Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 29 de Setembro de 2008, aworldtowinns.co.uk

O desafio revolucionário à tortura e à morte:
o testemunho de ex-presos políticos iranianos

O segredo que rodeou a execução de 10 a 30 mil presos políticos pelo regime de Khomeini em Agosto e Setembro de 1988 é um crime sobre outro crime. Nos últimos vinte anos, foram escritos dezenas de livros e memórias por pessoas que foram presos políticos durante esses anos, que viveram o terror e a tortura e que viram os seus camaradas serem levados para serem executados. Eles conseguiram revelar alguns aspectos desses horrores. E não há dúvida que muito mais surgirá no futuro.

“Um pasdar (um Guarda dito Revolucionário) entrou com uma lista de nomes na mão. Chamou os nomes de dez presos. Eles foram levados com os olhos vendados. Nenhum deles regressou.”

“Eles chamaram o meu nome junto com os de alguns outros presos... Mais tarde, tanto quanto me lembro, eu estava frente a uma mesa. Conseguia ver a mão de alguém. Ele vestia um fato. Começou a interrogar-me. Depois de me questionar sobre a minha identidade e as acusações contra mim, perguntou-me se eu era muçulmano. Disse-lhe que não, não sou muçulmano. Perguntou-me se eu era marxista. Disse-lhe que sim, sou marxista. Então ele perguntou-me se eu estava preparado para condenar a minha organização política à frente dos outros presos. Disse-lhe que não. Quando me devolveram à minha cela, descobri que a maioria dos presos de esquerda tinha respondido de forma semelhante...”

“Em Evin (a infame prisão perto de Teerão construída pelo Xá especialmente para os presos políticos), como viemos a descobrir mais tarde, bem como em Gohar Dasht (Teerão) onde estávamos, os primeiros grupos executados em Junho de 1988 eram de pessoas que tinham sido presas há muito tempo mas que não tinham sido julgadas nem condenadas, ou nem sequer acusadas. O grupo subsequente, que foi executado no mês seguinte, era de pessoas que já estavam a cumprir penas de prisão perpétua... Mais tarde, os presos dos sectores 7 e 8 repararam que durante a noite, e por vezes também durante o dia, grandes camiões frigoríficos estavam a sair de Gohar Dasht carregados de corpos...”

“31 de Agosto, 8 da manhã... Eles levaram-nos a todos, com os olhos vendados, para o rés-do-chão... Ficámos aí à espera. Os que estavam à espera do lado esquerdo do corredor já tinham sido julgados e estavam à espera de serem executados. Nós estávamos à espera, quando de repente ouvimos vozes altas e praguejar dentro da sala. A porta abriu-se. Vários pasdars estavam a espancar um preso, insultando-o continuamente. Naserian (um procurador adjunto) estava a esbofetear a cara do preso e esse camarada estava a condenar o Islão deles e toda a sua brutalidade, praguejando-lhes de volta, a eles e a Eshraghi (o juiz principal). Era Ali Raiisy, um preso muito conhecido. Essa foi a última vez que o vi. Ele foi executado nesse mesmo dia...”

“O tribunal cheirava a sangue. Nos últimos dois meses, as pessoas nessa sala tinham estado ocupadas a enviar os presos para a morte. Naserian estava nervoso e irado. Eshraghi estava atrás de uma mesa à minha frente. O seu corpo grande e obeso cobria completamente a cadeira... Em Gohar Dasht havia cinco sectores para os presos de esquerda. Quase metade dos presos desses sectores foi executada. Isso também aconteceu em Evin... Nesse mesmo mês, as autoridades prisionais confiscaram os bens dos presos executados que nós tínhamos mantido até então. Nós tínhamos partilhado os seus bens entre os seus amigos mais próximos, como recordações deles; isso tinha-se tornado uma tradição nas prisões. Mas também entregámos alguns bens às suas famílias, para que elas compreendessem o que tinha acontecido. Tanto quanto percebi, o regime mantinha as execuções secretas e fazia sair as notícias lentamente. Algumas famílias não souberam nada sobre a execução dos seus entes queridos senão em Dezembro desse ano, ou mesmo vários meses depois.”

“Eles chamaram dois nomes – Vahid Khosravi e Ahmad Shirazi – para se prepararem para irem depois de almoço. Nós tínhamo-nos tornado amigos chegados durante o tempo que eles permaneceram nas nossas celas. Quando os seus nomes foram chamados, comecei a chorar sem querer. Eles abraçaram todos os presos das celas. Todos nós sabíamos que eles seriam executados em menos de uma hora. Mas porque é que esses jovens de 22 e 24 anos de idade iam ser executados? Só mais tarde percebi que a maioria dos executados eram jovens particularmente corajosos e revolucionários. A sua coragem aterrorizava o regime. Tomámos o nosso último almoço em conjunto. Antes de eles partirem, cantámos A Internacional. Nos últimos momentos, antes de as portas da cela se fecharem, mantivemos avidamente os nossos olhos uns nos outros. As suas últimas palavras foram: ‘Não nos esqueçam, mantenham vivos os nossos nomes’. Nessa noite, chorei toda a noite. Fizemos um memorial em sua honra nessa noite, lendo poesia.”

(De Uma batalha injusta, relato de sete anos de encarceramento, 1982-1989, por Nima Paraversh, Thought and Struggle Publications)

Vala comum
Vala comum de presos políticos iranianos no cemitério de Khavaran, 1988

“No final de Agosto, conseguimos obter parte de um jornal vindo do sector 2. Lemos aí que o porta-voz do Supremo Conselho de Justiça, depois de usar todo o tipo de palavras e nomes imundos para se referir aos ‘desonrosos’ comunistas, tinha pedido a pena máxima para eles. Disse que depois dos monafeghin (os ‘falsos muçulmanos’, o nome que o regime dava à organização Mujahedeen), era agora a vez dos kafirs (os ‘infiéis’ ou, por outras palavras, os comunistas).”

“Começaram imediatamente a chicotear as mulheres de esquerda... De manhã, numa cama no corredor, cinco chicotadas a cada uma... Repetiam ao meio-dia, às 4h da tarde, às 8h30 da noite e finalmente pouco antes da meia-noite. Cada mulher recebia diariamente 25 chicotadas... Na sala de audiências, foi-lhes dito que se não se arrependesse, o castigo para uma mulher kafir seria ser chicoteada até à morte.”

(De Uma verdade simples, memórias de uma mulher presa na República Islâmica do Irão, por Monireh Baradaran)

“Em várias regiões do Irão tinha começado uma espécie de competição entre os responsáveis e os dirigentes do sagrado regime islâmico, para matarem seres humanos. Cada um deles queria provar ao seu querido imã como era firme, decidido e rápido na purga da oposição e dos dissidentes. Em cidades como Hamedan (a cerca de 200 quilómetros a sudoeste de Teerão), Rasht (no norte, perto do Mar Cáspio) e Urumieh (noroeste do Irão), mais de 90% dos presos políticos foram executados. Em Karaj (a 20 milhas a oeste de Teerão), em Novembro de 1988, foi descoberta uma vala comum com 725 pessoas enterradas. Foram descobertas outras valas comuns em Teerão, Rudbar e Manjil (ambas a norte de Teerão).”

(De Memórias de um ex-recluso numa prisão da República Islâmica, pelo Dr. Reza Ghafari, Arash Publications, Estocolmo)

As prisões de mulheres

“Tanto quanto sei, todas as mulheres condenadas a serem executadas foram violadas por um interrogador chamado Hamid e pelo seu bando. Mas a vergonha impedia essas mulheres de dizerem alguma coisa a alguém. Por isso Hamid e o seu bando continuaram a fazer essa tortura. Não sei como é que esse segredo foi revelado, mas as famílias dos presos organizaram um protesto contra isso, mesmo em frente à prisão. Essa acção encorajou as mulheres presas a iniciarem uma greve da fome e a manterem-na até alguém ir investigar. Ele (o investigador) disse que qualquer mulher que tivesse sido violada deveria dar um passo em frente e queixar-se. Ninguém disse nada. Então ele repetiu o seu pedido. Novamente ninguém reagiu. A forma como falou tinha enfurecido toda a gente. Ele disse que assim era escusado todo aquele rebuliço, que a ‘contra-revolução’ (os comunistas e outras organizações revolucionárias) estava a interferir e tinha que ser parada. Por isso, disse ele, reportarei que não houve nenhum caso de violação.”

“O problema foi que nós tínhamos sido apanhadas de surpresa. Não tínhamos falado sobre isso entre nós e não tínhamos uma perspectiva comum e concreta. Éramos presas que pertencíamos a diferentes correntes políticas. Mas, quando ele terminou os seus comentários, Fariba, uma das presas, falou com uma voz clara: ‘Quem disse que o nosso silêncio significa uma resposta negativa?’ Quero salientar que a violação é uma das torturas específicas do regime contra as mulheres militantes e revolucionárias. Então ela virou-se para as presas e disse: ‘Por favor, o nosso silêncio será considerado uma aprovação desta tortura por que todas estamos a passar. Durante quanto mais tempo irá a nossa vergonha de mulheres permitir que esta tortura nos humilhe e nos destrua? Nós devemos compreender que estas violações são uma forma de tortura. O inimigo não nos conseguiu obrigar a cooperar e a trair, nem atingiu os seus objectivos de nos humilhar, mas nós não devemos sentir vergonha por causa do que nos aconteceu. Devemos resolver isto de uma forma consciente. De facto, esta tortura não nos torna desprezíveis. Torna desprezível é o regime que nos encarcerou. Por isso, Sr. Investigador, quero dizer-lhe que neste sector de 50 mulheres, nem sequer uma, sim, nem sequer uma, escapou a ser violada pelo Sr. Hamid e pelos seus colegas. Vamos continuar a nossa greve da fome até que esta forma de violação e tortura seja investigada de verdade e, como você já sabe, as nossas famílias sabem disto e acompanharão o caso lá de fora.’”

(De ...e aqui as meninas nunca morrerão, por Shahrzad, Nour Publications)

“Eles talharam um cemitério sem fronteira
Onde os que ainda estão vivos continuam a derramar
Sangue como lágrimas dos seus olhos”

(Ahmad Shamlou, poeta progressista iraniano que morreu em 2000)

 

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