Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 29 de Outubro de 2007, aworldtowinns.co.uk
O assassinato de Ernesto Che Guevara pela CIA
Este mês, o quadragésimo aniversário da morte de Che Guevara revelou um enorme e crescente interesse pela sua vida e pelo seu significado. Em sua resposta, reproduzimos o seguinte artigo publicado por ocasião do seu trigésimo aniversário em 1997 no jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA, que entretanto foi substituído pelo jornal Revolution/Revolución (revcom.us/a/112/che-cia-en.html em inglês e revcom.us/a/108/che-es.html em castelhano). Embora um artigo já com uma década e com uma amplitude tão extensa possa não reflectir inteiramente a evolução do pensamento actual do partido, ajuda a preencher uma necessidade que agora se tornou ainda mais premente.
Há trinta anos, a 8 de Outubro de 1967, o som de disparos ecoou num íngreme desfiladeiro dos Andes, na Bolívia meridional. O grupo de guerrilheiros liderado por Ernesto “Che” Guevara fora avistado e cercado pelos Rangers do Exército boliviano.
Menos de um ano antes, Guevara e um grupo de activistas tinham viajado secretamente de Cuba para a Bolívia para iniciarem uma guerra de guerrilhas, na esperança de derrubarem o governo militar pró-EUA da Bolívia. Guevara tinha subido às montanhas com cerca de 50 apoiantes. Em poucos meses foram descobertos pelas tropas bolivianas e iniciou-se uma intensa perseguição. Tentando escapar às forças governamentais, Guevara dividiu os seus apoiantes em dois grupos e nunca os conseguiu voltar a reunir. O seu diário regista que, no final de Agosto, o seu grupo estava exausto, desmoralizado e reduzido a 22 homens. A 31 de Agosto, o outro grupo foi emboscado e eliminado quando tentava atravessar um rio.
A 26 de Setembro, unidades do exército boliviano emboscaram as restantes forças de Che perto das isoladas cabanas de montanha de La Higuera. Os guerrilheiros não encontraram nenhuma forma de romper o cerco. Alguns morreram no tiroteio. O próprio Guevara ficou ferido numa perna. Ele e outros dois guerrilheiros foram capturados a 8 de Outubro e levados para uma velha escola com uma só sala em La Higuera.
No dia seguinte, a 9 de Outubro, um helicóptero trouxe um homem chamado “Felix Ramos”, que usava um uniforme de oficial boliviano. “Ramos” encarregou-se do prisioneiro. Duas horas depois, Che Guevara e os outros dois guerrilheiros foram executados a sangue frio. Quem passasse pela aldeia camponesa de La Higuera nesse dia não teria tido qualquer dúvida sobre quem tinha sido responsável.
A mão norte-americana
As armas e o equipamento dos assassinos eram “Made in USA”. O oficial boliviano que fez Guevara prisioneiro tinha sido treinado em Fort Bragg – uma escola norte-americana onde se preparam golpes militares, assassinatos e contra-insurreições. E o homem no comando deste episódio, o “Capitão Ramos”, era um agente veterano da CIA, Felix Rodriguez.
Durante anos, o governo norte-americano armou o exército boliviano e infiltrou-o com os seus agentes pagos. Assim que foi descoberta a nova força de guerrilha de Guevara, Washington enviou para a Bolívia novas equipas da CIA e de Boinas Verdes assassinos – incluindo Rodriguez e o seu parceiro “González”. Aviões norte-americanos de transporte chegaram carregados com mais armas, equipamento de rádio e napalm.
Rodriguez, que se disfarçava de capitão do exército boliviano, tinha antes liderado um esquadrão da morte da CIA no Vietname. Mais tarde, esse mesmo Felix Rodriguez seria pessoalmente nomeado por George Bush [pai] como principal operativo da CIA na base da força aérea de Ilopango, em El Salvador, durante os anos 80, onde Rodriguez supervisionou os famosos voos da CIA do programa cocaína-em-troca-de-armas.
A 9 de Outubro de 1967, foi Rodriguez que ordenou que as marcas da execução de Guevara parecessem ter sido feitas em combate. Foi Rodriguez que meteu ao bolso como recordação o relógio de pulso de Che Guevara e que levou de avião o corpo de Guevara para a vizinha base militar de Vallegrande. A 11 de Outubro, e depois de terem cortado as mãos de Guevara como prova, os assassinos despejaram o seu corpo numa campa não identificada próxima da pista aérea de Vallegrande. Publicamente, o governo boliviano insistiu que o corpo tinha sido incinerado.
Toda esta operação teve a marca “Made in USA”. Ao matar Che Guevara e os seus guerrilheiros, os governantes dos Estados Unidos pretenderam enviar uma mensagem sangrenta aos povos da América do Sul e do mundo.
Balas no quintal
A classe dominante norte-americana sempre viu a América Latina como o seu “quintal” e usou a força militar contra todos os que aí a desafiaram.
Foram forças norte-americanas que chamaram bandido a Pancho Villa [o líder camponês mexicano] e que assassinaram Sandino na Nicarágua. Derrubaram governos eleitos – incluindo o do presidente chileno Salvador Allende, que assassinaram e a mais 30 mil pessoas em 1973. Dezenas de sangrentas invasões e agressões durante o último século mantiveram o controlo norte-americano no Panamá, Haiti, Cuba, Porto Rico, República Dominicana, México e América Central. E, durante a última década, mobilizaram os seus esquadrões de agentes da CIA, conselheiros e tropas “antidroga” para combaterem a guerra popular liderada pelo Partido Comunista do Peru.
Ao mesmo tempo que oprimiam os povos da América Latina, os governantes norte-americanos também ameaçavam qualquer potência estrangeira que aí tentasse fazer as suas próprias incursões – a começar pela sua arrogante “Doutrina Monroe” de 1823. Os EUA proclamaram o seu direito a tomarem Cuba e Porto Rico à Espanha em 1898. Nos anos 60, 70 e 80, mobilizaram tropas, frotas navais e esquadrões da morte para impedirem o social-imperialismo soviético de “obter uma ponte no continente americano”. Mais recentemente, impuseram o NAFTA para reforçarem o seu controlo do povo mexicano e para fecharem a porta aos imperialistas japoneses e europeus.
Nos anos 60, por altura da campanha final de Che na Bolívia, os EUA desenvolviam essas políticas como vingança. Eram os tempos em que, como escreveu Mao Tsétung, o imperialismo norte-americano era visto como um “tigre de papel... apavorado ao mero sussurro das folhas ao vento”. Uma grande vaga de rebeliões e revoluções desafiava os EUA na Ásia, em África e na América Latina. E a URSS tinha emergido, como novo rival imperialista, para aproveitar as dificuldades norte-americanas.
O Presidente John F. Kennedy respondeu de uma forma sangrenta. Em 1961, enviou uma frota da CIA para invadir a Baía dos Porcos, tentando derrubar a revolução popular de Cuba. Foi ele que iniciou o fluxo de tropas e “conselheiros” no Vietname do Sul para aí combater o movimento de libertação nacional.
Foram organizados novos exércitos controlados pela CIA. Foram fundados os Boinas Verdes. As escolas norte-americanas de treino estavam a criar torturadores, golpistas e contra-revolucionários. Muitos lugares em todo o mundo foram infiltrados por agentes e assassinos treinados pelos EUA.
E, a 9 de Outubro de 1967, essas forças executaram Che Guevara e os seus seguidores naquela pequena aldeia de La Higuera.
A procura da libertação
Nos últimos 30 anos, Che Guevara tem sido visto por muitos como símbolo da resistência a tudo isso – o domínio norte-americano e o seu poder militar. E hoje, em 1997, a luta contra tudo isso permanece a questão do momento – tal como o era há 30 anos.
Como combater hoje os opressores para que possamos realmente derrotá-los, derrubá-los e criarmos uma nova sociedade libertada?
É esta a questão que enfrenta a nova geração. O processo revolucionário precisa de sonhar com um mundo melhor e de heróis para os quais as pessoas possam olhar. Mas também precisa de uma avaliação séria da experiência histórica. As pessoas precisam de uma teoria revolucionária e uma estratégia que possam vencer.
Che Guevara defendeu uma via própria na luta contra o domínio norte-americano. E, hoje em dia, o guevarismo – e a experiência histórica dos que o seguiram – precisam de ser avaliados criticamente. Como disse uma vez um veterano comunista: “Nós temos que querer a revolução de uma forma tal que sejamos científicos em relação a ela.”
A via cubana
Quando Che Guevara e os guerrilheiros do Movimento 26 de Julho de Fidel Castro entraram em Havana, Cuba, em 1959, em toda a América Latina as pessoas ficaram emocionadas. Uma revolução popular tinha derrubado a brutal ditadura pró-EUA de Batista – a apenas 90 milhas da costa dos EUA.
A revolução cubana tinha sido de facto relativamente fácil: Castro, Guevara e alguns apoiantes instalaram campos de guerrilha nas distantes montanhas da Sierra Madre e levaram a cabo cerca de 25 meses de luta intermitente. Uma poderosa agitação espalhou-se por todo o país, incluindo as zonas urbanas, e o regime de Batista desagregou-se.
Após o novo governo de Fidel Castro ter nacionalizado os bens norte-americanos, rebentaram as hostilidades entre Cuba e os EUA. Quando as forças de Castro repeliram uma grande invasão da CIA na Baía dos Porcos em 1961, a excitação em toda a América Latina tornou-se intensa. Alguém tinha derrotado os EUA e mantinha-se de pé!
A sobrevivência a longo prazo do novo governo cubano colocava desafios ainda mais difíceis: os EUA iniciaram um embargo económico e de seguida um bloqueio militar em 1963. A CIA enviou constantemente equipas de assassinos e sabotadores para a ilha – tentando “destabilizar” Cuba e recuperar o seu controlo.
Em resposta a essas pressões, o governo cubano tomou uma série de decisões fatais: decidiu renunciar à reforma agrária. Manteve as plantações de açúcar do país como base da economia. E, ligado a isso, entrou numa aliança cada vez maior com a União Soviética – que prometeu comprar açúcar cubano e fornecer alimentos, armas, bens manufacturados e outras necessidades que Cuba não estava a produzir por si própria. Ao longo de toda a história cubana, o domínio da ilha tinha estado ligado à sua economia do açúcar. E agora, depois da revolução de 1959, muita coisa tinha mudado na forma como o país era organizado e gerido – mas esse vínculo central de dependência permaneceu sem ruptura. A revolução antiamericana em Cuba acabou por revelar não ser consistentemente anti-imperialista.
A teoria foquista de Che
Durante vários anos após a sua chegada ao poder, o governo cubano encorajou os povos de toda a América Latina a iniciarem as suas próprias lutas armadas contra as ditaduras pró-EUA. Vários grupos receberam treino em Cuba.
Che Guevara esteve intimamente ligado a esse apelo às guerras de guerrilhas no continente. Ele argumentou numa série de ensaios que a experiência cubana podia ser reproduzida em toda a América Latina. Esta ideia teve uma poderosa influência na nova geração de combatentes que crescia na América Latina.
Che defendia que pequenos grupos de combatentes armados e determinados (chamados “focos”) poderiam subir às montanhas e usar acções armadas para unir outras forças – desencadeando uma crise e o colapso de governos odiados.
Nessa época, muita gente viu essa teoria guevarista do foquismo como uma fresca alternativa aos partidos comunistas pró-soviéticos da América Latina. Esses partidos putrefactos seguiam de perto a liderança da União Soviética e eram abertamente hostis à luta armada contra os governos pró-EUA. Eles eram revisionistas – falsos “comunistas”.
O foquismo tinha o atractivo adicional de oferecer a esperança de uma vitória relativamente fácil. Dizia-se às pessoas que a revolução era fundamentalmente um acto de vontade e ousadia – que se podiam tornar em representantes do descontentamento popular sem organizarem novos partidos de vanguarda ou levarem a cabo a revolução agrária nos campos. E, por terem que enfrentar uma inevitável resposta norte-americana –, dizia-se às pessoas que, tal como Cuba, os seus novos movimentos poderiam pedir apoio e protecção à União Soviética.
No início dos anos 60, foram iniciadas várias tentativas de focos armados – no Peru, na Argentina, na Venezuela e noutros países. Nenhuma delas teve sucesso.
Entretanto, a União Soviética mostrava a sua mão na sua forma de lidar com Cuba. Os conselheiros soviéticos defendiam métodos conservadores na indústria e em toda a sociedade. O Movimento 26 de Julho de Fidel Castro foi formalmente fundido com a putrefacta estrutura do Partido Socialista Popular (o velho partido pró-soviético de Cuba que tinha chegado a apoiar Batista na sua ascensão ao poder). Todo o tipo de pressões do novo “aliado” soviético de Cuba estavam a empurrar o país para um papel de dependência dentro do bloco soviético.
Che Guevara esteve exactamente no centro desses desenvolvimentos. Ele fez várias críticas à União Soviética – por não apoiar firmemente as lutas de libertação nacional e pela sua política comercial em relação a países como Cuba. E diz-se que ele estava a trabalhar numa crítica a outras políticas económicas soviéticas.
Mas essas críticas nunca questionaram os fundamentos do quadro fundamental da via cubana. As críticas de Guevara à União Soviética apareceram como “disputas em família” – porque Guevara acreditava profundamente que a União Soviética continuava a ser um país socialista e podia ser persuadida a representar um papel positivo no mundo – através da crítica, da pressão e do impacto de revoluções vitoriosas.
Guevara também acreditava que a sua estratégia dos focos podia ser feita funcionar na América Latina, inserindo no terreno uma liderança mais experiente e autorizada. A sua resposta aos problemas da “via cubana” foi ir ele próprio para a Bolívia em Novembro de 1966 – para aí desenvolver pessoalmente um foco no coração da América do Sul.
A luta internacional sobre a questão da via revolucionária
Ao mesmo tempo que Che Guevara formulava as suas teorias, uma intensa luta e debate varriam o movimento comunista internacional.
No início dos anos 60, Mao Tsétung fez uma surpreendente e profunda análise dos desenvolvimentos dentro da União Soviética. Mao disse que tinha havido uma alteração fundamental do poder em 1956, quando Nikita Khrushchev tomou o poder na União Soviética. Os seguidores da via capitalista dentro do Partido Comunista tinham levado a cabo uma restauração do capitalismo. A União Soviética, que fora um país socialista durante décadas, era agora uma potência social-imperialista (socialista no nome, imperialista na essência).
Mao alertou para o perigo de se expulsar o tigre pela porta da frente enquanto se deixava o lobo entrar pelas traseiras. Confiar nessa nova potência imperialista, disse ele, era extremamente perigoso para as massas populares. Os novos governantes da União Soviética representavam uma nova burguesia – fundamentalmente oposta à libertação.
Hoje em dia, 30 anos depois, estas questões podem parecer “uma coisa do passado” para uma geração que vive num mundo em que o bloco soviético se desmoronou e que os EUA são o principal cão de fila da montanha imperialista. Mas é impossível avaliar-se a experiência histórica de Che e da “via cubana” sem se compreender a natureza do social-imperialismo soviético e o impacto negativo que as alianças com a União Soviética tiveram nas lutas de libertação nacional na América Latina e em todo o mundo.
A via para o poder defendida pelos maoistas era radicalmente diferente da formulada por Che Guevara. Os maoistas defendiam que o poder conquistado através de atalhos não conseguiria resistir às pressões do imperialismo ou levar a uma sociedade verdadeiramente revolucionária. Para isso, as massas precisam de ser mobilizadas e treinadas no decurso de uma prolongada luta de classes, liderada pelo proletariado. No Terceiro Mundo, alegaram os maoistas, a luta armada precisa de tomar a forma de uma guerra popular prolongada – que seja levada a cabo com base nas massas populares, cercando as cidades a partir dos campos e construindo um novo poder dentro das bases revolucionárias. Embora esta abordagem se tenha baseado na rica experiência da revolução chinesa, Mao alertou os revolucionários de todo o mundo para não copiarem essa experiência mas para aplicarem criativamente esta orientação estratégica às suas próprias condições.
A princípio, Mao teve a esperança de possivelmente ganhar a liderança cubana para um caminho melhor, e encontrou-se pessoalmente com Che durante a viagem dele à China em 1960. Mas Che Guevara permaneceu convencido da sua estratégia dos focos e convencido que se devia abraçar a União Soviética como potencial aliado dos movimentos populares.
Muitas outras questões foram levantadas nessa famosa luta ideológica dos anos 60: Se se deviam forjar novos partidos revolucionários e comunistas que liderassem a luta revolucionária, o papel da luta armada na revolução e como organizar as massas para a guerra revolucionária, como avaliar as diferentes forças de classe no mundo – incluindo sobretudo o campesinato nos países semicoloniais e semifeudais do mundo – e como continuar a revolução após a tomada do poder.
Durante este processo, e com base nos progressos da ideologia comunista, emergiu uma nova claridade – o Marxismo-Leninismo-Maoismo.
Hoje em dia, 30 anos após o assassinato de Che, houve muitas mudanças no mundo. Ocorreram importantes transformações – incluindo o aumento dos “bairros de lata” no Terceiro Mundo – e ocorreram novos saltos no encadeamento da produção internacional e dos mercados mundiais. Com estas mudanças, surgiram novas questões sobre como as pessoas se podem libertar do imperialismo. Mas para vários milhares de milhões de pessoas desapropriadas, pobres e desenraizadas em todo o planeta, o desenvolvimento imperialista e a tecnologia não passam de um pesadelo. Para elas, o futuro vai ser ou de desespero ou de revolução. E para os que habitam nas nações oprimidas, a via maoista da guerra popular prolongada continua a ser uma solução urgente e prática para os problemas de hoje.
Há muita gente hoje em dia, entre os jovens dos EUA e da América Latina, que se sente atraída por Che Guevara – porque vêem nele um símbolo de abnegação, luta armada e internacionalismo na luta contra o imperialismo norte-americano. Para todos os que estão motivados por um profundo amor pelo povo, é extremamente importante compreender aprofundadamente as experiências históricas e lutar seriamente para compreender as diferenças entre diferentes linhas e vias. Hoje em dia, esta é uma questão de vida-ou-morte. Tem tudo a ver com saber se podemos transformar os nossos sonhos revolucionários em realidade.