Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 20 de Outubro de 2008, aworldtowinns.co.uk
O texto que se segue contém excertos da intervenção de Anahita Rahmani numa reunião de comemoração do 20º aniversário do massacre de presos políticos iranianos que teve lugar em Toronto (Canadá) a 3 de Agosto de 2008. Rahmani foi uma prisioneira política no Irão durante esses anos. O texto foi editado para publicação.
Irão – fala uma sobrevivente: “Há uma época em que os jovens se tornam extremamente conscientes e corajosos”
Honra aos milhares de presos políticos que deram as suas preciosas vidas pelo objectivo de um mundo sem opressão nem exploração e pela emancipação da humanidade! Saudemos os que deram as suas vidas e não entregaram os seus segredos ao inimigo!
Há uma época na história de todos os países em que o seu povo e a sua juventude se tornam extremamente conscientes e corajosos e isso permite-lhes criar e salvaguardar os mais elevados valores humanos com o mais honrado e mais puro entusiasmo. Os presos políticos e os mártires dos anos 80 foram esse tipo de pessoas. Eles tiveram mentes sensíveis e um espírito rebelde e de auto-sacrifício.
Foi uma honra que eu estivesse entre os milhares de prisioneiras políticas detidas entre 1983 e 1991 pelo regime islâmico do Irão.
A RII emergiu atacando as mulheres. Quando foi fundada, deu força de lei aos princípios islâmicos mais básicos que impõem a repressão das mulheres. E, dessa forma, começou uma luta sangrenta entre as mulheres no seu todo e os reaccionários islâmicos, que se tem mantido desde então. As mulheres presas políticas iam dos 12 aos 70 anos de idade. A sua rebeldia contra as velhas ideias, tradições e relações sociais tornou-se um espelho da resistência e da luta contra um sistema brutal.
Após o massacre, surgiram algumas pessoas vindas das fileiras do regime a tentar afastar estes crimes da memória das pessoas. Encobertas pelo disfarce do reformismo, avançaram com as palavras de ordem da “reconciliação nacional”. Disseram que defender objectivos elevados era coisa do passado, que era tempo para a tolerância e a moderação! Tentando reconciliar o povo e os assassinos e criminosos, avançaram com as palavras de ordem “Esquecer e perdoar”. Disseram que o passado é o passado, tenhamos agora um “diálogo civilizado”! Mas essas imposturas não funcionaram. Não deixaremos que isto seja esquecido e não perdoaremos.
Passaram duas décadas desde os massacres nas prisões. Durante todos estes anos ocorreram lutas que envolveram recordações e memórias. É tempo de erguermos a reivindicação de uma investigação dos massacres que ocorreram ao longo de toda a década de 80 e, em particular, dos horrendos crimes do verão de 1988, num grande movimento social. Passaram 20 anos desde esse crime contra a humanidade e contudo o caso ainda está em aberto e os seus detalhes ainda não são conhecidos. Nem todos os que ordenaram esse crime foram identificados. Os que foram identificados têm ocupado altos cargos e continuam os seus crimes. Esse crime ainda não foi reconhecido à escala internacional, nem sequer à escala nacional de uma forma correcta.
A falta de uma resposta aos crimes dos anos 80 foi a razão mais importante para a continuação dos crimes contra o povo do Irão nos anos seguintes. Apesar dos vastos protestos contra a repressão e os assassinatos da RII, o número de pessoas executadas ainda é elevado – continua a haver penas de morte, apedrejamentos e mutilações e continuam a ser encarcerados activistas estudantis e dirigentes sindicais.
Não devemos permitir que se esqueça esta imensa tragédia anti-humana.
É absolutamente necessário que tenhamos uma voz unida de protesto e um movimento unido para que se investiguem os crimes da RII durante os anos 80. Esta exigência só pode sair vitoriosa quando se tornar numa exigência geral de todo um movimento social.
As questões dos presos políticos do Irão e do massacre de 1988 não podem ser separadas da questão dos presos políticos de outras partes do mundo. Acabar com a tortura e dar aos presos o direito a um advogado e a um julgamento público são direitos universais e deveríamos lutar por eles, de Evin (a infame cárcere de presos políticos de Teerão construída durante o regime do Xá e mantida em uso pela RII) a Guantânamo e Abu Ghraib.
Quando fui detida e encarcerada, eu era membro da União de Comunistas Iranianos (Sarbedaran). Essa organização iniciou uma luta armada para derrubar a RII e o meu marido foi um desses rebeldes. Ele foi preso e assassinado sob uma brutal tortura por causa dos seus ideais comunistas e pela sua participação nessa revolta armada. Os presos envolvidos em lutas armadas devem ser reconhecidos como prisioneiros de guerra e tratados segundo as convenções internacionais. De facto, reconhecer isto é reconhecer o direito de oposição.
Os presos políticos da década de 80 foram torturados e executados por causa do seu antagonismo a um regime cuja essência era a opressão, a exploração e a discriminação de género. Eles foram assassinados sem terem tido uma verdadeira oportunidade de defenderem as suas ideias, a sua luta e os seus objectivos políticos e sociais. E o povo e a sociedade necessitam desse tipo de defesa para encontrarem o caminho certo.
Não estou a apresentar uma queixa de violação de direitos humanos em nome dos comunistas que foram assassinados. O problema é muito mais profundo: eles assassinaram-nos devido à nossa luta e à nossa guerra pela emancipação da humanidade; eles assassinaram-nos por desespero, para privarem as sementes de água, para exterminarem esses sonhos e objectivos elevados da nossa sociedade. Mas o sangue dos nossos camaradas fortaleceu essas plantas. Eu, como sobrevivente desse massacre, declaro que a resistência dos nossos entes queridos e a dádiva das suas preciosas vidas não foi o fim dos nossos objectivos nem o fim da nossa caminhada. Foi uma gloriosa tentativa de iluminarmos o difícil e complexo caminho da revolução e de confiarmos a bandeira vermelha da emancipação às mãos dos jovens camaradas nesta via luminosa.