Do sítio do Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (em inglês a 9 de junho de 2025 e em castelhano a 11 de junho de 2025).
Com o total apoio dos EUA, Israel mata à fome os palestinos em Gaza e depois massacra-os quando eles buscam alimentos
“Os estadunidenses estão a mentir-nos. (...) Chamam-lhe centro de ajuda humanitária e depois matam-nos aí”
— Arafat Siyam, cujo irmão foi assassinado quando tentava obter ajuda alimentar
Domingo, 1 de junho, 3h da manhã: Está completamente escuro no sul de Gaza, mas milhares de habitantes de Gaza, desesperados para alimentarem as respetivas famílias, já estavam concentrados perto da rotunda de Al-Alam, ao longo da estrada costeira a oeste de Rafah, que Israel tinha designado como área segura. Está situada a cerca de 800 metros do centro de ajuda da “Fundação Humanitária de Gaza” (FHG), gerida pelos EUA e apoiada por Israel, que iria abrir às 5h.
Israel tinha deixado Gaza à fome durante mais de 80 dias, recusando-se a permitir a entrada de alimentos, água, medicamentos, combustíveis ou outros bens essenciais. A ONU tinha avisado que Gaza era o único lugar no planeta onde toda a população está em risco de morrer à fome. Pouco antes, Israel havia permitido a entrada de ajuda a conta-gotas, mas Gaza continuava a morrer à fome e muitas pessoas sentiam que o novo centro de ajuda estadunidense era a única esperança para aliviar os seus filhos famintos, a gritar por comida.
A maioria tinha vindo a pé, alguns deles de quilómetros de distância. Sabiam que os fornecimentos seriam muito limitados e que tinham de chegar cedo para não perderem a oportunidade. Esta era a quarta vez que um homem tentava obter alimentos. Um outro disse: “É como uma corrida aos alimentos. (...) Aqueles que ganham a corrida recebem ajuda.”
Cerca das 3h30, a multidão de cerca de 10 mil ou mais pessoas, que se estendiam até onde alcançava a vista, começou a dirigir-se para o centro de ajuda. De repente, irromperam intensas rajadas de tiros, disparadas por atiradores furtivos, drones e metralhadoras instaladas em tanques, que pareciam vir de todos os lados.
Os corpos começaram a cair, os mortos e os feridos espalhavam-se pelo chão. E o tiroteio continuou durante várias horas. “Eu conseguia ouvir os gritos dos jovens e de outras pessoas, devido aos seus ferimentos”, disse um homem à CNN. “À minha frente estavam quatro jovens com ferimentos diretos na cabeça. (...) Ao meu lado havia uma pessoa ferida no olho por uma bala. (...) Mesmo recuar era quase impossível, e todos estavam deitados no chão, incapazes de levantar a cabeça, porque quem a levantasse seria atingido.”
Mohammad Abu Rezeq foi baleado no estômago. Ele disse que as forças israelitas estavam a visar deliberadamente a multidão. “Vi muitos soldados nesta guerra. Quando eles querem limpar uma área ou avisar-nos, disparam ao nosso redor. Mas ontem estavam a atirar para nos matar.”1
Mohammed Abdulal tinha percorrido 29 quilómetros. Uma bala atravessou-lhe o rosto, deixando-o a contorcer-se de dor.
Um menino chorava em agonia ao lado da mãe assassinada. “Ela vinha buscar ajuda e é isto que eles nos fazem!”, gritou ele.
“Os estadunidenses estão a mentir-nos”, disse Arafat Siyam. O irmão dele tinha acabado de ser assassinado. “Desde quando eles se importam com o trabalho humanitário? Chamam-lhe centro de ajuda humanitária e depois matam-nos aí.”
A armadilha mortal da ajuda “humanitária” israelo-estadunidense
Os mortos e feridos inundaram os hospitais de Rafah. A Cruz Vermelha disse que o seu hospital de campanha estava totalmente lotado, qualificando o massacre como “o mais elevado número de feridos por armas de fogo num só incidente” durante o ano em que tem estado aberto. Cerca de 32 pessoas foram assassinadas e mais de 200 ficaram feridas, dezenas delas com gravidade. Todos os mortos tinham sido baleados na cabeça ou no peito. Não tinham sido “tiros de aviso” como os militares israelitas depois alegaram.
A Dra. Victoria Rose é uma cirurgiã voluntária que tratou alguns dos feridos. “Há centenas e milhares de crianças a morrer desnecessariamente, crianças mortas em explosões, crianças a morrer de fome e crianças a morrer de outras doenças preveníveis”, disse ela. “Trata-se da destruição em massa de toda uma população, e não podemos ficar de braços cruzados e deixar que isto continue a acontecer.”
Israel e EUA: Mentiras que vão mudando em oposição à verdade captada em vídeo
O exército israelita alegou imediatamente que as notícias sobre os disparos contra os habitantes de Gaza na vizinhança ou no interior do centro de distribuição de ajuda eram “relatos falsos”. Mais tarde, disse que as tropas tinham levado a cabo “disparos de aviso” contra “vários suspeitos que se dirigiam a eles, desviando-se das rotas de acesso designadas.”
A FHG, controlada pelos EUA, confirmou a versão israelita insistindo: “Não houve tiros no centro (de distribuição) nem na área circundante”. E acrescentou: “Toda a ajuda foi distribuída hoje sem incidentes. Ouvimos dizer que o Hamas fomentou ativamente esses relatos falsos. Eles são falsos e fabricados.”
Trata-se de mentiras desprezíveis, contraditas por montanhas de testemunhos e vídeos, incluindo uma investigação aprofundada da CNN que descobriu que as Forças de Defesa de Israel [IDF, as forças armadas israelitas] estavam a disparar desde uma distância de 500–1000 metros das pessoas que procuravam ajuda (ou seja, elas não estavam a avançar em direção ao exército) e que as balas recuperadas correspondiam às das metralhadoras montadas nos tanques israelitas.
Além disso, há o facto de esses massacres continuarem a ocorrer. No dia seguinte, mais de 30 pessoas foram assassinadas e dezenas ficaram feridas no mesmo local. No momento em que escrevemos, há relatos de mais assassinatos em centros de “ajuda”. Desde que abriram os centros de ajuda da Fundação Humanitária de Gaza a 27 de maio, foram assassinados pelo menos 102 palestinos e mais de 490 ficaram feridos em ataques semelhantes.
Depois, há o contexto geral: o genocídio sistemático levado a cabo por Israel visa tornar impossível aos palestinos viverem — ou sequer permanecerem — em Gaza. Uma total destruição de infraestruturas e limpeza étnica. Um massacre massivo, que inclui o assassinato ou ferimento de 50 mil crianças palestinas.2
“O mundo está a assistir, dia após dia, a cenas horríveis de palestinos a serem baleados, feridos ou assassinados em Gaza, quando estão simplesmente a tentar buscar comida”, disse o chefe da ajuda alimentar da ONU, Tom Fletcher. “Isto é o resultado de uma série de decisões deliberadas que fazem com que dois milhões de pessoas fiquem sistematicamente privadas do essencial para sobreviverem.”
O regime fascista de Trump e do MAGA redobra esforços no terreno em Gaza — juntando-se diretamente a Israel e ao seu genocídio!
Para o sistema capitalista-imperialista dos EUA, Israel é um bastião e uma ferramenta insubstituíveis para manter o seu domínio da região estratégica do Médio Oriente. Durante décadas, os governantes de ambas os partidos dos EUA forneceram apoio em armas, informações, apoio político e muito mais. Joe “Genocida” Biden deu o total apoio dele a Israel quando este país iniciou o seu genocídio em Gaza após o ataque reacionário do Hamas a 7 de outubro de 2023, fornecendo milhares de milhões de dólares em armas, vetando uma resolução da ONU atrás de outra, e muito mais.
Mas o regime fascista de Trump elevou esse apoio a todo um outro nível, um salto perigoso para além do que a administração Biden tinha feito. Como analisou o líder revolucionário Bob Avakian [inglês/castelhano], para o regime fascista de Trump, “o poder destrutivo puro e duro é o que deve reger a arena internacional, sem qualquer pretensão de cumprimento do direito internacional nem preocupação com a soberania, nem sequer o direito de existência dos povos e países menos poderosos.”
Isto ficou horrendamente ilustrado no plano de Trump para transformar Gaza numa “Riviera do Mediterrâneo” através da limpeza étnica de todos os palestinos, e na maneira como Netan-Nazi o tem implementado avidamente na aberta e desavergonhadamente genocida “Operação Carros de Gedeão” [inglês/castelhano].
Agora, o regime de Trump está novamente a redobrar os seus esforços, organizando a chamada “Fundação Humanitária de Gaza”, criando centros de ajuda em Gaza e mobilizando contratados estadunidenses para garantirem a segurança desses centros.3
Ver também:
- Outras formas como o regime de Trump e do MAGA apoiou o genocídio levado a cabo por Israel... só durante a última semana [inglês/castelhano]
- Greta Thunberg fala a partir da Flotilha da Liberdade sobre como manter um “sentido de humanidade” [inglês/castelhano]
Estes centros de ajuda são uma parte importante da operação militar israelita chamada “Carros de Gedeão”. Eles visam acalmar a indignação internacional, permitindo a entrada de alimentos a conta-gotas em Gaza, supostamente para reduzir a possibilidade de fome em massa. O objetivo: continuar a aterrorizar toda a população e permitir que Israel continue a sua campanha de aniquilação!
Esses centros de ajuda estadunidenses também servem para obrigar os palestinos famintos a evacuarem do norte de Gaza e irem para o sul em busca de alimentos. Isto está de acordo com o plano de Israel de concentrar toda a população de dois milhões de palestinos num pequeno canto no extremo sul de Gaza, que representa 20% do seu território. A partir de aí, o objetivo de Israel é confinar, e depois expulsar ou reduzir, a população, de uma forma ou de outra, imediatamente ou ao longo do tempo.
E, uma vez mais, estes centros de ajuda estão precisamente nos campos de morte de Gaza.
NÃO ao genocídio israelo-estadunidense contra o povo palestino! Fim ao cerco de Gaza! O regime fascista de Trump tem de se ir embora!
Perante a crescente condenação mundial, Israel não poderia levar a cabo a sua campanha genocida sem o apoio do regime fascista de Trump. Forçar esse regime a sair do poder através de massivos protestos políticos não-violentos seria um golpe incrivelmente poderoso contra Israel e a sua capacidade de continuar a cometer os seus colossais crimes contra a humanidade.4
Foi por isso que escrevemos na semana passada [inglês/castelhano]:
Os protestos a exigir o fim do massacre genocida israelo-estadunidense do povo palestino também têm de dar um salto. E embora a luta para derrotar o regime fascista de Trump e a luta contra o genocídio israelo-estadunidense não sejam a mesma coisa, eles têm de se complementar — para que cada um deles obtenha força e determinação do outro.
NÃO ao genocídio israelo-estadunidense contra o povo palestino!
Em nome da humanidade, recusamo-nos a aceitar uns Estados Unidos fascistas!
O regime fascista de Trump tem de se ir embora — JÁ!
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NOTAS:
1 As citações e descrições são da CNN, do New York Times e do Middle East Eye. A CNN descreveu assim a sua investigação dos tiroteios:
Uma investigação da CNN sobre um incidente letal no domingo perto de um centro de distribuição de ajuda no sul de Gaza indica que o exército israelita abriu fogo sobre a multidão de palestinos que tentava aceder ao recinto fechado para obter alimentos. Múltiplos vídeos geolocalizados pela CNN situam os disparos de armas perto de una rotunda onde centenas de palestinos se tinham concentrado a cerca de 800 metros do centro de ajuda militarizado de Tel al-Sultan, em Rafah.
A rota designada para se chegar ao sitio pela costa, a Rua Al-Rasheed, situa-se numa área controlada pelo exército israelita e as tropas israelitas estão a operar numa base vizinha.
Peritos em armamento afirmaram que o ritmo dos disparos que se ouvem nas imagens, bem como as imagens das balas recuperadas das vítimas, coincidem com as metralhadoras utilizadas pelo exército israelita, as quais podem ser montadas em tanques.
2 Num comunicado, a UNICEF escreveu: “Quantas mais meninas e meninos têm de morrer? Que nível de horror tem de ser transmitido ao vivo para que a comunidade internacional intervenha, exerça a sua influência e tome medidas ousadas e decisivas para fazer com que se ponha fim a esta desapiedada mortandade infantil?”, em “UNICEF: Israel Has Killed or Injured Over 50,000 Children in Gaza Since Start of Genocide” [“UNICEF: Israel matou ou feriu mais de 50 mil crianças em Gaza desde o início do genocídio”], Democracy Now!, 3 de junho de 2025.
3 Pôr no comando um fascista fundamentalista cristão admirador de Trump — A criação da Fundação Humanitária de Gaza e as suas operações em Gaza provocaram indignação e condenação a nível internacional. O próprio diretor original da Fundação nos Estados Unidos se demitiu devido à falta de autonomia em relação aos planos bélicos de Israel.
O regime de Trump respondeu nomeando o reverendo Johnnie Moore, um agente fascista evangélico cristão de alto nível e um profissional de relaciones públicas, com laços estreitos a Trump, a Israel e a Netanyahu, para dirigir a FHG. (Os fascistas fundamentalistas cristãos são uma componente chave da base de Trump e raivosos apoiantes de Israel com base na sua interpretação literal da Bíblia, aconteça o que acontecer). Moore é próximo do embaixador dos EUA em Israel, Mike Huckabee, que declarou que não há palestinos nem ocupações israelitas, e que tem defendido que Israel anexe — tome posse total — a Cisjordânia.
A FHG já difundiu a mentira de que tudo está a correr bem nos centros de ajuda, apesar das centenas de cadáveres por lá espalhados. E Moore afirmou que os esforços de ajuda estão a “funcionar” e devem ser “celebrados”. “Evangelical Leader Close to Trump, Netanyahu Named New Director of Gaza Aid Fund” [“Líder evangélico próximo de Trump e Netanyahu nomeado novo diretor do fundo de ajuda a Gaza”], Ha’aretz, 3 de junho de 2025; “He Attended Prayer Meetings in the White House. Now He’s Chairman of a Gaza Aid Group” [“Participou em encontros de oração na Casa Branca e agora é presidente de um grupo de ajuda a Gaza”], New York Times, 5 de junho de 2025.
4 Há negociações em curso entre diferentes partes sobre um potencial cessar-fogo em Gaza. A situação é confusa e uma análise dos diferentes aspectos está para além do âmbito deste artigo. Há muita especulação nos meios de informação sobre a frustração de Trump com Netanyahu. Obviamente, não conhecemos as discussões e os debates internos, mas sabemos que Netanyahu continua a celebrar o “plano Trump” de expulsar todos os palestinos de Gaza e que Trump continua a enviar massivas quantidades de equipamento militar e financiamento, ao mesmo tempo que dá cobertura política ao genocídio em curso, incluindo de todas as formas antes enumeradas.