Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 14 de Julho de 2008, aworldtowinns.co.uk
Afeganistão: Protestos contra os ataques aéreos norte-americanos e contra as expulsões das pessoas das suas casas
Em Junho, surgiram nas notícias dois grandes protestos contra os ocupantes e as autoridades afegãs. As forças de segurança lidaram com eles com brutalidade, tendo resultado pelo menos um morto e dezenas de feridos.
A 14 de Junho, segundo o serviço em persa da BBC, milhares de habitantes da província de Paktia, no sudeste do país, manifestaram-se contra os ataques das forças afegãs e estrangeiras contra civis. Testemunhas disseram que os protestos duraram três dias. A BBC noticiou que, num dos ataques aéreos, tinham sido mortos pelo menos 18 membros de uma família alargada. Um manifestante também disse que tinham sido mortos 11 membros de outra família num anterior ataque aéreo no distrito de Zarmat, na província de Paktia, no Afeganistão centro-oriental, junto à fronteira com o Paquistão. Os distritos de Zarmat e Mateh Khan foram bombardeados durante três noites consecutivas. Os bombardeamentos foram tão intensos que, durante vários dias, as pessoas tiveram que deixar ao abandono os corpos de muitos dos seus entes queridos.
Durante os protestos, as pessoas enfurecidas gritaram palavras de ordem contra os invasores e avisaram o governo e os ocupantes que, a manter-se esta situação, elas reagirão e que depois nada as poderá impedir de se revoltarem e se vingarem. Embora as manifestações tenham começado pacificamente, tornaram-se sangrentas quando a polícia disparou sobre os manifestantes, matando pelo menos uma pessoa e ferindo outras 12.
Um dos piores massacres de civis ocorreu a 6 de Julho, na província oriental de Nangarhar, depois desses protestos. A coligação liderada pelos EUA negou os relatos iniciais de que teria bombardeado uma festa de casamento, insistindo em que todos os mortos eram “militantes”. O repórter da BBC Alastair Leithead chegou a essa aldeia uma semana depois. Segundo o seu relato de 14 de Julho, os habitantes de um dos vales seguiam por um caminho de montanha em direcção ao vale adjacente para participarem num casamento. Em três bombardeamentos aéreos sucessivos, um jacto norte-americano atacou primeiro um grupo de crianças, depois um grupo de mulheres e mais tarde um grupo de três raparigas, entre as quais estava a noiva que tinha escapado ao segundo bombardeamento. Das cerca de 52 pessoas mortas, quase todas eram mulheres e crianças que escoltavam a noiva.
É particularmente revoltante que as autoridades norte-americanas tenham tentado vir em defesa dos seus actos pretendendo que seria uma táctica típica talibã alegar que as suas concentrações de tropas atingidas por ataques aéreos norte-americanos seriam na realidade apenas festas de casamento, já que dois dias antes ocorrera um incidente semelhante – marcado por semelhantes mentiras norte-americanas – em Nouristan, em que mataram 17 pessoas num casamento. Na realidade, os ataques aéreos norte-americanos a festas de casamento têm sido uma marca da actual ocupação, tal como o tinham sido durante a ocupação soviética, uma vez que os invasores consideram qualquer grande ajuntamento de afegãos como sendo inerentemente hostil.
Segundo fontes oficiais, das 8000 mortes relacionadas com o conflito durante o ano passado, cerca de 1500 foram de civis. Porém, o verdadeiro número é habitualmente muito mais elevado, uma vez que os EUA, a Nato e os responsáveis afegãos contabilizam muitos dos mortos civis como sendo insurgentes talibãs ou apoiantes dos talibãs. Os talibãs e os seus aliados também têm matado muitos civis e há muito que não vacilam na utilização de assassinatos, tendo ultimamente matado um grande número de civis, uma vez que têm adoptado cada vez mais a táctica dos atentados-suicidas, que é a sua versão própria das terroristas e indiscriminadas “mortes vindas de cima” dos Estados Unidos.
Os protestos contra a expulsão de pobres e a destruição de casas
As “prendas” dos ocupantes ao povo do Afeganistão não se limitam à guerra, bombardeamentos, mísseis, ataques de artilharia e tortura de prisioneiros. Na realidade, os seus ataques aéreos impõem e garantem a miséria do povo.
Um outro protesto ocorreu a 12 de Junho contra os planos das autoridades municipais de Herat de destruição de casas de deslocados e refugiados internos a viver no campo Sheidaee, a cinco quilómetros dessa cidade do noroeste do país, junto à fronteira com o Irão e o Turquemenistão. As pessoas tentaram impedir essa destruição com todos os meios que tinham à mão. Durante um curto período de tempo, conseguiram bloquear a principal estrada entre Herat e a vizinha província de Badghis, a nordeste. Há notícias de a polícia ter disparado sobre a manifestação e de os manifestantes terem atirado pedras à polícia. Houve vítimas de ambos os lados. Treze pessoas deram entrada no hospital, muitas delas com ferimentos de balas. A polícia alegou que alguns dos manifestantes estavam armados. A polícia prendeu oito pessoas, libertando depois três delas.
A demolição de casas de famílias pobres vítimas da guerra causou tanto escândalo que mesmo o presidente da câmara de Herat, Mohammad Rafigh Mojadadi, teve que alegar que o que ele tinha ordenado fora a destruição de “lojas construídas ilegalmente” e não de casas. Mas o porta-voz da polícia da região ocidental, Abdol Raoof Ahmadi, contradisse-o com a sua própria defesa da demolição, dizendo que as pessoas tinham construído casas em terras do estado, apesar de repetidos avisos.
Durante a última década, cerca de 30 mil pessoas instalaram-se no campo Sheidaee, perto de Herat. Muitas tiveram que fugir de províncias como Badghis e Faryab, no nordeste do país, devido à crescente insegurança, à seca e à fome; outras foram expulsas das suas casas pelas autoridades locais. As condições de vida nesse campo são horríveis. Durante os últimos anos, falou-se na distribuição de terras vizinhas a esses refugiados, para que pudessem construir casas simples para si próprios. Porém, isso nunca se materializou. Agora, a municipalidade, com a ajuda da polícia, está a tentar demolir os abrigos provisórios em que as pessoas vivem, feitos de lama seca ao sol. As autoridades tentaram convencer ou forçar indirectamente as pessoas a abandonarem a zona e voltarem para as suas províncias de origem. Mas os problemas de segurança e as difíceis condições aí, e o facto de muitas pessoas não terem deixado nada nas suas regiões de origem, têm levado muita gente a resistir à expulsão, mesmo que isso signifique continuar a viver em condições desumanas.
De facto, a razão mais importante para essas pessoas pobres não poderem voltar para as suas terras de origem é que essas terras foram confiscadas por velhas ou novas personagens poderosas. Elas não deixaram nada para onde voltar. Enfrentam agora o facto de serem novamente expulsas porque as terras onde se situa o campo de refugiados também se tornaram valiosas, o que explica por que a municipalidade e a polícia estão tão ansiosas em expulsar as pessoas pobres.
A confiscação de terras, sobretudo nas grandes cidades, é um fenómeno novo no Afeganistão. Começou há cinco ou seis anos atrás, pouco depois da invasão liderada pelos EUA. Com o regresso de muitos expatriados e a avalanche de vários conselheiros dos imperialistas, por um lado, e a escassez de casas e de terrenos, por outro, os preços subiram em flecha. Assim, a confiscação de terras e o investimento em propriedades tornou-se numa forma comum de algumas personagens poderosas com ligações governamentais se tornarem ricas. Qualquer casa ou terreno que esteja abandonado por qualquer razão (como a morte, o encarceramento ou uma viagem do seu proprietário) é considerado um saque potencial para ser confiscado. Se os ocupantes originais regressarem, pouco podem fazer para recuperarem as suas casas. Há relatos de o general Ghassim Fahim, antigo ministro da defesa do governo de Hamid Karzai e um poderoso senhor da guerra membro da organização jihadista Jamiat-e-Islami (a principal organização da Aliança do Norte, a aliança de senhores da guerra que apoiou a invasão liderada pelos EUA), estar envolvido na confiscação de terras. Ali Ahmad Jalali, que alegava estar a “combater a corrupção” quando era ministro do interior, foi recentemente acusado de envolvimento num escândalo de corrupção que envolvia a confiscação de terras em Cabul para construção. Se algumas pessoas estão a ter problemas com a confiscação de terras, é porque outras, mais poderosas, também as estão a confiscar.
Por isso, quando o porta-voz da polícia, Abdol Raoof Ahmadi, diz que as pessoas pobres devem ser expulsas das terras onde construíram os seus abrigos porque as terras são “propriedade do estado”, o que está de facto a revelar parcialmente é a natureza do próprio estado afegão.