Vinte e oito anos de prisão solitária

Os Panteras Negras continuam enjaulados na prisão de Angola (EUA)

Por Mumia Abu-Jamal

Mumia Abu-Jamal
Mumia Abu-Jamal

“Para as pessoas de cor, estar numa prisão é apenas uma das muitas formas de encarceramento legitimado pelo conceito de raça.”

John Edgar Wideman
“Por trás do arame farpado – Retrato do sistema prisional norte-americano contemporâneo”,
Nova Iorque, NYU Press, 1998

Se alguma dúvida houvesse sobre a ascendência esclavagista do sistema prisional norte-americano, ela seria removida numa olhadela à grande penitenciária conhecida como Angola no Estado do Luisiana. Em tempos um grupo de plantações esclavagistas, ganhou o seu nome do reino do sudoeste de África que seria colonizado pelos portugueses no século XVI. Foi dessa região de África que foi trazida em grilhetas a maioria dos escravos negros para povoar as plantações de arroz do Luisiana, e foi aqui, em Angola, que o estado concentrou a sua penitenciária e a sua tentativa de abafar a justa resistência negra à repressão racista.

Foi aqui que um jovem guarda prisional se juntou à pilha de cadáveres amontoados em Angola, e foi aqui que vários jovens negros, membros do Partido Pantera Negra (PPN) desse estado, foram injustamente acusados, julgados, e dois deles condenados por aquela morte.

O ano era 1972, vários meses após o então Presidente dos EUA, Nixon, ter visitado a China. Foi o ano em que o falecido Governador do Alabama, George C. Wallace foi baleado e paralisado durante a sua campanha para a presidência norte-americana.

Um ano depois, enquanto Watergate explodia pela nação fora, quatro prisioneiros, membros do Partido Pantera Negra, foram formalmente julgados pela morte do guarda prisional. Um, Gilbert Montegut, foi absolvido, outros dois, Albert Woodfox e Herman “Hooks” Wallace, foram condenados, enquanto o quarto, Chester Jackson, se tornava testemunha do estado, um delator. Tanto Woodfox como Wallace passaram um quarto de século em condições de prisão de solitária contínua, fechados 23 horas por dia. Hoje há toda a espécie de indícios que ambos foram vítimas de uma maquinação. Com efeito, após a absolvição de Montegut, o então guarda de Angola, C. Murray Henderson, viria a admitir que Montegut tinha sido incriminado pela sua “militância”. [“Disbarred”, Outono 1999, pág. 14]. (Ironicamente, o ex-guarda Henderson, condenado por disparar cinco vezes sobre a sua esposa, está a cumprir uma sentença de 50 anos por tentativa de assassínio).

A única “testemunha” do crime (entretanto falecida) era um conhecido informador da prisão chamado Hezekiah Brown, conhecido como um “quase-polícia”. O que não se disse na altura do julgamento foi que, na época e após o apunhalamento, Brown era não apenas um delator, mas um delator a soldo, que recebia “uma (1) caixa de cigarros por semana” (carta do guarda de Angola, F. C. Blackburn, a C. P. Phelps, Secretário das Prisões, 7 de Abril de 1978). A carta refere “o acordo original com Brown” feito anos antes pelo ex-guarda Henderson, em “compensação parcial” do seu acordo “relativo ao seu depoimento a favor do estado”.

Há alguns anos, Woodfox submeteu-se a um exame poligráfico, e as suas negações de envolvimento no apunhalamento foram “consideradas verdadeiras”.

Tal como Montegut, Woodfox e “Hooks” Wallace foram julgados porque eram membros “militantes” do Partido Pantera Negra, que tinham organizado os seus profundamente oprimidos irmãos de Angola, para que se rebelassem contra aquela repressão. Foram tão hábeis que (antes da morte) tinham organizado uma célula do PPN na prisão, um feito surpreendente dadas as condições do local.

Enfrentando a pena perpétua sem possibilidade de redução e em prisão solitária, é mais que tempo de as pessoas se organizarem para garantir a sua liberdade. Eles são os presos políticos do mais alto calibre a merecer o vosso apoio.

© 1999

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