Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 18 de Julho de 2005, aworldtowinns.co.uk

Maoistas do Irão: Como ver a participação das massas nas eleições

O texto que se segue é uma versão abreviada de um artigo intitulado “Como ver a participação das massas nas eleições em geral e nestas eleições em particular” que aparecerá em breve no n.º 23 do Haghighat, jornal do Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista).

Nas recentes eleições no Irão, o poder dominante pediu ao povo que escolhesse os seus opressores durante mais quatro anos. Ao contrário da monarquia do Xá, a República Islâmica tem conseguido utilizar as eleições, ao lado da repressão militar e policial, como ferramenta eficaz de contenção da actividade política das massas. Para aproveitar integralmente essa ferramenta, o regime fez um planeamento antecipado sério e consciente. Em particular, o 2º projecto Khordad [as eleições presidenciais de 23 de Maio de 1997, em que foi eleito o alegado reformador Mohammad Khatami] dilatou a dimensão dessa abordagem, numa situação de desorientação política entre as massas. O regime também a usou para pacificar os vacilantes opositores políticos da República Islâmica. O regime islâmico conseguiu envolver alguns dos seus antigos opositores num sórdido jogo de “escolha entre o mal e o pior”, atraindo-os para a colaboração e a cooperação com o regime e adquirindo um pouco de legitimidade aos olhos dos observadores internacionais.

Depois de os reformadores do regime (a facção Khatami) terem sido expostos, a participação popular nos jogos eleitorais diminuiu dramaticamente. Segundo as estatísticas do regime, 40% das pessoas não participaram nas últimas eleições. Este é um número significativo, tendo em conta que o regime mobilizou todas as suas forças para atrair as massas às mesas de voto. Foi gasta uma enorme quantidade de dinheiro, foram feitas promessas falsas e incríveis e todo o aparelho de propaganda do regime foi posto ao serviço desse objectivo.

Enquanto os candidatos se desafiavam uns aos outros, iam ao mesmo tempo actuando segundo uma divisão de trabalho entre si e com um objectivo comum. Cada candidato dirigiu-se a um certo sector da população e apresentou slogans projectados para atrair esse sector. Cada um deles tentou apanhar as suas tendências e medos particulares. Porém, muita gente boicotou estas eleições, especialmente entre os que haviam participado nas de 1997. O boicote disseminou-se particularmente entre as mulheres e os jovens. Os estudantes também boicotaram estas eleições e tentaram expandir o boicote tanto quanto possível. Este foi mesmo o aspecto positivo destas eleições presidenciais, em comparação com as anteriores. Foi muito importante, dado que eles estavam continuamente sujeitos a um bombardeamento de propaganda do regime e também à influência de intelectuais vacilantes. Apesar da sua dispersão e falta de organização, resistiram até ao fim e não desistiram do boicote.

O modo como Mahmoud Ahmadinejad se tornou presidente, através do uso de ameaças e de perseguições pela Basij [as forças paramilitares do regime] e pelos Pasdaran [os Guardas Revolucionários] e da compra de votos, ficou claramente exposto. Desta vez, a fraude foi óbvia – o regime enviou helicópteros às aldeias e comprou votos com dinheiro e comida. Bilhetes de identidade falsos foram distribuídos entre os basiji para que pudessem votar várias vezes. Apesar de tudo isso, o verdadeiro número de votantes esteve muito abaixo do de 1997. Mas não foi um número reduzido. Algumas pessoas, que não tinham participado nas eleições parlamentares do ano passado ou mesmo na primeira volta desta eleição presidencial, foram atraídas às urnas eleitorais. Alguns dos que deram o seu voto a Ali Akbar-Rafsanjani sentiam que estavam a votar apenas para dizer “Não” a Ahmadinejad e vice-versa.

Isto mostra que não basta que as pessoas virem a cara às urnas eleitorais. É importante que as massas tenham consciência política do papel que as eleições podem representar na consolidação do sistema de exploração e opressão. Houve muitas situações em que as pessoas abandonaram as urnas eleitorais, mas enquanto não estiverem conscientes da natureza e do modo de funcionamento do poder dominante e não tiverem qualquer perspectiva de derrube deste regime sob a liderança de um partido revolucionário, o regime pode continuar constantemente a arrastá-los para o jogo eleitoral de escolha entre o mal e o pior.

A participação nas eleições faz parte de um plano, uma ideologia e um instrumento usados pelas classes dominantes para legitimar e estabilizar o seu poder. Assim, uma das tarefas mais importantes das forças conscientes da esquerda, do movimento revolucionário e dos intelectuais progressistas que lutam contra o regime é lutar persistentemente por isolar e neutralizar os processos eleitorais e os planos falaciosos do regime entre as massas. Isso faz parte da luta política contra o regime. As eleições devem ser vistas como uma oportunidade para isolar cada vez mais o regime perante as massas. O boicote consciente e organizado das eleições é uma importante forma de elevar o nível da consciência política revolucionária das massas.

Nestas eleições, os candidatos distribuíram milhões de CDs e cassetes entre as massas tentando exporem-se e destruírem-se uns aos outros. Por um lado, as várias facções do regime quiseram propagar a falsa ideia de que havia diferenças fundamentais entre os candidatos mas, ao mesmo tempo, queriam realmente destruir-se uns aos outros porque as suas contradições internas se intensificaram. É preciso olhar para os dois lados desta questão.

Ahmadinejad a acusar Rafsanjani de ser capitalista e a dizer-se pobre e Rafsanjani a acusar Ahmadinejad de ser fascista e a dizer-se democrata! Isto mostra o extremo desprezo entre eles. Eles agarraram na economia do Irão, tornaram-na sua propriedade e dividiram-na entre eles. Sem dúvida que todos eles representaram um papel no estabelecimento e na consolidação do regime fundamentalista religioso fascista. No que diz respeito às disputas dentro das forças dominantes, estas não resolvem as suas contradições e diferenças através de eleições mas através de compromissos e outros meios. Contudo, elas fingem que estão a tornar públicas as suas contradições e que as querem resolver através do voto popular. Isso não significa que não haja nenhuma contradição ou fracturas dentro das forças dominantes na República Islâmica. Pelo contrário, as suas contradições são agudas e, antes das eleições, elas não se conseguiram unir com um programa comum sobre como defender o seu poder. Estas eleições intensificaram as suas contradições.

A contradição mais importante que fractura seriamente a unidade das forças dominantes da República Islâmica é a questão das relações com os EUA. Até ao fim, elas estiveram impossibilitadas de chegar a um acordo com o governo dos EUA. Como resultado, não conseguiram concordar entre si nesse ponto e definir as suas relações internas com base num acordo desse tipo. Isto mostra como os alinhamentos internos do regime dependem das potências mundiais. De facto, não só as relações entre as diversas facções da República Islâmica não são decididas nas eleições, elas nem sequer são decididas dentro do Irão. Elas dependem de jogadas e negociações internacionais de bastidores.

Disse-se que os EUA tinham sugerido que seriam mais flexíveis com a República Islâmica se esta fizesse um gesto dramático como afastar Khamenei, mas as duas facções conservadoras (o bando de Rafsanjani e o bando de Khamenei) não conseguiram chegar a acordo sobre isso. De facto, o aparecimento do nome de Ahmadinejad nas urnas eleitorais foi um reflexo desses problemas não resolvidos. A desorientação das forças dominantes nas últimas eleições deveu-se a factores regionais e internacionais e não aos seus diferentes planos e programas sobre questões como a liberdade política ou a justiça económica, como eles demagogicamente alegam. A sua própria existência está ligada às potências imperialistas e sem elas não conseguiriam ficar um só dia no poder. Nestas eleições, os principais líderes da República Islâmica confiaram e esperaram até ao último minuto que a Europa, os EUA e a Rússia chegassem a acordo sobre o Irão para que esses fantoches soubessem o seu destino. A disputa entre Ahmadinejad e Rafsanjani foi uma expressão dessa realidade: a República Islâmica estava à espera da reacção dos EUA.

O que aconteceu nas negociações de bastidores não é completamente claro, mas parece que, com base nessa reacção, os líderes do regime sentiam que enfrentavam duas alternativas. Se os EUA estivessem inclinados a negociar e a abandonar a sua política de mudança de regime do Irão, então Rafsanjani, sendo o homem mais poderoso entre as forças dominantes, subiria ao poder para resolver os problemas com os EUA. Mas se os EUA insistissem numa mudança de regime, então alguém como Ahmadinejad subiria ao poder. Como parece que os EUA não estavam dispostos a alterar a sua política, no meio destas tensões apareceu nas urnas eleitorais o nome de Ahmadinejad.

Na nova situação internacional e do Médio Oriente, os EUA crêem que já expirou o prazo de validade da República Islâmica, pelo que querem eliminar alguns bandos ou grupos entre as forças dominantes. Face a esta situação, as diferentes facções da República Islâmica estão a lutar por saber quais dos bandos devem ser enfraquecidos ou completamente eliminados.

A escalada da rivalidade entre os EUA, a Europa e a Rússia sobre a questão do Irão intensificou a crise interna da República Islâmica. O destino desses criminosos islâmicos será determinado pelos criminosos internacionais. Porém, não é fácil para esses ladrões internacionais chegarem a acordo sobre o Irão e sobre como o dividir e repartir. Neste contexto, é muito significativo que a Rússia tenha expressado a sua satisfação com os resultados das eleições e que a França tenha apoiado o papel político da Rússia no Irão. Hoje em dia, os alinhamentos e realinhamentos internos da República Islâmica são determinados por questões políticas internacionais muito mais vastas. Sem se perceber esta questão, é impossível entender a verdadeira natureza da sua disputa.

A fractura e as contradições dentro das forças dominantes irão intensificar-se. Não porque os outros candidatos sintam que Ahmadinejad ganhou enganando o bando de Khamenei, mas porque os bandos do regime conspiram uns contra os outros e cada um quer sacrificar os outros em seu lugar. É possível que os que forem escolhidos para serem eliminados iniciem uma propaganda populista sobre a defesa da soberania nacional, a ajuda aos pobres e aí por diante. O Irão tornou-se numa encruzilhada das contradições mundiais e isso torna a situação ainda mais complexa.

Só quando for iniciado um movimento revolucionário para derrubar o regime, que seja capaz de mobilizar pelo menos um sector das massas operárias e trabalhadoras, será possível destruir as jogadas eleitorais do regime. O nível de luta consciente do povo deve aumentar até um nível em que as massas organizadas destruam as urnas eleitorais e não possam ser obrigadas ou empurradas a depositar nelas os seus votos.

Para finalizar, é necessário referir uma experiência revolucionária. Até 1980, o Peru era um país onde uma elevada percentagem de pessoas votava (talvez 70 a 80 %). Porém, após o início da guerra popular sob a direcção do Partido Comunista do Peru, em 1980, a participação popular nas eleições foi diminuindo considerável e continuamente à medida que se desenvolvia a guerra popular. A guerra popular é o nível mais elevado da luta de classes, mas ainda assim o PCP deu uma significativa importância à exposição das ilusões eleitorais das forças dominantes. Nos primeiros tempos da guerra popular, mobilizar as massas para queimar as urnas eleitorais foi uma das actividades políticas do partido entre os operários e os camponeses. Apenas com a luta revolucionária consciente e organizada se podem esmagar os fraudulentos jogos eleitorais dos opressores.

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