Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 28 de Agosto de 2006, aworldtowinns.co.uk

Irão: Maoistas fazem planos face ao espectro da guerra

Publicam-se de seguida excertos editados de um Relatório Político mais extenso saído de uma reunião do Comité Central do Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista).

Introdução

Com a intensificação das contradições entre os EUA e a República Islâmica do Irão (RII), a possibilidade de um ataque militar ao Irão tornou-se na questão principal no Irão e na cena política mundial. O objectivo norte-americano é conseguir o domínio directo e incontestado do Irão. Os EUA querem usar o Irão como trampolim para a consolidação do seu domínio do Médio Oriente e do mundo. Para o fazerem, não podem confiar num regime cujas afirmações de independência política e de autoproclamado carácter “nacionalista” são um dos pilares da sua legitimidade. Numa altura em que os EUA estão no Médio Oriente a forjar uma nova ordem mundial, esses regimes deixaram de lhes ser úteis. Os EUA precisam de novos peritos reaccionários, treinados pelas escolas políticas do Pentágono e do Departamento de Estado dos EUA. Além disso, o regime iraniano depende do sistema capitalista mundial sobretudo através dos imperialistas europeus e também tem ligações aos imperialistas russos. Isto torna-o um obstáculo aos planos imperialistas dos EUA.

As contradições em jogo

Se os EUA irão ou não concretizar as suas ameaças, ou como o farão (ataques aéreos, ocupação militar parcial ou total, acumulação massiva das suas forças armadas nas fronteiras do Irão), isso dependerá de diferentes factores: da força militar dos EUA, dada a possibilidade de as potências europeias não cooperarem; da oposição de potências regionais como a Rússia e a China; da força do movimento contra a guerra à escala mundial; do crescimento e alargamento do movimento de massas no Irão contra a RII; e de haver ou não um sector significativo das forças políticas e militares dentro da RII disposto a cooperar com os planos dos EUA para uma mudança de regime.

A rivalidade entre as diferentes facções da RII, as suas constantes divisões e desconfiança mútua (cada uma teme que as outras a traiam a favor dos EUA), é uma das principais razões da instabilidade e fraqueza do regime. Por causa tanto da resistência popular como da falta de coesão interna dentro do próprio regime, a coligação dominante não consegue reprimir os movimentos de massas como costumava fazer. Desse ponto de vista, eles estão numa situação instável e o seu controlo da sociedade está a enfraquecer.

Hoje em dia, o confronto político entre a RII e os EUA representa um poderoso papel no moldar da posição política e das tendências das várias classes e estratos de classes do Irão. Estamos a testemunhar um crescimento do apoio a uma ou a outra dessas duas posições entre um largo espectro de diferentes forças políticas. Mas o profundo ódio popular à RII, por um lado, e os desastrosos resultados das invasões levadas a cabo pelos EUA no Iraque e no Afeganistão, por outro, também fortalecem a oposição a essas duas posições reaccionárias.

Estados de espírito e tendências entre as massas

Há uma forte tendência entre as massas para acreditar que os EUA e a RII acabarão por chegar a um compromisso e evitar o conflito aberto. Muita gente tende a acreditar que os líderes da RII são tão desonestos que no último minuto cederão e abandonarão tudo o que for necessário para se manterem no poder. Esta lógica tem alguma base material, mas exprime uma grave falta de consciência sobre o que está a acontecer no mundo e na região. Embora se possa observar uma tendência nacionalista e um desejo de defesa da pátria entre alguns sectores intelectuais, a maioria das pessoas reage a esta situação com indiferença. A tendência dominante é a de amaldiçoar e insultar a República Islâmica e os EUA. A RII tem feito algum esforço para incutir entre as massas a ideia da defesa da pátria, esperando reavivar os sentimentos populares do tempo da guerra com o Iraque, mas parece não ter tido nenhuma sorte a esse respeito. Quando fala na guerra Irão-Iraque, a maior parte das pessoas conclui: “Fomos enganados”. As pessoas sabem que ficaram mais pobres enquanto quem estava no poder acumulou enormes riquezas. É por isso que odeiam profundamente os líderes do regime, sobretudo os comandantes dos Guardas Revolucionários.

Obviamente, não é fácil prever como é que as massas reagiriam no caso de uma agressão militar. Se e quando uma guerra realmente começar, com tudo o que ela causaria, diferentes tendências espontâneas poderão emergir. A verdade é que a maioria das pessoas, em particular os habitantes das cidades, não defenderia a RII e manter-se-ia indiferente face a uma guerra entre a RII e os EUA. Mas a experiência da luta de classes mostra que esses sentimentos não se manteriam por muito tempo. Se as forças revolucionárias de vanguarda não representarem um papel activo, o principal perigo será as massas caírem vítimas dos interesses de um dos grupos reaccionários. Isso torna a formação de um pólo revolucionário numa necessidade urgente.

Só um pólo anti-imperialista e anti-reaccionário poderá mobilizar as massas e mantê-las activas. Só através de uma política activa e propondo a alternativa do terceiro pólo conseguiremos criar a esperança e a motivação para as massas participarem na decisão do seu próprio destino. É verdade que formar um terceiro pólo será uma tarefa muito difícil, porque a maior parte das massas tem sérias dúvidas político-ideológicas relativamente ao desenvolvimento da situação e às possibilidades para o futuro. Mas esta atmosfera não se dissipará na ausência de uma frente relativamente poderosa que seja independente tanto dos imperialistas como da República Islâmica e que se prepare para enfrentar ambos.

As lutas das massas constituem o principal ponto de partida para a construção desse pólo. As crescentes lutas das massas são outro desenvolvimento político que marca a nova situação. Embora essas lutas (de operários, estudantes, mulheres e trabalhadores das cidades e das aldeias) tenham os seus altos e baixos, elas são a expressão de um novo estado de espírito que é, na prática, de oposição aos pólos políticos da RII e dos EUA. Não devemos menosprezar a influência das linhas e tendências políticas burguesas dentro dos movimentos de massas, mas a realidade é que esse potencial revolucionário é uma forte razão para forçar os imperialistas e reaccionários a pensar duas vezes antes de levarem a cabo os seus planos. O imperialismo norte-americano apenas apoia movimentos que aumentem a sua influência na sociedade. Sempre que ocorrem revoltas radicais e militantes, os imperialistas não só não as apoiam, como vacilam sobre prosseguirem com os seus planos. Isto mostra que apenas confiando nas lutas das massas e organizando a revolução poderemos impedir a concretização dos planos criminosos do inimigo.

A necessidade de formação de um terceiro pólo

A luta anti-imperialista também é uma luta de classes. Isto quer dizer que diferentes sectores e classes têm diferentes abordagens dessa luta. A política do terceiro pólo é uma política de classes que, em primeiro lugar, serve os interesses da classe operária e da maioria do povo e se opõe ao poder político das classes reaccionárias e imperialistas.

Não é difícil pensar nas possíveis combinações de forças do regime que os EUA estão a preparar para o futuro do Irão: os antigos torturadores do Xá, os Guardas Revolucionários de Khomeini, a Organização Mujaheddin Khalq (a qual, sempre que lhe cheira a poder, começa a ameaçar os comunistas) – tudo isto mais os comandantes militares e os agentes dos serviços de informações dos EUA que têm muita experiência na organização de esquadrões da morte na América Latina.

Em termos de objectivos dentro do próprio Irão, os EUA estão a preparar-se para manter as actuais relações sociais e de produção e para instalar os novos guardiães de mais um estado reaccionário dependente do imperialismo.

A política do terceiro pólo significa oposição à reacção e ao imperialismo, o que quer dizer oposição à República Islâmica e a qualquer regime reaccionário destinado a substitui-la através de intrigas, manipulação política, crimes de guerra e provavelmente anos de guerra civil como a que está a ocorrer no Iraque.

Na anterior revolução, os imperialistas do G7 uniram-se a Khomeini e ao seu bando para cortarem a revolução pela raiz, num esforço para a derrotarem. Agora, o G8 (os mesmos imperialistas mais a Rússia) está a tentar decidir o futuro do Irão depois da RII e, desta vez, querem impor um novo regime reaccionário provavelmente através da guerra, bombardeamentos, golpes de estado e esquadrões da morte.

A questão é saber se queremos e podemos forjar uma outra alternativa. A política do terceiro pólo consiste essencialmente em erguer uma alternativa tanto aos actuais regimes reaccionários como aos futuros. É por isso que não basta ser contra a ameaça da guerra. O verdadeiro desafio é o futuro do Irão. Queremos nós, o proletariado e os trabalhadores do Irão, tomar o nosso futuro e o nosso destino nas nossas próprias mãos ou não? Esta é a questão fundamental a que todos os comunistas, revolucionários e forças progressistas devem responder.

Hoje a realidade fundamental é que o regime reaccionário e o imperialismo têm as suas próprias alternativas, mas o povo não. Como é que esta situação pode ser mudada?

Os comunistas devem criar um terceiro pólo, confiando nas forças suas aliadas mais próximas que representem os interesses da maioria do povo e trabalhar pela construção de um pólo que tenha influência e autoridade junto de um vasto sector do povo. Para isso, esse pólo deve elaborar um programa mínimo e um plano para governar a futura sociedade, ousando expressar-se como uma alternativa ao serviço do povo e esforçando-se por ganhar esse reconhecimento junto das massas.

Também é possível aprender com os reaccionários. Antes de chegarem ao poder em 1979, Khomeini e o seu bando já agiam como se fossem o futuro governo. Isso mobilizou fortemente a sua base social e influenciou mesmo sectores do povo que não faziam parte da sua base social. Porém, o que lhe permitiu ousar agir como governo alternativo foi ele ter chegado a acordo com as potências imperialistas.

A fonte da nossa força é o povo e a nossa ambição é servir os interesses da maioria do povo. Confiando nele, devemos declarar corajosamente que o povo precisa do seu próprio poder político.

Além disso, para que o terceiro pólo se torne mais que apenas uma outra oposição, tem de se envolver na direcção das lutas de massas e tornar-se num centro dirigente das várias lutas de massas. As experiências dessas lutas mostraram que quando as lutas de massas surgem, a existência de um centro desse tipo pode representar um papel positivo no desenvolvimento da luta de massas e na expansão das iniciativas revolucionárias e ajudar ao desenvolvimento da força política e prática do terceiro pólo. A tarefa do nosso partido neste período delicado é definir um horizonte claro para a luta revolucionária. O esforço para formar essa vasta unidade revolucionária corresponde inteiramente ao nosso objectivo e horizonte. Dentro da corrente dessa unidade, o nosso partido propagará e agitará o seu próprio programa e pontos de vista, ou seja, a revolução proletária. A nossa alternativa é um novo estado. O enquadramento desse novo estado está esboçado no programa do nosso partido. É claro que o novo estado, com um programa social e económico de nova democracia e uma orientação socialista só pode emergir através de uma guerra revolucionária. Mas a abertura política para isso passa pelo programa da luta política de hoje.

Como levar a cabo essa política

Como para qualquer outra grande tarefa, é necessário um núcleo forte com a flexibilidade necessária para poder unir um leque mais vasto.

O nosso partido, enquanto partido comunista, deve representar um papel chave na formação desse núcleo forte. Mas esse papel deve ser alargado a todo o movimento comunista do Irão. Sem a intervenção, a cooperação e a coordenação de partidos e organizações comunistas e revolucionárias que sintam que estão intimamente unidas, não é possível transformar em realidade a política do terceiro pólo e chegar a um programa comum.

Sem dúvida que esse programa ajudaria a fortalecer todo o movimento comunista do Irão e serviria de base ao desenvolvimento ideológico, político, organizativo e prático desse movimento. Claro que construir uma unidade alargada de todos os comunistas do Irão também exige outro tipo de esforços teóricos e práticos e nós não podemos reduzir todas as tarefas dos comunistas do Irão às tarefas políticas diárias mais urgentes. Mas, sem uma intervenção política activa e a organização da prática revolucionária, isso não é possível com a dispersa frente dos comunistas do Irão.

O esforço para unir algumas forças e partidos de esquerda é um dos níveis de actividade, enquanto unir os activistas dos movimentos de massas em torno da política do terceiro pólo é outro nível. Sem formar esse nível de unidade, não é possível influenciar decisivamente a opinião pública. Isso dará esperança a muitos elementos avançados das massas.

É claro que a luta popular deve ser centrada contra o inimigo principal, a RII. Enquanto a RII estiver no poder, não é possível falar em apontar a luta contra os EUA e contra o regime de forma igual. Porém, a realidade do futuro mais provável – os planos do imperialismo norte-americano – deve ser vigorosamente apresentada e as ilusões ou o apoio à política dos EUA devem receber oposição. Essa é a única forma de impedir a diluição do movimento de massas nos interesses de um ou outro dos pólos reaccionários e de mobilizar o apoio ao terceiro pólo.

A questão é que as massas, e sobretudo as forças comunistas e revolucionárias, têm que perceber a urgência da situação – que se não nos apressamos, há o perigo de, nos próximos desenvolvimentos políticos, sermos apanhados entre a RII e os imperialistas. Neste momento, a contradição entre o imperialismo e a RII e as divisões dentro das fileiras inimigas criaram algum espaço para respirarmos. Se nada fizermos agora, amanhã será demasiado tarde. Uma situação como esta certamente não durará muito tempo e depois dela poderemos ter que enfrentar uma situação ainda pior que a do Iraque.

Qual a relação desta política com a estratégia da guerra popular?

Como é que esta táctica serve a nossa estratégia? Quais são os seus objectivos de curto e longo prazo? Qual é a sua relação com o plano de reconstrução do movimento comunista? Como é que pode ajudar a desencadear a guerra popular? Precisamos de mais discussão e debate para respondermos a este tipo de questões.

Após a fundação do partido, salientámos que precisávamos de uma acumulação inicial de forças para iniciarmos a guerra popular. Precisamos de ganhar essa força através da actividade no movimento de massas e da expansão da edificação do nosso partido.

Devemos continuar a enfatizar esta orientação de base. Mas como avançar quando a situação política sofre mudanças críticas? É esse o caso sobretudo quando é certo que a violência irá representar um papel crítico nos acontecimentos políticos. Uma das particularidades positivas da situação é que os imperialistas não escondem esse facto – eles assumem que não podem avançar sem usar armas e violência. Embora sempre tenham usado violência, na década que se seguiu ao colapso da União Soviética surgiram ilusões sobre “uma era de paz”, mesmo entre as forças políticas progressistas, que criaram uma atmosfera de hostilidade à violência revolucionária e à ideia da guerra justa. Mas a atmosfera actual é mais favorável à propagação de ideias como a de que “Sem um exército popular o povo nada terá” e “Sem o poder político tudo é ilusão”. As tendências economicistas e reformistas na esquerda serão um obstáculo a esta linha, mas devemos continuar a manter amplamente a nossa propaganda e agitação de que sem violência revolucionária não há nenhuma forma de virar esta sociedade de cabeça para baixo e de eliminar a injustiça. Esta situação facilitará cada vez mais o trabalho de educação das massas sobre a necessidade de ter o seu próprio exército e de organizar a violência revolucionária.

No final, o terceiro pólo, na nossa perspectiva e de facto, é um novo poder político, oposto ao velho sistema e ao seu esforço de renovação. Em última análise, esse pólo materializar-se-á através da guerra popular, do exército popular e do novo poder. Mas a política para aí se chegar deve ser construída agora e começar a tornar-se realidade. O programa da futura sociedade oposta ao velho sistema deve ser corajosamente divulgado. Naturalmente, devemos olhar não só para as actuais forças políticas, mas reconhecer e trabalhar para também concretizar um potencial mais vasto. Isso criará uma atmosfera favorável ao nosso trabalho estratégico.

Em todo o caso, dentro desta larga frente devemos tentar criar constantemente na opinião pública a ideia de que sem um exército popular o povo será esmagado entre duas forças poderosas, os reaccionários iranianos e os imperialistas, e nada alcançará. Além disso, a experiência do Iraque tem mostrado que o povo não se calará face a uma invasão imperialista. Se os EUA atacarem e ocuparem o país, o povo resistirá espontaneamente. Se os comunistas não estiverem presentes no terreno para canalizarem a luta e o ódio populares em direcção à revolução proletária, as massas poderão seguir as classes reaccionárias e serem encaminhadas para outro caminho reaccionário.

A nossa política para o movimento mundial contra a guerra

Estamos a enfrentar, entre as forças ocidentais contra a guerra, uma tendência para dar pouca atenção ao carácter de classe e ao programa social das forças reaccionárias que resistem aos imperialistas. Essas forças deveriam fazer uma distinção entre as diferentes forças que resistem aos imperialistas e tomar uma posição que ajude à formação de uma resistência revolucionária (e não de uma resistência reaccionária) contra os imperialistas.

Isto ajudaria as massas a libertarem-se da influência dos reaccionários locais e desencadearia uma luta de libertação revolucionária e anti-imperialista. Lutar contra o imperialismo com um programa reaccionário não é resistência nenhuma contra o imperialismo. O objectivo dessas forças reaccionárias locais é obterem uma pequena parcela da exploração dos povos do mundo. Isso deve ser analisado de um ponto de vista internacionalista. O nosso ponto de vista não está em contradição com o derrotismo revolucionário [a posição de Lenine de que, em tempo de guerra, os povos dos países imperialistas devem saudar as derrotas da “sua” classe dominante], mas completa-o. A actual mensagem do movimento global contra a guerra deve ser impedir uma guerra dos EUA contra o Irão. Mas, ao mesmo tempo, esse movimento tem que apoiar a luta do povo do Irão contra a RII.

A fraqueza do movimento contra a guerra no caso do Iraque foi que nesse país não existia um terceiro pólo anti-imperialista e anti-reaccionário. Se existisse, o movimento contra a guerra apoiá-lo-ia e esse movimento teria qualitativamente mais influência e legitimidade política contra os imperialistas. Em suma, é importante que o movimento contra a guerra apoie as forças revolucionárias do Irão.

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