Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 21 de Março de 2005, aworldtowinns.co.uk
Reportagem sobre o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, Brasil
O texto que se segue baseia-se numa reportagem do Movimento de Resistência Popular Mundial – Colômbia.
O Fórum Social Mundial deste ano em Porto Alegre, no Brasil, atraiu 155 000 participantes registados, segundo os organizadores. Vieram de 151 países, sendo os maiores contingentes, por ordem de dimensão, do Brasil, da Argentina, dos EUA, do Uruguai e de França. Foram mantidas cerca de 2500 discussões, seminários e outros eventos de 26 a 31 de Janeiro, centrando-se na emancipação social e na dimensão política das lutas de hoje, a luta contra o capitalismo patriarcal e a luta contra o racismo e outras formas de exclusão baseadas na etnia ou no género.
Tal como as quatro anteriores edições do FSM desde que aqui começou em 2001, o seu tema global foi a “oposição à globalização das grandes corporações multinacionais” para “assegurar que a globalização da solidariedade prevalecerá como uma nova fase da história da humanidade”. A defesa na Carta do FSM de alternativas ao neoliberalismo (o capitalismo do mercado livre) e ao “domínio do mundo pelo capital ou qualquer forma de imperialismo” é contradita pela sua insistência na “resistência social não violenta”, quer essa resistência em última análise possa ou não pôr fim por si mesma ao sistema imperialista. Em suma, enquanto proclama que “um outro mundo é possível”, a liderança do FSM não vê a revolução como o modo de lá chegar.
Ironicamente, tendo em conta a afirmação do FSM de que é um “contexto não-partidário”, este ano uma vez mais o FSM realizou-se sob o patrocínio de um partido político, o Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil que tem controlado a municipalidade de Porto Alegre de tempos a tempos e que é agora o partido do governo no Brasil. Este factor esteve presente em muitos dos confrontos de ideias entre os participantes e nalgumas das acções políticas organizadas em paralelo com o fórum.
À medida que nos aproximamos da cidade, podemos sentir a pobreza esmagadora dos campos e a situação explosiva dos camponeses do Brasil que ainda constituem uma grande parte dos seus 180 milhões de habitantes. Na própria cidade, milhares de homens e mulheres procuram desesperadamente a sua próxima refeição. Há mendigos e prostitutas em todo o lado. Também há um número crescente de cristãos evangélicos, grupos religiosos na sua maior parte com sede nos EUA que aqui exercem uma poderosa influência ideológica sobre muita gente.
Os brasileiros estão muito divididos sobre a situação no seu país. Muitos ainda acham que o governo liderado pelo homem universalmente conhecido como Lula (Luiz Inácio da Silva, o presidente eleito em 2002) reorganizará a economia e melhorará as suas condições. Mas muitos outros vêem agora Lula como pouco diferente do reformista Cardoso que liderou o governo anterior. Os cortes nas despesas do governo com a educação e a saúde; as políticas repressivas, especialmente sobre o movimento camponês que tem tomado terras de grandes proprietários; a perda do poder de compra de muitos trabalhadores; e a decisão de Lula de concordar com o pedido dos EUA para enviar tropas brasileiras para ajudar a ocupar o Haiti – estas medidas, entre outras, originaram a acumulação de protestos nos campos e nas cidades e uma contínua fragmentação do PT. O servilismo de Lula face ao imperialismo ianque é tão amplamente odiado que é muito comum ver palavras de ordem escritas nas paredes, em cartazes de piquetes e noutros lugares, dizendo: “Lula = FMI”, referindo-se à obediência sem queixumes do seu governo às ordens do Fundo Monetário Internacional em relação ao tributo que o Brasil tem de pagar ao capital financeiro internacional e às políticas impostas sobre a economia do Brasil.
As pessoas que participaram no FSM eram de algum modo politicamente diversas. Os brasileiros vieram a esta cidade do sul de toda a parte deste imenso país, alguns demorando dois dias de autocarro. Um grande número parecia estar afiliado a diferentes partidos políticos, incluindo o PT e divisões desse partido e outras organizações com diversas atitudes em relação ao PT, incluindo o Movimento dos Sem-Terra (MST), historicamente relacionado com o PT. Também havia um considerável número de jovens, principalmente da Argentina, do Uruguai e do Chile, fartos da actual ordem das coisas e à procura de novas ideias. Milhares de jovens montaram um acampamento ao longo do Lago Gaibo. Além das numerosas pessoas que viajaram como representantes de ONGs, havia delegações de Cuba, da Coreia do Norte e do Vietname, três países que falsamente ainda se denominam socialistas. Milhares de pessoas vieram ao fórum com a ideia de que descobririam um modo de sair da insuportável situação em que vivem as massas do mundo e muitos deles, vendo que os líderes do fórum não oferecem nenhuma alternativa ao capitalismo, estão a começar a procurar soluções mais revolucionárias.
Também havia um pequeno fórum “alternativo” organizado sobretudo por grupos brasileiros opostos ao PT, em conjunto com argentinos e outros latino-americanos. Alguns eram activistas de grupos de trabalhadores e camponeses. Houve muitas discussões e debates sobre a situação no mundo, no continente e nos seus países e dirigidos por pessoas que se consideram anti-imperialistas. Colombianos do Movimento de Resistência Popular Mundial fizeram uma intervenção sobre o seu próprio país e sobre a luta revolucionária noutros países, com destaque para a guerra popular no Nepal como um exemplo a seguir. O Nepal, disseram eles, é um país que se pode libertar em breve do imperialismo para sempre e tornar-se numa zona libertada da revolução mundial.
Houve duas manifestações nas ruas de Porto Alegre durante este FSM. O primeiro foi em defesa do povo palestiniano, com cerca de 500 participantes, principalmente de organizações políticas brasileiras. Terminou com o derrube simbólico do muro que o governo sionista construiu para encarcerar os palestinianos. A outra, convocada por organizações que não participaram no FSM, foi de solidariedade com a heróica resistência do povo iraquiano. Cerca de 300 pessoas marcharam e cantaram palavras de ordem, entre as quais “Bush fora do Iraque, Lula fora do Haiti!”
O fórum tornou-se num espaço onde os jovens das favelas podem expressar o seu ódio em relação à sua situação. Os jovens da favela Toma Conya bloquearam o acesso ao Fórum a 30 de Janeiro para protestarem contra a discriminação racial pelas autoridades, depois de a polícia ter espancado um casal brasileiro de ascendência africana que participava no fórum. As acentuadas tensões sociais no Brasil de hoje fizeram-se sentir dentro e fora dos eventos oficiais.
O FSM fechou com um tom optimista fornecido pela música popular do Brasil, com tambores argentinos e uruguaios e outras expressões culturais dos muitos povos presentes. Foi decidido que em 2006 o fórum seria descentralizado por vários países, e que em 2007 se realizaria em África. Os membros do MRPM da Colômbia partiram com um sentimento de que o FSM lhes apresentava muitas possibilidades e muito trabalho importante a fazer.