A seguinte atualização foi publicada em inglês a 14 de novembro de 2022 no Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA, em revcom.us/en/iran-uprising-enters-9th-week-protests-continue-islamic-republic-threatens-leap-violence-demand-end.

9 semanas de revolta no Irão:

Continuam os protestos, a República Islâmica ameaça aumentar a violência, alastra a exigência do fim do regime

Nota da Redação do Revolution/Revolución: Como assinala esta atualização do nosso correspondente voluntário, centenas de milhares de iranianos, sobretudo mulheres, estudantes e outros jovens, continuam a demonstrar uma notável coragem e criatividade e uma crescente determinação face à repressão assassina do regime islâmico, com setores inteiros da população a apelar ao fim do regime.

Neste contexto, a orientação do comunicado do Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista), “A todas as pessoas do mundo: Assumam como vosso o grito da revolução iraniana!”, é de uma importância contínua e decisiva, e chamamos a atenção dos nossos leitores para ele. Foi emitido por ocasião dos protestos no mundo inteiro de apoio à revolta no Irão, a 22 de outubro (ver em inglês/castelhano). Como escreveu o PCI(MLM):

Para finalmente se acabar com o aparentemente infindável sofrimento do povo do Irão é necessária uma verdadeira revolução, feita por milhões de pessoas e liderada por uma vanguarda revolucionária com o objetivo de derrubar o regime fascista teocrático islâmico e libertar o Irão do tecido assassino do sistema capitalista-imperialista. Isto requer uma revolução comunista e a instauração de uma “Nova República Socialista”.

Ao mesmo tempo que apoiamos a justa revolta no Irão, também é fundamental opormo-nos aos esforços dos imperialistas tirarem proveito da situação para promoverem os seus objetivos reacionários, especialmente os EUA, que tanto sofrimento e morte têm causado no Irão e no Médio Oriente. Os imperialistas norte-americanos não são nem nunca serão uma força para o bem no mundo (ver em inglês/castelhano)! E todos os apelos a uma intervenção apoiada pelos EUA têm que ter a nossa oposição, bem como a oposição a lacaios dos EUA como os monárquicos e os chamados “democratas liberais”.

 

A revolta sacode o Irão, o regime ameaça derramar muito mais sangue

Manifestações antigovernamentais no Irão
As manifestações antigovernamentais continuaram no Irão no sábado, com concentrações, bloqueios e protestos estudantis em várias cidades (Foto: Notícias do Irão)

Quando a insurreição no Irão entra na sua 9ª semana, a luta está a ficar cada vez mais aguda e intensa. A revolta continua em todo o país com uma incrível energia, determinação e coragem — nas cidades e nas universidades, nas regiões habitadas por nacionalidades oprimidas, entre as mulheres e os homens. Está a atrair setores cada vez mais vastos da população para o debate político e para a ação. E o sentimento de que o regime no seu conjunto não pode ser reformado e que, em vez disso, deve desaparecer, está a espalhar-se, a aprofundar-se e a ser abertamente declarado.

Uma publicação de 7 de novembro do grupo iraniano de direitos humanos HRANA dá uma ideia da extraordinária dimensão e determinação da revolta. Desde o assassinato de Mahsa Amini, de 22 anos, em meados de setembro pela “polícia da moralidade” do regime por ela não estar a usar de “forma correta” o hijab (lenço que cobre a cabeça), houve pelo menos 870 protestos em 136 cidades e em 135 universidades, apesar de o regime ter alvejado e morto pelo menos 326 manifestantes, incluindo 50 menores, e de pelo menos 14823 manifestantes terem sido detidos, incluindo pelo menos 429 estudantes.1

Esta revolta é um profundo desafio à República Islâmica do Irão (RII), bem para além de qualquer das anteriores revoltas que o regime enfrentou ao longo dos seus 43 anos de existência. E na semana passada o regime tomou medidas que poderão levar a uma enorme e selvagem escalada das suas atrocidades contra o povo:

  • A 6 de novembro, 227 de um total de 290 membros do parlamento da RII emitiram uma declaração a pedir ao sistema judicial que “lide de uma maneira decisiva” com os manifestantes. Segundo os relatos noticiosos, a declaração referia-se aos manifestantes como “mohareb”, ou seja “inimigos de deus”, o que implica que os manifestantes detidos podem enfrentar a pena de morte apenas por se terem manifestado!2
  • A 8 de novembro, o porta-voz do sistema judicial Masoud Setayeshi culpou os EUA pelos “motins” e reafirmou o apelo a que, em relação a eles, se “lide de uma maneira decisiva”: “Quanto mais tempo podemos tolerar isto?”
  • A 9 de novembro, o Comandante das Forças Terrestres do Exército do Irão disse que, se o Líder Supremo der ordem, “os rebeldes deixarão de ter lugar no país”.

Uma corajosa resistência

Apesar de toda a sangrenta repressão do regime até agora, e das suas novas ameaças de a incrementar, os protestos têm continuado sob várias formas em todo o país, e em muitos casos parecem estar a tornar-se mais radicais.

Muitos observadores têm comentado que a revolta já não tem a ver apenas com o assassinato de Mahsa Amini e a imposição do hijab às mulheres: “Os manifestantes parecem decididos a assegurar uma ordem política inteiramente nova num país onde o sistema clerical governa desde a revolução de 1979”. Os gritos mais comuns incluem “Clérigos, vão embora” e “Morte ao ditador” (referindo-se ao chamado Líder Supremo Khamenei). A 9 de novembro, os estudantes de Teerão gritaram: “Este ano os Guardas Revolucionários [da RII] terão baixas, abaixo todo o regime”.

Os vídeos recebidos pelo canal Irão Internacional mostram que no domingo, 13 de novembro, as alunas de Karaj saíram à rua sem o hijab obrigatório e gritaram palavras de ordem como “Este ano é o ano da casa, Seyed Ali será derrubado” e “Por cada pessoa morta, mil pessoas estarão atrás dela”.

 

A 3 de novembro, 40 advogados iranianos emitiram uma ousada declaração a dizer que confrontar “a vontade ilegítima [do governo] e as suas decisões e leis” é um direito das pessoas. Condenava o regime clerical — a teocracia — em geral; descrevia o sistema judicial como “uma ferramenta para reprimir e estabilizar a autocracia” e afirmava abertamente que o povo iraniano “se familiarizou com a natureza dos governantes clericais e não será mais enganado pelas suas mentiras e promessas, e de diferentes maneiras está a pedir aos mulás para se irem embora”.

Violentos confrontos no Sistão-Baluchistão e no Curdistão

As nacionalidades oprimidas do Irão, em particular no Sistão-Baluchistão e no Curdistão3, continuam a revoltar-se, apesar dos desproporcionalmente elevados níveis de violência que têm enfrentado, incluindo massacres.

Na província do Sistão e Baluchistão, segundo relata a organização Centro para os Direitos Humanos no Irão: “Pelo menos 16 pessoas, incluindo crianças e uma pessoa com deficiência, foram mortas na cidade de Khash a 4 de novembro de 2022, por disparos diretos.” No total, foram mortos pelo menos 98 baluchis. Isto constitui quase 30% das mortes registadas, embora o povo baluchi constitua apenas 2% da população do Irão.4

Perante isto, os protestos têm continuado. A 11 de novembro, milhares de pessoas saíram às ruas de Zahedan, a capital provincial, e de muitas outras cidades predominantemente baluchis. Alguns líderes religiosos e políticos baluchis sentiram-se compelidos a condenar abertamente a violência do regime, com um membro do Parlamento a dizer: “O número de mortos e feridos neste horrível incidente em Zahedan não pode ser comparado a nenhum outro protesto nos últimos anos.” Um líder pregador sunita5 declarou no sermão dele: “Ouçam o que as pessoas estão a gritar. Matar, espancar e prender as pessoas não as irão fazer recuar. Elas viram sangue. Elas estão na rua há 50 dias. Elas não vão recuar.”

No Curdistão, as forças de segurança do regime continuam a abater manifestantes (incluindo a 6 de novembro, na cidade de Marivan), mas apesar disso, a 9 de novembro, os comerciantes de algumas cidades curdas entraram em greve para protestar contra o massacre em Zahedan, a capital do Sistão e Baluchistão.

As mulheres, os jovens e os estudantes continuam a lutar

As mulheres jovens, e os jovens e estudantes em geral, têm continuado a sair às ruas — a 6 de novembro, numa dúzia de universidades; a 7 de novembro, na cidade de Babol, os estudantes saíram às ruas com um espírito de desafiar a morte: “Os canhões, os tanques e as metralhadoras já não têm nenhum impacto!” e “Digam à minha mãe que ela já não tem uma filha!” A 11 de novembro, em Marivan, as pessoas permaneceram nas ruas à noite, arriscando ser baleadas e incendiando caixotes do lixo de um modo desafiador. Em Teerão, as pessoas gritaram contra os assassinatos de crianças pelas forças de segurança: “Não queremos um regime infanticida”6. A 12 de novembro houve protestos em quatro universidades de Teerão.

Também a 12 de novembro, um grupo de defesa dos direitos das mulheres e várias organizações de jovens anónimos apelaram a protestos massivos na terça-feira, 15 de novembro, para comemorar as centenas de pessoas mortas pelo regime numa onda de protestos em 2019. Um aviso declarava: “Juntemo-nos a 15 de novembro e conquistemos uma das autoestradas de Teerão. As ruas são nossas.”

Expandir a revolta; possíveis fendas nas forças pró-regime

O desporto tornou-se um importante campo de batalha, atraindo setores ainda mais amplos da população para o debate político.

Os ativistas exigiram que Equipa Melli — a equipa nacional de futebol do Irão — fosse impedida de ir à próxima Copa do Mundo, e até o ex-treinador da equipa disse que “não era o momento” para a equipa jogar na Copa do Mundo.7 Foi noticiado que os dois avançados-estrela da equipa teriam participado numa violenta discussão no balneário depois de um deles ter publicado que estava disposto a “sacrificar” o lugar dele na Copa do Mundo “por um cabelo nas cabeças das mulheres iranianas.”

Segundo alguns relatos, as equipas nacionais do Irão de futebol, basquetebol e polo aquático, todas elas se recusaram a cantar o hino nacional iraniano em eventos internacionais.

A 7 de novembro, a revista Foreign Policy noticiou fendas significativas e um crescente descontentamento entre mulheres religiosas que usam voluntariamente o hijab, bem como entre algumas mulheres que têm estado ativamente a impô-lo a outras mulheres, mas que se estão a afastar do regime.

Uma situação complexa e em rápida evolução com dimensões globais

A luta no Irão não está isolada da crescente turbulência que está a envolver o planeta. Por um lado, vastas forças em todo o mundo, incluindo a grande diáspora do povo iraniano, mas também pessoas de outras nacionalidades que apoiam e são inspiradas pela revolta das mulheres aí, estão a fazer ouvir cada vez mais as suas vozes. Ao mesmo tempo, grandes potências imperialistas como os EUA, a Rússia e a China, estão a manobrar de diferentes maneiras para transformar a crise no Irão a seu favor.

Isto é particularmente complexo porque o imperialismo norte-americanos e os seus aliados da OTAN estão atualmente a levar a cabo uma guerra por procuração com o imperialismo russo sobre qual é a potência imperialista que irá dominar a Ucrânia. Como parte disso, a Rússia tenta aproveitar-se dos conflitos de longa data da RII com os EUA e da aguda crise com que a RII agora se confronta, oferecendo-lhe um apoio de grande potência neste seu “tempo de necessidade”, em troca de drones iranianos e de outras armas para serem usadas na Ucrânia.

Ao mesmo tempo, os EUA estão a procurar maneiras de a revolta ser usada para enfraquecer a República Islâmica e de a forçar a fazer concessões, ou mesmo a se livrar do regime a favor de um regime mais alinhado com os interesses e objetivos norte-americanos.

Isto sublinha, uma vez mais, a grande urgência de divulgar a liderança e a análise para uma verdadeira revolução e um futuro libertador para o Irão e o mundo que estão a ser fornecidas pelo Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista), incluindo a sua ênfase em se recusar a alinhar ou a confiar em qualquer das potências reacionárias ou imperialistas do mundo.


NOTAS:

1  Trinta e nove membros das forças de segurança da República Islâmica também foram mortos.

2  Ao mesmo tempo, o regime continua a prender os advogados que ousam defender presos políticos e manifestantes. O mais recente foi Mostafa Nili, que os relatos noticiosos deram como detido a 7 de novembro e cujas acusações ainda são desconhecidas.

3  Os curdos são um povo oprimido que constitui cerca de 10% da população do Irão.

4  No Baluchistão, já antes tinham sido assassinadas 82 pessoas pela RII, em setembro e outubro.

5  O Irão é maioritariamente xiita e apenas 10% da população é sunita. O povo baluchi é maioritariamente sunita.

6  Na Universidade de Kharazmi, em Karaj, os estudantes gritaram “Povo, porque continuas sentado? Tu és o nosso salvador” e “Eles mataram estudantes e substituíram-nos por mulás”. Na Universidade de Artes de Ishafan, os alunos comprometeram-se a não ir às aulas “enquanto houver caixões de jovens a ser transportados”.

7  Entre aqueles que exigem que o Irão não vá à Copa do Mundo estão uma mistura daqueles que querem apoiar a revolta contra o regime, e forças pró-imperialistas norte-americanos que querem “punir” o Irão por o Irão estar a vender armas à Rússia para serem usadas na sua guerra imperialista com os EUA pela dominação da Ucrânia. New York Times, 8 de Novembro.

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