter mantido a sua coesão através da monarquia.
A instabilidade política do Nepal tem as suas origens num parlamento que, desde que foi restaurado, em 1990, depois de um hiato de três décadas, não conseguiu ainda consolidar o seu papel. Nos últimos 11 anos, três governos diferentes, metade coligações de partidos políticos de todos os géneros, entraram e saíram. Desde 1999, o Partido do Congresso controla uma maioria absoluta, mas uma disputa interna pô-lo à deriva.
Um escasso desenvolvimento económico e uma burocracia preguiçosa, mais uma forte corrupção, têm arruinado a imagem do poder junto da população. Isto pode parecer vulgar entre os países desenvolvidos, mas neste caso foi o berço, há cinco anos, da revolta, muito violenta, do Partido Comunista do Nepal (maoista).
Os rebeldes estão activos em quase toda a parte. Quase 1700 pessoas morreram em emboscadas, assassínios e operações policiais. Cinco autarquias da região ocidental são controladas pelos maoistas, com “governos do povo” e “tribunais populares”, por entre pequenos projectos de desenvolvimento.
Até começarem a sua “Guerra do Povo”, em Fevereiro de 1996, os maoistas eram só uma entre dezenas de facções comunistas no Nepal. Desde que lançaram a sua rebelião, o seu desenvolvimento tem sido enorme, devido tanto à ideologia, como à defesa dos direitos das comunidades marginalizadas pelo Estado.
Como é que o poder respondeu? Com a força. Mas rapidamente os maoistas capturaram armas melhores durante os seus raides contra a polícia. Começaram também a utilizar minas e outros explosivos. O treino foi feito por grupos maoistas na Índia. E, mais importante, os rebeldes compraram armas no mercado negro indiano.
Uma vez que a polícia declarou mais ou menos não conseguir derrotar a guerrilha, depois de muitas operações, o Governo mobilizou o Exército. A princípio, os rebeldes evitaram os confrontos. Mas agora que os militares foram arrastados para o conflito, as esperanças de paz estão a desvanecer-se.
Uma paz negociada é, evidentemente, a única solução à violência e, apoiados pela opinião pública, o Governo e os maoistas têm feito barulho sobre o início do diálogo. As esperanças aumentaram em Fevereiro, quando os guerrilheiros organizaram uma conferência nacional para delinear os seus projectos e políticas. Para além de promover o seu líder, “Prachanda”, e adoptar a “Via Prachanda” como guia, os maoistas apelaram a um encontro de “todas as partes envolvidas” e à formação de um governo interino para redigir uma nova Constituição.
Isto foi visto como uma forma de amenizar a sua posição. O Governo reagiu bem, revelando o paradeiro dos rebeldes detidos. Mas nada resultou desses passos e a situação deteriorou-se depois de os assassínios da família real.
Desde o massacre que os maoistas desejam beneficiar das mortes, defendendo que estas fazem parte de uma grande conspiração. Incoerentemente, querem reavivar a memória do falecido Rei Birendra e procurar uma posição comum, face ao massacre, a todos os partidos de esquerda. Se este conluio vai aprofundar o caos no Nepal, ainda não se sabe. Mas as primeiras investigações do Governo levantam dúvidas sobre se os maoistas não continuarão a prosperar.
* Escritor e editor da “Himal Books”
Project Sindicate, Julho 2001