Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 13 de Setembro de 2004, aworldtowinns.co.uk

Ofensiva estratégica revolucionária anunciada no Nepal

O Partido Comunista do Nepal (Maoista) anunciou o início da ofensiva estratégica. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro nomeado pelo rei do Nepal visitava a Índia onde assinou acordos para aumentar a intervenção indiana no Nepal, com o apoio dos EUA. Está a ser montado o cenário para um salto muito grande no nível de intensidade na guerra sobre quem manterá o poder político no Nepal.

Num comunicado à imprensa datado de 31 de Agosto e que acaba de ser publicado em inglês, o PCN(M) anunciou as decisões tomadas numa recente reunião de dez dias do seu Comité Central que teve lugar “numa área libertada do interior do país, numa sala de reuniões especialmente decorada com bandeiras e faixas” protegida por “um cordão de segurança especial do Exército Popular de Libertação” com “a total ajuda das largas massas do povo”. A reunião foi dirigida pelo Presidente do Comité Central, camarada Prachanda, e estiveram presentes, segundo o comunicado, todos os membros do CC “que têm lutado em várias frentes e com diversas responsabilidades, excepto os que estão em cárceres inimigas”.

A guerra revolucionária no Nepal, iniciada em 1996, está a seguir a estratégia da guerra popular prolongada desenvolvida por Mao Tsétung durante a revolução chinesa. Passou por um período relativamente longo de “defensiva estratégica”, em que as forças revolucionárias são mais fracas que o inimigo e têm de acumular força durante um longo período de tempo com base em ataques de guerrilha contra o inimigo, por uma fase de “equilíbrio estratégico” em que os dois lados são relativamente iguais e nenhum pode ainda destruir decisivamente o outro e em que a luta se caracteriza cada vez mais por uma guerra móvel e de posições, em grande escala. O Partido do Nepal disse que a chegada à fase de “equilíbrio estratégico” significa que toda a sociedade reconhece a existência de dois estados diferentes no país, cada um com o seu próprio exército e instituições. Durante este período, os revolucionários e o regime real prepararam-se para um confronto militar final. A primeira metade de 2003 foi marcada por um cessar-fogo e por negociações entre os dois lados, durante os quais, segundo concluiu o PCN(M), o rei nunca fez realmente verdadeiros esforços para encontrar uma solução pacífica e os combates recomeçaram.

Na concepção maoista, os revolucionários lançam uma “ofensiva estratégica” quando podem tomar como seu objectivo imediato a destruição decisiva das forças armadas do inimigo e o estabelecimento do poder popular em todo o país. Com esse objectivo, a reunião do partido anunciou que o Exército Popular de Libertação (EPL) – cuja fundação em 2001 reflectiu um salto de forças essencialmente de guerrilha para um exército revolucionário regular – se alargará agora a três divisões. Isto significa que, além das Divisões Oriental e Ocidental que já existiam organizadas pelo EPL sob a direcção do partido, há agora uma Divisão do EPL na região central do país, onde se situa a capital do regime e se concentra o seu poder económico, político e militar.

O partido enfatizou a necessidade de desenvolver as capacidades do EPL, bem como os seus “meios, recursos e o crescimento qualitativo do seu número de membros”. Além das três divisões, nove brigadas e 29 batalhões que compõem agora o EPL, o partido anunciou que erguerá uma milícia popular de 100 000 pessoas organizadas em companhias sob a direcção do EPL, ao nível distrital e regional. “O novo plano”, segundo o comunicado à imprensa, “também clarificou o objectivo de fornecer treino defensivo e ofensivo às largas massas populares para combaterem uma guerra de túneis contra a intervenção estrangeira”. Nas guerras contra os EUA na Coreia e no Vietname, o uso de túneis para proteger os soldados e os civis e evitar ataques de surpresa foram um importante meio de neutralizar o poder aéreo do inimigo.

A reunião do partido advertiu que, “apoiado pelo imperialismo norte-americano, o expansionismo indiano está a orientar-se para uma intervenção directa contra a grande guerra popular”. Um sinal disso, diz a declaração à imprensa, foi a “prisão em diferentes cidades da Índia de vários camaradas com responsabilidades, incluindo o camarada Kiran, membro veterano do Comité Permanente do nosso partido”. O objectivo da Índia, continua, é “butanizar ou sikkinizar o Nepal.” (O Butão é um estado legalmente independente embora completamente sob os tacões das botas indianas, enquanto que o Sikkim é um país que já foi independente, foi transformado num protectorado indiano e acabou por ser anexado pela Índia.)

Esse perigo foi sublinhado nas semanas que se seguiram à reunião do PCN(M), quando o primeiro-ministro do Nepal, Sher Bahadur Deuba, foi chamado a Nova Deli para cinco dias de conversações com o novo primeiro-ministro indiano Manmohan Singh e outros ministros e ajudantes de topo. A guerra popular no Nepal foi o principal tema da agenda de trabalhos, embora não o único.

Embora o anterior governo fundamentalista hindu do BJP tivesse o que o jornal The Indian Express apelidou de “relações mais que excelentes” com o Rei Gyanendra do Nepal, que se auto-intitula “imperador hindu mundial”, um dos propósitos da reunião foi demonstrar que com o secular Partido do Congresso as relações entre Deli e Gyanendra seriam pelo menos tão boas, se não mesmo melhores.

Alguns dos objectivos da Índia foram revelados pela atenção que o documento em 25 pontos assinado por ambos os participantes na reunião deu a colocar a água e os recursos energéticos do Nepal em mãos indianas. O acordo também esboçou a “cooperação” indiana a longo prazo no desenvolvimento da cordilheira da Churia, que separa as planícies das áreas montanhosas do Nepal. Esse pacto continuou o caminho seguido ao longo do último meio século de tratados, fazendo ainda mais concessões políticas e económicas à Índia. Alguns comentaristas de ambos os países notaram que este novo acordo iria, em teoria pelo menos, limitar qualquer futuro governo do Nepal. Um político indiano salientou que isso é particularmente clarificador, dada a “situação politicamente fluida” do Nepal. Ele quis dizer que por causa da crise entre o rei e os partidos parlamentares, por um lado, e entre o velho regime e o regime revolucionário ascendente, por outro, Deuba pode nem sequer ter o direito legal a assinar esses tratados, para não falar da falta de autoridade moral.

O governo indiano, para seu lado, concordou em oferecer ao regime real do Nepal três helicópteros ligeiros modernos, 20 000 espingardas INSAS, 15 000 espingardas auto-carregáveis de 7.62 mm (SLR), 5000 metralhadoras de vários calibres, 800 camiões e jipes, 100 veículos protegidos contra minas (MPVs), coletes à prova de bala, capacetes, minas terrestres, arame farpado e outro material de guerra. Agoirentamente, a Índia está também a tentar proteger os seus interesses no Nepal, enviando instrutores militares com essas armas. A ideia de enviar soldados indianos para intervir directamente está agora a ser abertamente debatida na imprensa indiana.

De acordo com a declaração oficial conjunta, os primeiros-ministros do Nepal e da Índia também discutiram a necessidade de um tratado de extradição entre os dois países e concordaram em finalizá-lo em Outubro. A Índia mantém actualmente presos os dirigentes do PCN(M) Mohan Baydhya e C. P. Gajurel, bem como outros dirigentes e membros do partido. Neste momento é ilegal para a Índia extraditá-los para o Nepal, embora tenha raptado outros maoistas nepaleses e os tenha entregado, apesar disso, ao regime real.

O jornal diário Himalayan News Service, de Katmandu, escrevia a 10 de Setembro: “O Embaixador dos EUA no Nepal, James F. Moriarty, disse hoje que o seu país estava a trabalhar de perto com a Índia para assegurar que os maoistas não obterão ajuda exterior e nunca poderão tomar a capital.” Moriarty disse ainda que “a Índia tem um grande papel na resolução do problema maoista. Considerando o auxílio militar e a ajuda diplomática que forneceu ao Nepal, concluo que não permitirão que os maoistas tomem Katmandu.” A própria ajuda dos EUA ao regime real do Nepal quase duplicou este ano, de 22 milhões para 40 milhões de dólares.

Em resposta às ameaças intervencionistas, a reunião do partido apelou “a todos os nepaleses patriotas e com dignidade para se manterem unidos nos campos político, ideológico e militar contra a capitulação nacional do velho estado, a intervenção expansionista indiana e o perigo cada vez mais iminente de ataques militares. (...) A independência do Nepal e do povo nepalês pode ser preservada pela transformação do país inteiro numa frente de batalha, pela militarização de todo o povo e pela elevação da estratégia da guerra contra qualquer intervenção do imperialismo e do expansionismo.” Uma tal guerra, diz o comunicado à imprensa, poderá contar com “a simpatia e o apoio não apenas das largas massas nepalesas (incluindo patriotas dentro do Exército Real do velho estado), mas também das massas indianas amantes da justiça e das massas do mundo inteiro”.

Falando sobre a possibilidade de negociações e de uma solução política para a guerra, sugerida pelo embaixador dos EUA e pelo governo indiano, o PCN(M) explicou que não tinha “descartado a possibilidade de negociações com o velho estado”. O expansionismo indiano representa “o principal obstáculo” a essa solução, disse, ao mesmo tempo que “o velho estado (...) tem seguido uma agenda de trabalhos que tem como ponto único o pilhar dos recursos nacionais do país e das massas até ao último momento da sua existência, com o apoio do imperialismo e do expansionismo”. De qualquer modo, conclui o partido, “tais negociações não podem ser com os lacaios do velho estado [Deuba e os outros políticos parlamentares] mas com o seu amo [o rei], em conjunto com uma mediação internacional fidedigna, centrando-se na questão de dar o poder soberano total às massas nepalesas”.

Isto significa não um regime real sob qualquer forma em que os feudalistas e os grandes capitalistas governem em aliança com os opressores estrangeiros, mas uma verdadeira república em que as próprias massas populares detenham o poder político, em aliança com os povos do mundo.

Também é de salientar a menção a uma “mediação internacional fidedigna”. Pareceria que, ao mesmo tempo que o embaixador de EUA “urgia a comunidade internacional a pressionar os maoistas a sentarem-se à mesa das negociações”, de acordo com o Himalayan News Service, a sua advertência contra a “ajuda exterior” significaria, entre outras coisas, reafirmar a oposição dos EUA a uma mediação da ONU ou de qualquer outro organismo internacional. O Indian Express também sublinhou a oposição de Deli a uma “interferência estrangeira por parte de um terceiro interveniente” – o que obviamente não tinha a intenção de se referir à própria Índia. O jornal mencionou a influência e o investimento chineses no Nepal como um “ponto particularmente doloroso para a Índia”.

A reunião do Comité Central também analisou e tomou decisões sobre várias outras questões políticas e ideológicas vitais. Entre outros tópicos, discutiu como tornar “respeitosas, vivas e intensas as relações com forças amigas” e “o desafio de desenvolver todas as partes que compõem o marxismo-leninismo-maoismo (a filosofia, a economia política e o socialismo científico) aplicando o materialismo dialéctico à obtenção de vitórias para a revolução e ao serviço da revolução proletária mundial.”

[O texto completo do comunicado em inglês está disponível em www.cpnm.org.]

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