Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 15 de Setembro de 2014, aworldtowinns.co.uk
O Presidente norte-americano George W. Bush usou o ataque de 11 de Setembro de 2001 ao World Trade Center como oportunidade para provar a invencibilidade militar do seu país. Nas vésperas da invasão do Iraque em 2003, ele saudou avidamente a perspectiva da guerra, gritando: “Venha ela!”, incapaz de prever que, ao fim de nove anos de ocupação, os EUA ainda não teriam atingido os seus objectivos, a consolidação da sua dominação no Médio Oriente.
O estado de espírito era diferente a 11 de Setembro deste ano, quando Barack Obama anunciou uma nova guerra liderada pelos EUA no Iraque. Desta vez, foram os islamitas que de facto gritaram “Venha ela!”, através das decapitações que assinalaram a determinação do Estado Islâmico (EI, também conhecido como ISIS, ISIL e Daesh) em erguer a sua bandeira negra em oposição directa à bandeira de estrelas e riscas (“Stars and Stripes”) dos EUA e da sua principal parceira menor, a Union Jack da Grã-Bretanha.
Desta vez não houve qualquer menção ao tipo de blitzkrieg de “choque e pavor” que Bush prometeu que levaria a uma vitória rápida e fácil. Pelo contrário, a própria administração Obama parece estar em choque, forçada a exibir e a mobilizar o seu poderio militar para o que é reconhecido ser um salto no desconhecido onde não tem boas alternativas.
Contudo, apesar de compreender, até certo ponto, os riscos envolvidos desta vez, e admitindo inicialmente que os EUA não tinham uma verdadeira estratégia, mesmo assim Obama desencadeou esta nova guerra. Não havia muita escolha: Em comparação com os ataques da al-Qaeda ao que Obama, tal como Bush, chama “a pátria”, o EI é hoje um muito maior desafio à actual configuração do Médio Oriente e ao tipo de reconfiguração dessa região que poderia servir os interesses do império norte-americano.
A julgar pelo discurso de Obama, o plano é começar primeiro por bombardear e disparar e depois ver o que pode ser feito. A nova “estratégia” dele, em quatro partes e preparada à pressa, é mais um desejo que um plano.
Ele disse que o objectivo dos EUA é “degradarem e, por fim, destruírem o ISIL”. O seu chefe do estado-maior colocou as coisas de uma forma ligeiramente diferente: “O sucesso é um ISIL que já não ameace os nossos amigos na região, que já não ameace os Estados Unidos, um ISIL que não consiga acumular seguidores nem possa ameaçar os muçulmanos na Síria, no Iraque ou noutros lugares”.
Outros observadores têm salientado que enfraquecer ou mesmo destruir um exército inimigo não é normalmente considerado uma definição dos objectivos políticos de uma guerra, os quais incluem não apenas o que deve ser derrotado mas também o que é suposto essa derrota conseguir. Neste caso, a ênfase parece ser mais em “degradar” – conter e debilitar – o EI do que em eliminar o fundamentalismo islâmico, já para não falar em definir como é que os EUA e os seus aliados esperam lidar com as condições económicas, sociais e políticas que estão na base da espectacular ascensão do EI e do Islão jihadista em geral.
Obama anunciou “um esforço firme e persistente para desalojar [o EI] onde quer que ele exista, usando o nosso poderio aéreo e o nosso apoio a forças parceiras no terreno”, acrescentando: “Esta estratégia de desalojar os terroristas que nos ameaçam, ao mesmo tempo que apoiamos parceiros nas linhas da frente, é uma estratégia que seguimos com êxito no Iémen e na Somália durante anos”.
“Durante anos” pode ser uma previsão realista da duração da nova guerra de Obama, mas tudo o que esta “estratégia” tem conseguido fazer, até agora, no Iémen e na Somália é impedir os islamitas de triunfarem, mas não chegou sequer a “degradar” de uma forma decisiva as forças deles. Longe de ter sido “contido”, o fundamentalismo islâmico tem crescido e tem-se espalhado exponencialmente.
Os EUA parecem estar a ser forçados a aceitar os riscos porque o EI se tornou na mais concentrada e agressiva ameaça à sua dominação no Médio Oriente e para além dele. Mas é a perpetuação dessa dominação, e não o EI em si mesmo nem a calamidade que ele representa para os povos da região, que define os objectivos fundamentais da guerra de Washington. Questões sobre como é que os EUA pretendem levar isso a cabo, ou se é sequer possível ou não, não nos devem distrair da questão mais fundamental: o que é que, em primeiro lugar, os EUA precisam de atingir quando tentam trabalhar por entre as contradições e as complexidades que os tornam relutantes a entrarem num conflito frontal com o EI. No fim de contas, se o fundamentalismo islâmico, em si mesmo ou a partir dele, fosse a principal preocupação norte-americana, e não a dominação regional, não teriam derrubado Saddam Hussein nem visado Bashar al-Assad.
Qualquer que seja a convergência de interesses que possa agora haver entre os EUA e os regimes sírio e iraniano, os factores que levaram os EUA a conspirar contra eles e a os ameaçar não desapareceram. Washington provavelmente irá continuar a tentar atingir os seus objectivos, bem como a provocar divisões e realinhamentos favoráveis nas classes dominantes nesses países, sob condições instáveis e tendo em vista os seus interesses globais na região.
O “elefante na sala” é Israel, um activo norte-americano que é mais indispensável que nunca, mas que representa uma contradição para os EUA na sua procura de aliados no Médio Oriente para a Gaza-ficação do Iraque e para substituir os bombardeamentos de Assad contra as comunidades sunitas por drones e bombardeiros norte-americanos. O Secretário de Estado norte-americano Kerry ordenou ao regime egípcio que fizesse com que a Al Azar, a mais alta instituição religiosa sunita do mundo, abençoasse a coligação com o protector de Israel, mas não há garantia de que isso não resulte apenas no descrédito dessas autoridades da velha ordem e dos regimes que necessitam dessas credenciais religiosas, e ajude a investida jihadista por uma nova ordem religiosa e política. Os EUA podem sentir que têm de aceitar o risco de uma maior instabilidade e tentarem atrair de qualquer forma o Egipto, a Jordânia, o Líbano, a Argélia e as monarquias do Golfo para esta coligação, não só devido à terrível necessidade de curto prazo de Washington de retaliar contra o EI, mas também porque o islamismo jihadista que o EI representa já é um grande perigo para todos esses estados dependentes dos EUA.
A nova guerra de Obama equivale a uma confissão de que a actual situação não é uma opção. Neste sentido, o governo dele não está assim tão longe da concepção da administração Bush da necessidade de “drenar o pântano que produz mosquitos” (jihadistas), um projecto para a reconfiguração do Médio Oriente que Bush tentou iniciar com a invasão do Iraque em 2003, com consequências desastrosas, incluindo a ascensão do EI.
Os planos e objectivos publicamente anunciados dos EUA e dos seus aliados (as antigas e ainda candidatas a potências coloniais, Grã-Bretanha e França) certamente não representam todo o pensamento e objectivos deles. Mas são suficientes para dar um vislumbre dos horrores que eles têm na gaveta para os habitantes do Iraque, da Síria e talvez de mais lugares.
Eles pretendem começar com uma crescente campanha aérea – os EUA já lançaram mais de 150 ataques com drones e outros meios e a França tem os seus aviões de combate Rafale nos céus iraquianos à procura de alvos. Como o EI se entrincheirou em grandes e médias cidades como Raqqa na Síria, e Tikrit, Haditha, Falluja e Mossul (com uma população de quase dois milhões de habitantes) no Iraque, isto torna ainda mais provável que muitos civis venham a ser mortos.
A segunda componente da estratégia deles é reforçar os peshmergas do Governo Regional Curdo, que abandonaram os yazidis, os turcomanos e os assírios para o EI e, em vez disso, se concentraram em tomar ao governo central a cidade de Kirkuk, rica em petróleo. Mas mesmo proteger os curdos não é um objectivo da guerra dos EUA. Os EUA e os seus aliados não lhes estão, quanto ao essencial, a fornecer armamento pesado, o que desagradaria à Turquia, e eles podem vir a acabar como carne para canhão no jogo mais vasto no Iraque e na região. Há muito que a protecção de minorias religiosas e étnicas é um pretexto totalmente falso para intervenções coloniais e neocoloniais.
O “parceiro” de Obama em Bagdad, a terceira componente, é Haider al Abadi, o novo primeiro-ministro instalado pelos EUA que substituiu o anterior primeiro-ministro instalado (e depois descartado) pelos EUA, Nouri al-Maliki. Abadi declarou que as suas forças armadas iriam deixar de fazer “bombardeamentos indiscriminados” como os que têm feito em Falluja, onde se diz que os massacres feitos por Bagdad têm levado muitos habitantes a abraçarem o EI. Isto parece ser uma admissão do que tem acontecido até agora. Mas mesmo depois disso, o principal hospital de Falluja foi novamente atingido por mísseis, com mais vítimas civis.
Abadi, tal como Maliki, é um produto do partido fundamentalista xiita Dawa (historicamente pró-Irão) e as milícias xiitas são as suas únicas tropas de confiança. Obama começou por enviar brigadas de 12 soldados norte-americanos para liderarem o exército iraquiano (até o jornal The New York Times lhes chama “conselheiros” entre aspas, numa referência aos “conselheiros” norte-americanos no Vietname).
Os EUA fecharam os olhos à limpeza étnica que levou muitos sunitas a saírem de Bagdad quando a cidade estava sob a sua ocupação, e a ofensiva em preparação irá provavelmente resultar em mais uma limpeza étnica a uma escala maior, tal como já aconteceu durante as últimas semanas. Também isto resulta dos verdadeiros objectivos da guerra dos EUA, que não incluem salvar a vida de ninguém.
A quarta e mais importante componente, se os EUA quiserem atacar o EI na Síria, têm de ter “parceiros nas linhas da frente”, uma “bigorna” contra a qual o martelo dos ataques aéreos liderados pelos norte-americanos possa esmagar as forças do EI. Sem isso, segundo dizem alguns peritos militares, as propostas de Obama seriam tácticas à procura de uma estratégia. Esse papel irá ser desempenhado por uma futura força armada constituída por soldados fornecidos pela “oposição” síria. Mas a verdade é que agora essa oposição é ela própria quase integralmente islamita, diferindo do EI e uns dos outros acima de tudo pela sua protecção vinda da Turquia ou da Arábia Saudita ou do Qatar, etc., e que dependem cada vez mais do mesmo tipo de políticas sectárias religiosas e tácticas de terror (incluindo cortar cabeças) que o EI.
Uma coisa parece certa: o confronto entre os EUA e o EI é um vórtice que irá atrair o Médio Oriente em geral para uma impiedosa, complexa e prolongada série de conflitos. É provável que milhões de pessoas venham a sofrer ainda mais horrivelmente às mãos de forças reaccionárias, cada uma delas perseguindo os seus próprios interesses pela força das armas. Quase certamente que a situação não irá resultar em dois lados nitidamente definidos, mas antes será marcada por alinhamentos contraditórios e mutáveis de inimigos mutuamente mortais. À medida que as contradições de toda a região se tornarem enormemente acentuadas, é provável que o confronto entre as potências ocidentais e o Islamismo se irá tornar num factor ainda mais importante.
Embora o EI tenha criado grandes problemas às potências dominantes e possa infligir sérios golpes aos EUA, o sectarismo religioso que necessariamente resulta do objectivo de um estado baseado na fé está a criar uma cruel espiral de divisões e morte mútua entre as massas populares, cujos interesses estão em se unirem contra os imperialistas e o sistema global deles. Vimos isto no Iraque, onde o sectarismo religioso sunita-xiita sabotou a luta contra a ocupação e continua a ser um factor com que os EUA estão a contar para manterem o Iraque e a Síria sob as suas botas, com ou sem ocupação.
Não há nenhuma razão para se tentar perceber o que é pior, se os EUA e os seus parceiros e clientes que representam a inaceitável velha ordem por um lado, se os islamitas que desejam uma inaceitável nova ordem, por outro. A situação é terrível e nunca mudará enquanto as pessoas se sentirem compelidas a escolher entre uns e outros.