Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 3 de Novembro de 2008, aworldtowinns.co.uk
Afeganistão: Morte ou apenas 20 anos por blasfémia?
Sayed Parwez Kambakhsh é um estudante universitário afegão de jornalismo de 24 anos acusado de mostrar aos colegas um artigo crítico do Islão, descarregado da internet. Em Outubro passado, um tribunal local da cidade norte de Mazar-e-Sharif condenou-o à morte por blasfémia. Agora, um tribunal de recurso integrado por três juízes confirmou essa condenação, embora reduzindo a sua sentença para 20 anos de prisão.
O julgamento original durou quatro minutos. Este novo julgamento foi mais complexo. Uma testemunha chave disse que antes tinha testemunhado que Kambakhsh lhe tinha dado o artigo apenas porque a polícia tinha ameaçado os seus pais. Também foram apresentadas provas de que a admissão de culpa de Kambakhsh tinha sido obtida sob tortura. Poder-se-ia considerar um ultraje que, mesmo assim, a sua condenação tenha sido mantida, apesar destas revelações, mas deve-se considerar ainda mais ultrajante que este julgamento mais recente apenas tenha examinado as provas da blasfémia ter sido cometida de facto ou não – se Kambakhsh tinha distribuído activamente o artigo, escrito ou concordado com ele e se acreditava em Alá – e não sobre se a blasfémia deveria ser considerada um crime ou não. Isto é particularmente perturbador em termos de base para o próximo passo, um recurso para o Supremo Tribunal afegão em Cabul.
Um membro da organização Asia Human Rights Watch disse que a redução da pena de Kambakhsh para 20 anos poderia de facto funcionar contra ele, visto que poderia reduzir a pressão internacional sobre o Presidente Hamid Karzai do Afeganistão para intervir rapidamente e perdoar o estudante para salvar a sua vida.
É esta a justiça islâmica que a ocupação norte-americana manteve. Segundo o Artigo 3º da Constituição da República Islâmica do Afeganistão, “Nenhuma lei pode ser contrária às convicções e providências da sagrada religião do Islão”. Os Ulemás (o conselho de académicos religiosos) do país, a Câmara Alta do Parlamento e o dirigente do Senado, um aliado chave de Karzai, exigiram a execução do estudante. Karzai tem permanecido silencioso em público.
Sabe-se que, no início deste ano, a Secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice se mostrou incomodada com a dimensão pena de morte deste caso. (Nota: Ela não é conhecida por se ter mostrado incomodada ou qualquer outra coisa com a forma como o seu próprio governo aplica a pena de morte, como no caso do massacre num ataque aéreo em Agosto de pelo menos 168 pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, na aldeia de Azizabad.) Neste momento, embora por vezes as autoridades norte-americanas exprimam um genuíno descontentamento com Karzai, elas não dispõem de qualquer alternativa imediata se quiserem continuar a dominar o Afeganistão. Pelo contrário, os EUA e os seus aliados (sobretudo a Arábia Saudita) estão a trabalhar com Karzai para expandirem a base social do seu governo.
Segundo correspondentes locais do Instituto para a Reportagem da Guerra e da Paz (iwpr.net), este caso representa uma nova tendência judicial, mais que uma continuação de velhas políticas. No mínimo, representa uma mudança dos anteriores esforços para ocidentalizar o sistema judicial. Nomeadamente, em 2006, os tribunais condenaram um homem afegão à morte por se ter convertido ao cristianismo. Vergando-se à pressão dos incomodados amos estrangeiros do Afeganistão, em vez disso o governo declarou-o inocente por loucura e deportou-o para Itália. Em Setembro deste ano, um tribunal de Cabul declarou penas de 20 anos de prisão a um conhecido jornalista e a um académico religioso acusados de promoverem uma nova tradução vernácula do Alcorão (normalmente lida em árabe ou numa substituição palavra a palavra).
Sem deixar de manter condenações como estas, o regime de Karzai está a tentar estabelecer-se, agora mais que nunca, como o mais fiel representante do domínio religioso. Isto tanto faz parte da sua disputa por esse título com os talibãs, tal como, provavelmente, pretende ajudar a dividir os combatentes fundamentalistas anti-regime e atrair para o seu lado alguns dos que têm estado em guerra com o governo.