Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 18 de Agosto de 2008, aworldtowinns.co.uk
Em memória de Mahmoud Darwish
(13 de Março de 1941 – 9 de Agosto de 2008)
O celebrado poeta palestiniano Mahmoud Darwish [ou Mahmud Darwich – NT] morreu a 9 de Agosto, após complicações durante uma operação ao coração. Em vida, ele foi uma das muito poucas pessoas no mundo que conseguiam encher com cerca de 25 mil espectadores um estádio de futebol para um recital de poesia. Ele tinha um lugar especial nos corações do povo palestiniano e de outros povos árabes, e isso a par com a elevada consideração em que o tinham muitos intelectuais de todo o mundo. A sua poesia capturou de formas mágicas o pulsar da dor palestiniana, fazendo os leitores rir e chorar. Na morte, multidões de palestinianos prestaram-lhe homenagem como símbolo e expressão das aspirações palestinianas de regresso à sua terra, ao seu país. Darwish exprimiu em palavras a paixão colectiva sentida por mulheres e homens, ricos ou pobres, com educação ou não, que foram ou ainda são vítimas da Nakba, a limpeza étnica e ocupação das suas terras pelo estado sionista de Israel há 60 anos atrás. Os seus poemas foram transpostos em música e transformaram-se em hinos para duas gerações de palestinianos e para outras pessoas.
Em 1981, ele fundou uma das principais revistas literárias do mundo árabe, a al-Karmel. Escreveu 20 livros de poesia e foi traduzido em mais de 20 línguas. A sua primeira colecção de poemas nos anos 60 incluía “Bilhete de Identidade”, o qual se tornou numa espécie de seu poema de marca. Está escrito na primeira pessoa. Uma prática comum entre muitos palestinianos nesses dias era responder às autoridades israelitas e aos governos árabes hostis dando simplesmente um número de identidade. Alguns dos versos do poema são:
Escreva aí!
Sou árabe
O meu número é o 50 000
Tenho um nome, não tenho um título
Sou paciente num país
Onde as pessoas estão enfurecidas.
Na época da Nakba, em 1948, tinha sete anos. Fugiu com a sua família de Birweh, uma aldeia na Galileia. A família regressou em 1949, arriscando morrer às mãos das milícias sionistas que assassinaram inúmeros palestinianos que tentavam regressar às suas casas. Viveu o resto da sua juventude como cidadão israelita de segunda classe. O seu avô decidiu ir viver para uma colina de onde se via a sua terra. Até morrer, o seu avô observou os imigrantes judeus do Iémen que viviam em sua casa, que ele nem sequer podia visitar. Darwish conquistou aos 12 anos a reputação de criança poeta precoce. Pediram-lhe que compusesse um poema para um recital público no “Dia da Independência” de Israel. O seu poema descrevia os sentimentos de uma criança que regressa à sua cidade para descobrir outras pessoas a dormirem na sua cama e a cultivarem as terras do seu pai. Chamado pelo governador militar, disseram a Darwish que se ele continuasse a escrever material subversivo revogariam a autorização de trabalho do seu pai. Esse incidente marcaria Darwish para toda a vida.
Os seus poemas militantes definiram a existência palestiniana face à afirmação de Golda Meir de que “Não há palestinianos”. Entre 1961 e 1976, foi encarcerado cinco vezes. Israel acabaria por despojar Darwish da sua “cidadania” e ele passou a fazer parte da diáspora palestiniana. Como membro do Partido Comunista israelita revisionista pró-soviético passou um ano a estudar na União Soviética, onde ficou desiludido. Tornou-se numa das muitas pessoas apátridas a deambular, primeiro no Egipto, depois na Jordânia e finalmente no Líbano. A invasão israelita do Líbano em 1982 marcou um outro momento determinante na vida de Darwish. Em Beirute, viveu sob os bombardeamentos e o cerco da cidade, entre o silêncio ensurdecedor do mundo inteiro. Nos acampamentos fora da cidade, o exército israelita manteve a guarda enquanto os falangistas cristãos libaneses levavam a cabo os massacres de Sabra e Shatila.
Em 1973, aderiu à Organização de Libertação da Palestina (OLP), liderada por Yassar Arafat. Em 1987, foi nomeado para o Comité Executivo da OLP, embora ele visse o seu papel aí como simbólico. Em 1993, rompeu com Arafat e demitiu-se do seu lugar no dia seguinte à assinatura dos Acordos de Oslo, o pacto arquitectado pelos EUA entre Israel e a OLP que acabaria por levar ao “roteiro” para lado nenhum e ao actual papel da OLP como lacaia da ocupação israelita. Mas, devido aos Acordos, em 1996 ele conseguiu regressar à Palestina. Viveu na cidade de Ramallah, na Cisjordânia e viajou por toda a Palestina sempre que podia, incluindo para Gaza.
Nos primeiros dias da segunda Intifada, o mundo ficou chocado com a infame fotografia de Muhammad al-Durrah, um rapaz de 12 anos agachado e abrigado pelo corpo do seu pai durante uma incursão das Forças de Defesa israelitas, em Setembro de 2000. As balas israelitas mataram o rapaz, apesar dos esforços do pai. Darwish escreveu: “Nós amamos a vida – quando a conseguimos ter”.
Em 2002, Ariel Sharon lançou a Operação Protecção Defensiva, uma selvagem re-invasão das cidades da Cisjordânia, em particular de Ramallah. Nessa altura, Darwish convidou vários autores (José Saramago, Wole Soyinka, Juan Goytisolo, Breyten Breytenbach e Russell Banks), dois dos quais laureados com o Prémio Nobel, para verem por si próprios a ocupação militar. Breytenbach evocou o antigo regime de apartheid na África do Sul. Banks comparou-a às reservas de índios norte-americanos do século XIX. A invasão inspirou Darwish a escrever “Estado de Sítio”. Alguns dos versos falam dos soldados israelitas que disparam sobre vizinhos dele:
Vós, que estais na ombreira da porta, entrai
E bebei connosco o nosso café árabe
Porque podereis sentir que sois humanos como nós.
Outros falam do soldado/assassino de um feto:
Se tivesses deixado o feto mais trinta dias,
As coisas teriam sido diferentes
A ocupação poderia ter acabado, e a criança poderia não se lembrar dos dias do cerco,
E tornar-se-ia num menino saudável,
E estudaria a história antiga da Ásia,
Na mesma universidade que uma das tuas filhas.
E eles poderiam apaixonar-se.
E poderiam ter uma filha (que seria judia por nascimento).
Agora, o que é que fizeste?
Agora a tua filha é uma viúva,
Agora a tua neta é órfã.
Que fizeste à tua família dispersa,
Como é que pudeste matar três pombos com uma única bala?
Também em 2002, um reformista Ministro israelita da Educação tentou que fossem introduzidos cinco dos poemas de Darwish num currículo escolar “multicultural”. Isso atiçou um turbilhão de controvérsia no parlamento israelita, onde a proposta foi redondamente derrotada. Darwish comentou: “Eles ensinam aos estudantes que o país estava vazio. Se ensinassem os poetas palestinianos, romperiam esse conhecimento. A maior parte da minha poesia fala do amor pelo meu país.” E acrescentou: “É difícil acreditar que o país militarmente mais poderoso do Médio Oriente seja ameaçado por um poema”. O governo israelita considerou, até ao fim, Mahmoud Darwish um perigoso inimigo.
Os seus poemas expõem um vasto leque de alvos: o governo israelita (por exemplo, ao fingir ser a vítima (“Tu roubaste as nossas lágrimas, lobo”), o governo norte-americano (por dar a todas as crianças palestinianas, para elas brincarem, o “presente” de uma bomba de deflagração) e os governos árabes (que se esquivam a ajudar os palestinianos e escondem a sua inépcia com uma retórica anti-semita).
Nacionalista laico, Darwish andava deprimido e zangado com a Fatah e o Hamas, as duas principais organizações políticas palestinianas. Não se poupava nas suas críticas à tacanha luta delas pelo poder, chamando-lhe “suicídio nas ruas”.
Isto torna ainda mais significativo que no seu funeral em Ramallah tenham estado presentes muitos milhares de pessoas, tornando-o no maior acontecimento político de massas na Cisjordânia desde o funeral de Arafat.