Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 5 de Junho de 2006, aworldtowinns.co.uk
Motins anti-EUA abalam Cabul
Os protestos de 29 de Maio em Cabul contra as forças armadas norte-americanas, os mais violentos actos políticos que ocorreram na capital do Afeganistão desde a queda dos talibãs, foram um resultado esclarecedor dos quase cinco anos de ocupação pelos Estados Unidos e seus aliados.
Os protestos foram desencadeados por um mortal acidente de trânsito causado por uma coluna militar norte-americana. O camião de caixa aberta que encabeçava a coluna embateu em pelo menos 12 automóveis à hora de ponta da manhã, na parte norte de Cabul, causando muitos mortos e feridos. As pessoas presentes no local, incluindo familiares das vítimas, tentaram aproximar-se e ajudar os feridos, mas foram impedidas pelos soldados norte-americanos. Isto veio juntar-se ao ressentimento longamente acumulado contra o modo arrogante e perigoso como as colunas norte-americanas costumam atravessar a cidade a alta velocidade, de e para a base militar de Kandahar, frequentemente colidindo com tudo o que encontram no seu caminho e impedindo outros veículos de se aproximarem ou de as ultrapassarem, apontando as armas à sua volta, mesmo contra outros militares. Os soldados norte-americanos descobriram-se encurralados entre uma multidão indignada e os carros amolgados e sem conseguirem fugir, mas recusaram-se a recuar e a deixar a multidão salvar os feridos. Pelo menos um veículo Humvee abriu fogo com uma metralhadora pesada. Isso, por sua vez, fez transbordar a ira popular. Estudantes a caminho das aulas e outras pessoas na multidão reagiram atirando pedras à coluna e gritando: “Morte aos EUA” e outras palavras de ordem anti-EUA. Os veículos militares norte-americanos fugiram do local, deixando à polícia afegã que começava a chegar a tarefa de continuar a disparar. Muito justamente, os manifestantes encararam esses polícias como marionetas dos EUA e também os apedrejaram.
Os protestos rapidamente se espalharam ao centro da cidade, perto das bases militares dos EUA e da Nato, uma zona que o seu pessoal e os diplomatas visitam frequentemente. Segundo uma testemunha, os guardas dispararam contra uma dezena de pessoas que tentavam entrar no complexo britânico de segurança. Outros manifestantes que tentavam chegar à Embaixada dos Estados Unidos do outro lado da cidade foram impedidos pela polícia e pelo exército afegãos. Algumas centenas de pessoas mais marcharam rumo ao parlamento no sudoeste da cidade. Cantando “Morte à América” e “Morte a Karzai”, deitaram abaixo um enorme cartaz de Karzai, queimaram uma bandeira dos Estados Unidos e atacaram escritórios, edifícios e símbolos do governo e dos ocupantes. Queimaram uma esquadra da polícia, veículos policiais e outros carros, a sede de uma empresa de televisão, uma estação dos correios e várias instalações de ONGs, incluindo os escritórios da organização internacional de ajuda CARE e da ONG francesa Acted. Por toda a cidade, os manifestantes lutaram com a polícia e saquearam instalações de organizações estrangeiras. Um dos manifestantes, Jaweed Agha, disse à agência noticiosa Reuters: “Não aceitamos mais Karzai como presidente e estamos a protestar contra ele”. Os confrontos continuaram pela tarde dentro. Segundo as autoridades afegãs, houve pelo menos 20 mortos e mais de 160 feridos. Nessa noite, pela primeira vez desde a invasão norte-americana, Cabul foi colocada em recolher militar obrigatório. O exército afegão e as forças da Nato fortemente armadas patrulharam a capital.
O exército norte-americano mentiu sobre o incidente e alegou que os seus soldados haviam sido atacados sem provocação depois de um acidente não evitável devido a uma “falha mecânica” e que simplesmente se estavam a defender ao dispararem por cima das cabeças das pessoas. Até o próprio chefe da polícia das estradas de Cabul, que testemunhou os acontecimentos, teve que clarificar as coisas. Quando um parlamentar defendeu que os soldados norte-americanos deveriam cumprir as leis de trânsito e Karzai se sentiu na obrigação de sugerir que não deveriam disparar contra civis, as autoridades norte-americanas rejeitaram imediatamente esses comentários, salientando que o Afeganistão tinha assinado um tratado ao abrigo do qual o país não podia prender ou processar as forças de ocupação – uma crua lembrança de quem realmente detém o poder no país. As autoridades norte-americanas rapidamente declararam os seus homens inocentes de qualquer acto incorrecto, confirmando assim que ao aterrorizarem e assassinarem civis esses soldados estavam a seguir uma política oficial.
Estes protestos foram um choque para uma cidade há muito considerada por muitos ocidentais um “porto de abrigo” seguro e foram um rude golpe para o regime fantoche do Presidente Hamid Karzai que luta por conter uma insurreição em expansão no país. Também foi um alarmante dia para um exército norte-americano já envolvido em grande escala no Iraque e que ameaça desencadear outra guerra contra o Irão. O Afeganistão, frequentemente alardeado como um sucesso pelos fazedores de guerra norte-americanos, está a transformar-se noutra fonte de pressão crescente para as forças militares dos Estados Unidos.
À medida que as notícias se foram espalhando, a ira foi-se propagando por todo o Afeganistão. Os protestos irromperam com essa velocidade e intensidade porque as pessoas estão a perder a paciência com o governo e com a presença das tropas dos Estados Unidos e de outros países no Afeganistão [NT: incluindo Portugal]. O que preocupa os responsáveis ocidentais e os seus aliados afegãos não é apenas a intensidade da tormenta mas a direcção que possa tomar.