Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 5 de Setembro de 2011, aworldtowinns.co.uk

O massacre na Noruega e a ascensão das forças fascistas no Ocidente

Uma agressiva manifestação da Liga Inglesa de Defesa [English Defence League, EDL] a 3 de Setembro em Londres forneceu mais provas, se alguma ainda fosse precisa, de que o assassino fascista norueguês Anders Behring Breivik é um representante de um fenómeno muito mais vasto e que não está prestes a desaparecer.

Breivik tinha elogiado a EDL no seu sítio Web e disse ter 600 apoiantes da EDL como amigos no Facebook. Em vez de recuar face ao choque e ao repúdio público na reacção ao massacre de 77 pessoas cometido por Brievik em Julho, a EDL tem tentado, ainda que temporariamente por agora, impor violentamente uma autoridade “branca” com a invasão de comunidades imigrantes em cidades britânicas para impedir o que chama de “islamização” da Grã-Bretanha. Algumas pessoas alegam que a EDL é um “grupo periférico”, mas objectivos políticos similares são defendidos por membros de partidos no governo e por outros políticos convencionais da Grã-Bretanha, Suécia, Dinamarca, Holanda, França, Alemanha, Áustria, Suíça, Itália e outros países.

Reproduzimos aqui alguns excertos de uma análise desse acontecimento publicada no n.º 244, de 28 de Agosto, do jornal Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (revcom.us/a/244/massacre-in-norway-and-rise-of-facist-forces-en.html, em inglês), como contributo para o debate sobre a forma de compreender e confrontar as forças abertamente fascistas no Ocidente.

A 22 de Julho, Anders Behring Breivik, um fascista cristão de 32 anos que se descreve a si próprio como “um dos vários líderes do movimento de resistência patriótica nacional e pan-europeia”, iniciou uma brutal orgia assassina na Noruega. Ao fim do dia, havia 77 pessoas mortas e Breivik estava sob custódia policial, aparentemente à espera da próxima fase do seu “projecto” – o de usar as mortes para publicitar e organizar em torno da sua ideologia extremamente reaccionária.

Pouco antes de começar, Breivik colocou um vídeo no YouTube e um “manifesto” de 1500 páginas (2083: Uma Declaração de Independência Europeia) em que desenvolvia a sua perspectiva do mundo e o seu programa político e em que apelava explicitamente a “dezenas de milhares de irmãos e irmãs que nos apoiam inteiramente e que estão dispostos a lutar ao nosso lado” para que seguissem os passos dele: “Sigam as directrizes deste livro e terão sucesso!”

O que motivou Breivik? Dado que ele odiava os muçulmanos, porque dirigiu ele o seu ataque contra os jovens do partido social-democrata no governo, que são principalmente europeus cristãos? Terá isso sido uma aberração de uma só vez ou parte de uma vaga ascendente de terror de direita? Como é que as pessoas devem responder a um acto tão terrível na Noruega, um pequeno e próspero país, normalmente afastado dos tumultos e da violência que afectam muito do resto do mundo?

A comunicação social ocidental de maior tiragem e alguns representantes do governo da Noruega apressaram-se a responder a estas perguntas, sendo que o seu foco e respostas tendem fortemente na direcção de dizer que Breivik é “um louco”; que as ligações dele à vasta e crescente extrema-direita na Europa e nos EUA estão “todas na cabeça dele”, são uma “ilusão”; que ele era um lobo solitário; e tratam todo o caso como sendo uma terrível tragédia que não teve nada a ver com nenhuma verdadeira contradição nas sociedades norueguesa, europeia ou norte-americana. A Noruega iria agora unir-se em torno das suas tradições “liberais” (as quais, na realidade, se baseiam numa prosperidade que advém da sua posição privilegiada no sistema mundial de exploração imperialista, incluindo a exploração opressora dos imigrantes que Breivik quer expulsar) e que a “vida normal” continuaria como antes. De facto, apesar do horrível e dramático carácter do massacre, a história essencialmente saiu das notícias passado uma semana.

Se se quiser fazer uma abordagem séria e científica para se compreender desenvolvimentos novos, relevantes e chocantes como este, então deve dizer-se que ainda há muito a saber sobre Breivik e a relação dele com outras forças reaccionárias na Europa e nos Estados Unidos, bem como sobre a ideologia expressa no seu longo manifesto. Mas a pressa em declarar Breivik como “lobo solitário” e em fechar o livro sobre o incidente em geral, não só é muito prematura (e contrária a muita da evidência existente), como visa encobrir o que os massacres começaram a expor.

Independentemente de o próprio Breivik ser ou não legal e/ou clinicamente são e de este massacre ter sido ou não levado a cabo como parte de uma estrutura organizativa mais vasta, a verdade é que um poderoso movimento fascista com múltiplas camadas e cada vez mais agressivo, com núcleos em toda a Europa e nos EUA e com uma significativa base popular. E, uma vez mais, embora haja muito para descobrir sobre esse movimento fascista e as suas exactas ligações a poderosos círculos da classe dominante, há – como iremos mostrar – determinados temas e direcções correspondentes entre esses fascistas e importantes forças e figuras das classes dominantes ocidentais, e há formas em que as acções de forças e indivíduos específicos – como Breivik – dentro desse “universo” fascista reflectem e reforçam programas mais vastos das classes dominantes. Breivik não só foi “inspirado” pelo veneno ideológico global que esse movimento vomita, como viu muito conscientemente os seus próprios actos como representando um papel estratégico na ajuda ao avanço desse movimento para o poder político.

A ideologia e o programa de Breivik

Breivik defende que a Europa e a “civilização ocidental” estão sob ataque e enfrentam uma “colonização islâmica (...) através de uma guerra demográfica”. Ele vê a Europa e os EUA como tendo uma identidade essencialmente cristã e que a presença de um grande número de muçulmanos “não assimilados” – ou seja, muçulmanos que continuam a praticar a sua religião e que, em muitos casos, são altamente críticos do papel do “Ocidente” no Médio Oriente e no resto do mundo – estão a minar por baixo essa identidade cristã e a corroer a “civilização” europeia. Breivik diz que “o problema só pode ser resolvido se afastarmos totalmente os que seguem o Islão. Para o fazermos, todos os muçulmanos devem ‘submeter-se’ e converter-se ao Cristianismo. (...) Se eles se recusarem a fazê-lo voluntariamente antes de 1 de Janeiro de 2020, serão expulsos de solo europeu e deportados de volta ao mundo islâmico.”(1)

Mas Breivik também acredita que essa “colonização islâmica” está a ser facilitada de dentro da sociedade europeia, por aquilo a que ele se refere como “multiculturalismo”. Como filosofia, o multiculturalismo é essencialmente a ideia – defendida por muitos progressistas – de que diferentes povos e culturas podem e devem coexistir na sociedade, cada uma preservando a sua própria cultura e respeitando e apreciando as dos outros. É o oposto da ideia de “assimilação” – a de que as pessoas de uma cultura não dominante devem ser forçadas a abandonar as suas formas e ideias próprias e a “assimilar-se” na cultura dominante – bem como à de “exclusão” aberta, a qual defende que as minorias culturais, religiosas e étnicas não devem ser autorizadas ou que devem ser deportadas.(2)

Breivik vê a “abordagem multicultural” como levando à destruição da Europa. Mas aquilo que ele combate não é apenas a ideia de multiculturalismo, mas o facto de, durante várias décadas, as principais forças da classe dominante da maior parte da Europa Ocidental terem elas próprias, e devido às suas próprias razões, permitido e mesmo encorajado uma imigração de larga escala. Breivik intitula essas forças da classe dominante de multiculturalistas (por vezes também se refere a elas como “marxistas culturais”) e diz que elas são “traidoras”, traindo a civilização europeia a favor dos invasores bárbaros.

É importante perceber que essas forças da classe dominante não abraçaram a imigração por internacionalismo, humanismo, ou qualquer outra coisa positiva. Em vez disso, a abertura – parcial e relativa – das fronteiras da Europa aos imigrantes foi motivada por um frio cálculo imperialista. Por um lado, os imigrantes preencheram um papel vital na manutenção da rentabilidade capitalista no Ocidente. Devido às desesperadas condições económicas (e frequentemente à repressão política) nos seus próprios países – dominados pelo Ocidente –, os imigrantes na Europa, bem como nos EUA, são agora a coluna vertebral de grande parte da economia, desde os restaurantes e supermercados ao pessoal dos hospitais e das fábricas de baixos salários; o seu trabalho barato é o que faz murmurar a cidade moderna e torna o capital ocidental competitivo no mundo. Por outro lado, o dinheiro mandado de volta por esses imigrantes é um importante elemento estabilizador nesses países do terceiro mundo que, diga-se uma vez mais, são dominados pelo imperialismo ocidental (e japonês) e são uma importante fonte da sua riqueza e poder. Por isso, durante algum tempo, a maioria das classes dominantes ocidentais acolheu os imigrantes e, embora acossando-os e perseguindo-os de várias formas, também fez algumas concessões quanto à existência de bairros de imigrantes onde as pessoas podem praticar a sua própria cultura e religião, falar o seu próprio idioma, etc.

Breivik vê essa política como um suicídio nacional e cultural e os seus defensores políticos como o principal problema, o principal obstáculo à sobrevivência da Europa cristã. Por isso, “Se eles se recusarem a render-se até 2020, não haverá forma de voltar atrás. Acabaremos por eliminar cada um deles.”

Breivik também é abertamente patriarcal e misógino. Em parte, isso vem da perspectiva dele de que os muçulmanos estão a fazer uma “guerra demográfica” e de que, porque as mulheres europeias, influenciadas pelo feminismo, são “egoístas” e põem a sua própria felicidade e bem-estar acima da responsabilidade delas como mulheres de gerarem e criarem mais crianças europeias, os muçulmanos irão subjugar os brancos europeus. Mas o patriarquismo dele não se reduz a isso – faz parte de uma perspectiva mais vasta sobre o que é preciso fazer para salvar a civilização ocidental da destruição. “A manipulação dos homens pelas mulheres tem sido institucionalizada durante as últimas décadas e é uma causa parcial da efeminização dos homens na Europa”. Escreve ele: “Os homens já não são homens, mas seres metrossexuais e emocionais que servem o objectivo de serem companheiros de alma nunca críticos da deusa feminista da nova era”. Ele declara abertamente que “o destino da civilização europeia depende de os homens europeus resistirem firmemente ao feminismo politicamente correcto”. Quando os conservadores culturais tomarem o controlo da Europa, “restabeleceremos as estruturas patriarcais” e, por fim, as mulheres “condicionadas” a isso, “saberão o lugar [delas] na sociedade”.

Em “defesa” contra todas essas ameaças à Europa, Breivik invoca o legado das Cruzadas Cristãs da Idade Média, em que foram mobilizados enormes exércitos por vários reis, Papas e senhores feudais para fazerem a guerra nos países islâmicos do Médio Oriente. Em particular, ele alega fazer parte de um grupo que está a ressuscitar os Cavaleiros Templários (uma ordem militar de elite durante as Cruzadas) para iniciarem e liderarem a “resistência” cristã. Ele declara explicitamente que o massacre que está prestes a cometer é um modelo que deveria ser assumido por outros, dizendo que “Cavaleiros” como ele “terão um papel modelo (...) [e que] devem mesmo ser considerados candidatos a uma veneração oficial”. (Ele parece querer dizer uma “santificação” católica.)

A ideologia de Breivik – alinhada com as principais forças das classes dominantes ocidentais

Tudo isto tem sido apresentado na comunicação social como forma de projectar Breivik como um lunático isolado. Mas o essencial da perspectiva de Breivik é de facto uma importante corrente de opinião nas classes dominantes, tanto nos EUA como na Europa.

A 26 de Julho, [o proeminente ideólogo do Partido Republicano] Pat Buchanan publicou o seu artigo “Um Alarme Nocturno para a Noruega”. Após a necessária condenação das mortes, ele prossegue articulando a perspectiva de Breivik, salientando que é a perspectiva dos principais líderes da Europa e, depois, – em grande medida – concorda com ela.

“[Breivik] escolheu como seus alvos não os muçulmanos, cuja presença ele detesta, mas os líderes do Partido Trabalhista que os deixaram entrar no país, e os seus jovens, os futuros líderes desse partido. (...) Ele admite os ‘cruéis’ mas ‘necessários’ crimes de Breivik, cometidos, diz ele, para chamar a atenção para as suas ideias e para fazer avançar a sua causa: a guerra de um cruzado entre a verdadeira Europa e os ‘marxistas culturais’ e os muçulmanos que estes convidaram para alterar o carácter étnico e submergir a cultura do Velho Continente. (...)” Buchanan salienta então que isto não é uma perspectiva extremista e que “[a Chanceler] Angela Merkel da Alemanha, [o Presidente] Nicolas Sarkozy de França e [o primeiro-ministro] David Cameron da Grã-Bretanha têm todos declarado o multiculturalismo como um fracasso...”

“Quanto a um conflito climático entre um Ocidente que já foi cristão e um mundo islâmico que está a crescer em número e a avançar inexoravelmente na Europa pela terceira vez em 14 séculos, quanto a isto, Breivik pode ter razão.”

A linguagem de Buchanan distorce furiosamente a realidade. Quando ele fala num “conflito climático” entre o Ocidente Cristão e o mundo islâmico “pela terceira vez em 14 séculos”, está a referir-se a exércitos reais – os mouros do Norte de África que invadiram e ocuparam o que é agora Espanha e Portugal entre o início do século VIII e o fim do século XV e a invasão da Europa sul-central pelo império otomano (baseado no território que é hoje a Turquia), uma invasão que foi derrotada há 400 anos. E está a aplicar esse modelo ao que é de facto a desesperada emigração de milhões de pessoas comuns das suas pátrias, com o fim de alimentarem as suas famílias, obterem uma educação ou escaparem à perseguição. Ao apresentar isto em ternos militares, Buchanan está a tentar agitar o patriotismo ultra-nacionalista e o medo e ódio aos imigrantes na população branca europeia; esta é uma ideologia que tenta justificar o massacre feito por Breivik.

Buchanan não é um elemento marginal – é uma figura influente na política norte-americana. Foi conselheiro sénior dos Presidentes Nixon, Reagan e Ford, um sério candidato à nomeação presidencial republicana em 1972 e 1976, fez o discurso central da Convenção Nacional Republicana de 1976 e é um convidado regular dos principais programas noticiosos.

Além disso, Buchanan tem razão ao ligar outros líderes importantes ao essencial dos pontos de vista de Breivik.

Em Fevereiro de 2011, o Presidente francês Sarkozy declarou: “Temos andado muito preocupados com a identidade das pessoas que estavam a chegar e não o suficiente com a identidade do país que os estava a receber. (...) Se alguém vem para França, deve aceitar fundir-se numa única comunidade que é a comunidade nacional”. E continuou: “Se não quiser aceitar isto, não pode ser bem-vindo em França”.

Em Setembro de 2009, Theo Sarrazin, um ex-líder do banco central alemão e membro proeminente do partido do governo, escreveu: “Não tenho que reconhecer ninguém que viva da segurança social, que negue a legitimidade do próprio estado que lhe fornece esses subsídios, que se recuse a cuidar da educação dos seus filhos e que constantemente produz novas rapariguinhas de véu. Isto é verdade para 70 por cento dos turcos e para 90 por cento da população árabe de Berlim.” Isto desencadeou uma enorme controvérsia pública; em Outubro de 2010, na sequência disto, a Chanceler alemã Merkel disse numa reunião: “Esta abordagem [multicultural] fracassou, fracassou totalmente”. É importante lembrar que, há algumas gerações, a classe dominante alemã cometeu genocídio contra as suas minorias religiosas e étnicas pelo crime de supostamente não se ajustarem ao ideal alemão. A declaração de Merkel é equivalente a o presidente norte-americano declarar que “a integração fracassou; é tempo de os negros aceitarem o seu estatuto inferior e só então poderão viver pacificamente nos EUA.”

Também poderíamos apontar muitos exemplos na cena política norte-americana. Há apenas algumas semanas, o governador do Texas e candidato presidencial republicano Rick Perry falou numa reunião “só para cristãos” (que Perry convocou na sua qualidade de governador) onde partilhou o palco com inúmeros pregadores fascistas cristãos e onde Perry declarou que “Deus pôs-me neste momento neste lugar para cumprir a Sua vontade” e que as pessoas “que proclamam Jesus Cristo como nosso Senhor e Salvador” e “que entregam o destino dos EUA a Deus” são a resposta aos problemas que afectam o país. Ou o ataque aos médicos pró-aborto, não só feito pela Operation Rescue [Operação Resgate] mas também bem aceite por importantes comentadores fascistas como Bill O'Reilly, da Fox News, ou o assassinato desses médicos por “indivíduos” que, claro, alegam não ter nada a ver com a Operation Rescue.

Estas correntes, tão horríveis e de facto tão criminosas como o são, não surgem dos preconceitos de “cidadãos” retrógrados e ignorantes; elas são um importante pólo – um pólo com grande poder e iniciativa – das classes dominantes dos países imperialistas ocidentais, e essas forças estão a usar o seu controlo da comunicação social e de outros meios para organizarem e atiçarem sectores retrógrados da população em torno delas. As declarações acima referidas são de líderes “conservadores” convencionais, mas a maioria ou mesmo todos os países da Europa (e os EUA) também têm movimentos de massas e/ou partidos políticos mais ou menos abertamente fascistas com uma substancial representação parlamentar que chegam mesmo a fazer apelos mais abertamente racistas e chauvinistas.

É claro que Breivik se vê a si próprio como um “cavaleiro” heróico neste “choque de civilizações”. E vê o seu projecto em termos internacionais, tentando angariar alianças com organizações fascistas noutros países europeus e citando abundantemente a direita cristã norte-americana. Alega ter participado numa reunião de nove representantes de oito países europeus para restabelecer os Cavaleiros Templários. Diz ter trabalhado com duas outras “células” na Noruega, ter estado em contacto e de facto ter sido “recrutado” por membros da Liga Inglesa de Defesa.(3)

Mas se a ideologia de Breivik está alinhada com a de poderosas forças da classe dominante, porque é que ele desencadeou a sua investida assassina contra o governo norueguês e o grupo de jovens do partido do governo? Uma vez mais, é necessária mais investigação e análise. Mas é um facto importante que haja de facto uma aguda divisão nas classes dominantes dos estados imperialistas ocidentais (incluindo os “mais pequenos” e mais “liberais” como a Noruega, a Suécia, etc.)

Uma vez mais, a situação na Europa não é idêntica à dos EUA, nem a Noruega é igual a todos os outros países da Europa. Uma análise mais profunda da política norueguesa está fora do âmbito deste artigo e é necessário mais trabalho para se descobrir as verdadeiras relações entre as forças fascistas de diferentes países. Mas há alguns pontos essenciais que podem ser traçados.

Em toda a Europa e nos EUA, algumas forças da classe dominante – e os reaccionários que elas organizam e atiçam – alegam que há uma necessidade urgente de reestruturar a sociedade em termos mais abertamente fascistas e teocráticos para enfrentar os desafios do império, enquanto outros sectores – ainda que ao mesmo tempo defendam a necessidade de grandes movimentações nessa direcção, não querem abandonar inteiramente todas as ideias e instituições tradicionais da democracia liberal – as liberdades políticas, o laicismo, a tolerância cultural, a segurança social. Estas forças mais “liberais” temem que o seu sistema perca toda a legitimidade aos olhos das pessoas e que esta tentativa de “agregar” firmemente a sociedade na verdade acabe por fazê-la desintegrar-se. Esses sectores da classe dominante são vistos como um importante obstáculo pelos sectores mais abertamente fascistas, e a luta entre eles pode ser intensa.

Bob Avakian falou sobre isto em “Os fascistas e a destruição da ‘República de Weimar’... e o que a irá substituir(4)

“(...) E, além do ataque às pessoas que genuinamente se opõem não só a este fascismo mas também ao sistema capitalista-imperialista no seu todo, uma das principais linhas da investida deles (para usar uma analogia muito pertinente) é a virulenta perseguição à República de Weimar (a república democrático-burguesa que surgiu na Alemanha depois da I guerra mundial e que foi substituída e abolida pela força quando Hitler e os nazis chegaram ao poder nos anos 30). Temos de compreender o sentido e o significado disto e os objectivos por trás disto.”

O atentado na Noruega ocorreu no contexto e no quadro desta intensa luta no interior da classe dominante sobre como melhor preservar o seu sistema. As forças “liberais” estão a defender uma ordem social que se baseia no domínio imperialista do planeta, no desvio da riqueza produzida por milhares de milhões de pessoas para as economias de um punhado de nações ricas, e na relativa paz civil e liberdades civis que, com base nisso, podem ser disponibilizadas pelo menos às classes mais favorecidas desses países. Os fascistas que os atacam alegam que essas cortesias já não são sustentáveis no mundo escasso e perigoso do século XXI e querem mesmo acabar com esses direitos limitados, a favor de um sistema abertamente patriarcal de supremacia branca europeia e de “valores” fascistas cristãos. E há demasiadas pessoas que acabam por pensar que têm de escolher entre esses dois pesadelos.

NOTAS

(1)  Nos EUA, a grande maioria dos imigrantes é originaria do México e da América Latina, enquanto em muita da Europa a maioria dos imigrantes são muçulmanos do Paquistão, Bangladesh, Sérvia, Somália, Turquia, Norte de África e Médio Oriente. Esta diferença influencia o formato dos movimentos fascistas – nos EUA, o movimento anti-imigrante centra-se principalmente na fronteira com o México e também há um movimento anti-muçulmano que visa a (inexistente) “ameaça” de uma tomada islâmica dos EUA através da implementação da lei da Xariá.

Estes movimentos reaccionários são correntes distintas que navegam em conjunto num mar fascista comum, com o “Tea Party” [“Partido do Chá”] como arena principal onde elas se juntam. Em muita da Europa, o movimento “anti-imigrante” _é_ um movimento anti-muçulmano, e vice-versa. O ponto comum é que em ambos os casos esses reaccionários – e as forças da classe dominantes que os apoiam – vêem os imigrantes “não assimilados” como uma ameaça à coesão social e ao carácter de supremacia branca europeia das suas sociedades e apelam a um retorno aos “valores tradicionais” do patriotismo, do sistema patriarcal e do cristianismo como a cola que mantém coesa a sociedade dominante e excluindo ou esmagando os que não podem ou não aceitam e não se lhe conformam.

(2)  De facto, a questão do multiculturalismo é complexa. As culturas não são coisas imutáveis nem identidades que estão afastadas do mundo. Pelo contrário, as culturas reflectem as relações económicas sempre em mutação em qualquer sociedade e, como tal, mudam e desenvolvem-se mais ou menos constantemente à medida que essas relações mudam. Além disso, numa sociedade dividida em classes, em opressores e oprimidos, a maioria das convicções e práticas culturais serve a manutenção da classe que for dominante – embora, ao mesmo tempo, haja convicções culturais, práticas, etc., que reflectem mais as acções dos oprimidos para se libertarem.

A ascensão, primeiro, do colonialismo e, depois, do imperialismo significou o domínio da vasta maioria do globo pela Europa, pelos EUA e pelo Japão. As potências capitalistas-imperialistas reprimiram, vilipendiaram e contiveram as culturas dos povos que conquistaram (mesmo quando esses conquistadores também apoiaram, adaptaram, reforçaram e/ou utilizaram para os seus próprios fins algumas práticas particularmente retrógradas ou reaccionárias). Por exemplo, os povos escravizados e oprimidos foram castigados e mesmo mortos por falarem os seus próprios idiomas ou por manterem as suas próprias religiões, quando os governantes decidiam que isso era uma evidência de rebelião – como na realidade por vezes era. Essa prática de repressão cultural aberta é uma prática que pessoas como Breivik gostariam de trazer de volta, juntamente com o programa dele de conversão forçada.

Os comunistas opõem-se fortemente à assimilação forçada dos povos e apoiam a igualdade dos idiomas – e haverá um florescimento dos idiomas e das culturas dos oprimidos nas futuras sociedades socialistas, tal como mostra a Constituição Para a Nova República Socialista da América do Norte (Projeto de Texto) (revcom.us/socialistconstitution/ em inglês e revcom.us/constitucionsocialista/ em castelhano). Mas o multiculturalismo, tal como é agora conhecido, fica longe de ser uma resposta completa. É importante criticar o que é opressivo e reaccionário no seio das culturas dos oprimidos – por exemplo, os elementos de opressão patriarcal das mulheres. Neste sentido, é crucial confiar que serão as próprias massas das nacionalidades oprimidas a avançar na luta pela transformação dessas culturas, no contexto global da luta revolucionária. E hoje é de grande importância que tomemos posição contra a satanização e a negação da igualdade dos idiomas e das culturas dos oprimidos, falando em termos gerais.

(3)  A resposta dessas forças fascistas ao massacre da Noruega tem tido dois aspectos. Por um lado, tentaram distanciar-se de Breivik, alegando que ele era um lunático, um “mal”, que “aí não há nenhuma ideologia”. Alguns, como Bill O'Reilly, tentaram alegar absurdamente que Breivik não era um cristão! O próprio Breivik antecipou e “compreendeu” esse distanciamento e declarou no seu manifesto que as forças políticas fascistas “têm de nos condenar neste momento, o que está certo. É, no fim de contas, essencial que elas protejam as suas defesas reputacionais.”

Mas, tendo feito isso, muitos – como o artigo já citado de Pat Buchanan – têm avançado para dizerem que Breivik de facto levanta algumas boas questões, e que a verdadeira responsabilidade pelo massacre não está na direita fascista cristã, mas nos radicais islâmicos que “o provocaram”. (Ver várias dessas declarações em guardian.co.uk/commentisfree/2011/jul/29/internet-norway-killer-censorship-folly.) Alguns foram mais longe e exprimiram uma simpatia pouco contida pelos assassinatos – por exemplo, o blogue Atlas Shrugged [Atlas Encolhido] de Pamela Geller publicou o seguinte comentário sobre as vítimas do massacre (reproduzido de outro sítio Web – o Anti-Mullah): “O acampamento era gerido pelo Movimento de Jovens do Partido Trabalhista e era usado para doutrinar adolescentes e jovens adultos. Breivik estava a visar os futuros líderes do partido responsável por inundar a Noruega de muçulmanos que se recusam a assimilar, que cometem grande violência contra os nativos noruegueses, incluindo violentas violações em grupo, com impunidade, e que vivem de subsídios, (...) tudo sem o consentimento dos noruegueses.” Glenn Beck [um conhecido comentador televisivo norte-americano de direita] comparou infamemente o acampamento a um acampamento da “Juventude Hitleriana”.

(4)  Ver também o artigo do Presidente do Partido Comunista Revolucionário, EUA, Bob Avakian "The Coming Civil War" [“A guerra civil que se avizinha”], sobretudo a secção "The Pyramid of Power" [“A pirâmide do poder”], ambos disponíveis em revcom.us/avakian/Avakian-coming-civil-war.html em inglês e revcom.us/avakian-es/ba-la-guerra-civil-que-se-perfila-es.html em castelhano. Embora esta obra seja sobretudo uma análise de desenvolvimentos nos próprios EUA e haja significativas diferenças entre as paisagens políticas dos EUA e dos vários países europeus, o essencial da análise e do desafio são extremamente pertinentes.

 

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