Mumia Abu-Jamal
Mumia Abu-Jamal

O poder dos protestos

Por Mumia Abu-Jamal

Havia algo de glorioso nos milhões de pessoas que, em todo o mundo – da Grã-Bretanha a Bombaim, de Moscovo a Minneapolis, de Paris a S. Petersburgo, em quase 600 cidades segundo alguns relatos –, estiveram unidas em oposição aos anseios de guerra do Governo Bush em Washington.

Há poucas dúvidas que, para a maior parte das pessoas do mundo, os argumentos do Governo Bush falharam tristemente. Mesmo com o apoio do mais prestigiado membro da Administração, o General e Ministro dos Assuntos Externos, Colin Powell, os argumentos do Governo caíram como as folhas do Outono. De facto, os relatórios das Nações Unidas elaborados pelos inspectores Hans Blix e Mohamed El-Baradei transformaram-se numa bofetada para os norte-americanos, provocando que o habitualmente tranquilo Secretário de Estado Powell adoptasse um tom não diplomático, de clara frustração perante o conteúdo dos referidos relatórios.

Mesmo com um significativo e firme apoio da comunicação social e dos resquícios do 11 de Setembro, o Governo Bush teve de se socorrer dos seus parceiros estratégicos para encontrar algum mecanismo que lhe permitisse (usando as palavras de Shakespeare) “largar os cães de guerra”.

Os Estados Unidos, atiçados pela ânsia das vastas reservas de petróleo do subsolo iraquiano, ameaçam acabar com a ONU e mesmo estilhaçar a NATO, a fim de alcançarem os seus objectivos imperialistas unilaterais, o que implica destruírem qualquer entidade que não reconheça abertamente sua hegemonia. Só o poder do povo, manifestado nos grandiosos, militantes, alegres e entusiasmantes protestos que ocorreram por todo o mundo, pode colocar um travão à guerra do império.

É um esplêndido começo, mas é só um começo.

Mas o Governo Bush é um “poder” que não é representativo do povo. Se formos honestos, temos que reconhecer que nenhum deles o é. Eles protegem os interesses do poder do dinheiro que governa dentro das paredes fechadas de Washington, tanto nas Administrações democratas como nas republicanas: é a “corporatocracia”, o inexorável domínio do capital.

Se o povo quer realmente a paz; se quer transformar essa infernal dependência da guerra que orienta cada Administração norte-americana, então deve começar a organizar-se para mudar profundamente esta ordem política, começando por baixo e terminando no topo. Isto significa, de facto, o fim da estratégia do “mal menor” dos políticos norte-americanos. Significa votar, sim, mas votar no que a gente realmente quer e necessita. Significa olhar para os partidos maioritários como traidores da democracia, como guardiães dos mesmos interesses corporativos que querem, não apenas a guerra, mas uma guerra interminável durante gerações, para proteger as suas infames riquezas e opulência.

Isto significa mudança. Numa palavra, Revolução. Significa isso ou nada.

Significa atirar para longe a profunda dependência norte-americana, não só do petróleo, como da hierarquia do poder, da necessidade de serem líderes. Significa transformação social.

As maciças manifestações que ocorreram em todo o mundo foram mais que uma censura ao Governo Bush em Washington DC. Foram um ataque implícito à comunicação social norte-americana que, através de sua contínua propaganda, música militar e estratégia de diabolização, se comporta como o punho de ferro das elites políticas e económicas. Significa que milhões de pessoas rejeitaram o programa de guerra propagado pelos meios de comunicação propriedade do capital.

Isto também é um bom começo, mas não pode ser o fim.

Os meios de comunicação que servem a uns poucos poderosos e que ignoram as tragédias diárias dos trabalhadores e desempregados, dos que sofrem em cada Estado que integra a “União”, deveriam ser desprezados.

Um verdadeiro movimento pela paz deve fazer mais que marchar, deve lutar. Deve lutar por um mundo melhor, contra as forças da ganância e os interesses minoritários; deve lutar pelo direito à paz, numa nação profundamente dedicada à guerra.

© Mumia Abu-Jamal, 16 de Fevereiro de 2003

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