Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 14 de Janeiro de 2008, aworldtowinns.co.uk
Irão: Guerra económica contra o povo – crise e resistência
O seguinte artigo foi publicado na edição de Novembro (n.º 36) do Haghighat, órgão do Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista) – www.sarbedaran.org (em farsi).
A República Islâmica do Irão (RII) continua a sua guerra total contra o povo iraniano: uma guerra política e económica, bem como ofensivas militares e de segurança. Esta guerra económica transformou-se numa guerra aberta contra o povo. As forças militares e de segurança do regime islâmico foram mobilizadas para levarem a cabo esta guerra brutal contra os operários em greve, a revolta das massas contra o racionamento da gasolina e as insurreições populares das massas despojadas e empobrecidas das aldeias de todo o país. O Ministério do Interior comunicou que o orçamento para a repressão do descontentamento popular aumentou vinte vezes (Jornal Mehr, 09/09/2007).
O racionamento da gasolina foi o primeiro tiro do regime contra o povo. A inflação dos preços foi o segundo. A remoção das taxas de importação também é uma declaração de guerra aberta contra os produtores nacionais e os trabalhadores.
Numa questão de apenas alguns meses, o aumento dos preços no consumidor gerou uma enorme transferência de riqueza das mãos das pessoas pobres para as mãos de um grupo abastado de financeiros e dos estratos ricos da sociedade iraniana que têm acesso directo aos produtos disponíveis ou armazenados. As famílias abastadas que detêm altas posições governamentais e têm acesso às decisões do poder em questões de política económica obtiveram instantaneamente uma riqueza astronómica. Essas famílias ávidas de privilégios engordaram ainda mais com a importação ilegal de bens de consumo. Só nos primeiros seis meses do ano, as importações de bens de consumo aumentaram 77%. Estas importações descontroladas não só destruíram as plantações e a indústria nacional da cana-de-açúcar, mas também o sustento de milhares de pequenos produtores e camponeses. A crise no sector do açúcar causou um enorme desemprego entre os trabalhadores industriais e agrícolas. A mesma tendência está a emergir nos sectores nacionais do chá e do arroz. A inflação, a estagnação económica e o desemprego generalizado são os três sinais observáveis da actual crise económica. A economia do Irão já sofreu anteriormente desses mesmos males, em 1976. Porém, a actual crise é qualitativamente diferente. O índice de lucros do capital em 1976 era de 257 unidades; mas, em 2001, esse índice é de 46 unidades. (Estas estatísticas foram retiradas da página internet de Hadi Zamani, onde foram colocadas a 16/09/2007).
Segundo o Iran Economic News, citado pelo Banco Central, a taxa de inflação no final de Agosto de 2007, comparada com a do final de Agosto de 2006, era 15,6%. Como sabemos, o Presidente Ahmadinejad declarou há dois anos que a prioridade económica número um dele era reduzir a inflação. Segundo o Banco Mundial, o PIB per capita do Irão é menos de um terço do PIB per capita médio do mundo; quando comparado com todos os outros países, o Irão está em número 111 (Anuário de 2000). Em termos de população, o Irão é o 18º país mais populoso, mas em termos de PIB está em 34º lugar. Todos os anos, o desemprego no Irão aumenta de um milhão. A taxa oficial de desemprego tem sido de 20%; entre os jovens esse número está nos 40%. Todos os anos, 250 mil licenciados procuram entrar no mercado de trabalho, mas apenas 70 mil encontram emprego. Há 20 milhões de crianças e jovens no Irão. A sua vasta maioria juntar-se-á às fileiras do exército de desempregados (Zamani).
A economia da República Islâmica chegou a um beco sem saída. É o povo trabalhador e os pobres que estão a pagar esse preço. Com cada choque económico, é mais uma camada da população que é lançada no abismo da pobreza e mais uma camada de riqueza que se acrescenta à barriga das 1000 famílias dominantes, da sua legião mercantil e capitalista e dos seus parceiros estrangeiros. A pobreza força as pessoas a dedicarem-se a formas de produção pré-capitalistas e a prostituição expande-se. Outro resultado da crise económica é a crescente repressão política e opressão social pelo estado (como a opressão das mulheres e o apertar da malha de subserviência religiosa).
Esta crise económica é o total reflexo da contradição entre a produção reaccionária/opressora dominante e as relações sociais e as forças produtivas (sobretudo o potencial produtivo das massas). Esta produção e estas relações sociais reaccionárias desperdiçam e destroem os recursos humanos e não-humanos.
A crise económica, por sua vez, intensifica as contradições entre o regime e o povo, bem como as contradições internas na classe dominante, e empurra o regime cada vez mais para o seu fim. As diferentes individualidades e facções principais da República Islâmica apressam-se a criticar as políticas económicas do governo e atribuem uns aos outros as culpas desta horrenda situação económica. Por exemplo, mesmo Khamenei (Líder da República Islâmica do Irão) declarou: “Não conheço todos os actos do governo”! Tajzadeh (um porta-voz da facção reformista da RII) disse: “A corrupção propagou-se a todos os cantos.”
As massas operárias e os trabalhadores não têm outra saída senão desencadearem vagas de resistência contra as vagas da crise económica. Os corajosos trabalhadores em greve na empresa de cana-de-açúcar Haft Tappeh são um exemplo típico desta vaga de resistência que não deve amainar porque os aspectos mais imediatos das vidas dos trabalhadores dependem da expansão das vagas de resistência.
A natureza da crise
Entre as análises típicas e generalizadas, algumas pessoas consideram que as políticas monetárias e financeiras do governo Ahmadinejad são a principal causa da actual crise económica; dizem que a raiz desta crise “está nos crescentes níveis de liquidez” e que o governo deveria alterar a sua política monetária. Outros consideram a crise como um subproduto das políticas hostis dos EUA em relação à República Islâmica e das sanções económicas daí resultantes e crêem que, para salvar a economia, o regime deveria resolver primeiro essa “crise política”. Os responsáveis do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional consideram que esta crise é o resultado do desvio de uma grande parte das despesas do governo para subsídios – e propõem que esses subsídios sejam eliminados e que, em vez disso, vão para o “investimento”.
Mas esta crise económica é, em primeiro lugar, uma crise crónica que tem as suas raízes na estrutura económica desequilibrada e retrógrada do Irão. A economia do Irão é um capitalismo distorcido ou desequilibrado com restos de feudalismo. O profundo desequilíbrio desta unidade económica (do sistema capitalista mundial) existe porque, por um lado, tem uma economia capitalista desenvolvida que opera – mais ou menos – segundo os padrões de produtividade do sistema capitalista mundial e, por outro lado, é uma economia baseada sobretudo em forças produtivas retrógradas e, nalguns sectores da economia, em formas de produção pré-capitalistas. Esta disparidade é uma fonte de crise perpétua e de choques económicos, incluindo uma desgastante inflação. Quem paga o maior preço é a maioria do povo, sob a forma de aumento da pobreza e da instabilidade.
Alguns analistas económicos falam da “estrutura económica distorcida” do Irão como sendo a principal causa da crise económica da República Islâmica. Mas muitas vezes eles querem dizer que o Irão perdeu o barco da reestruturação económica (ou modernização) que outras economias semelhantes como a Turquia, a Índia, a Argélia, etc., sofreram nos anos 90.
Claro que isto é parcialmente verdade. O facto de a economia do Irão, dependente do imperialismo, não ter passado pela modernização económica por que passaram outras economias dependentes contribuiu para a intensificação do desequilíbrio estrutural de base da economia iraniana. Este mesmo problema também aumentou as pressões inflacionárias.
Em conjunto com o alargamento deste golfo, a corrupção económica expandiu-se muito e rapidamente e, por sua vez, tornou-se no principal elemento da intensificação do desequilíbrio da economia.
Tentaremos aqui elaborar mais sobre os três factores acima mencionados: a economia distorcida, o atraso na modernização e a corrupção. Estes são os factores mais importantes para a compreensão da actual crise económica. As sanções internacionais reforçaram os três.
Uma estrutura económica distorcida
A economia nacional do Irão é uma economia capitalista retrógrada em que os restos do feudalismo continuam a representar um importante papel na produção e na reprodução. Mas esta economia foi forjada no contexto de uma divisão internacional do trabalho. Como exportador estratégico de petróleo, o Irão tem ocupado historicamente um lugar específico na divisão imperialista internacional do trabalho. Segundo essa divisão do trabalho, a responsabilidade do Irão tem sido produzir e exportar petróleo. Esta função, pela sua própria natureza, entrava o desenvolvimento equilibrado e articulado da economia e dos seus diferentes sectores.
As formas avançadas de produção só são usadas na extracção de petróleo e em poucas outras indústrias, enquanto a vasta maioria dos sectores económicos (a agricultura, em particular) nada no atraso. A indústria petrolífera não tem nenhuma ligação efectiva nos dois sentidos com a indústria e a agricultura do Irão, pelo que não proporciona nenhum incentivo ao seu crescimento e desenvolvimento. Pelo contrário, expõe os outros sectores económicos à desumana competição do mercado mundial, assegurando-lhes uma permanente instabilidade. Como? O sector petrolífero é o principal ponto de ligação entre a economia nacional iraniana e a economia mundial. Representa um papel decisivo na transferência dos preços mundiais para a economia nacional e na definição das taxas de câmbio das divisas. Impõe à economia nacional do Irão as exigências das taxas de produtividade e das rivalidades mundiais. As exportações petrolíferas forçam a subida da taxa de câmbio da divisa do Irão, o que torna os produtos agrícolas e industriais do Irão pouco competitivos nos mercados interno e externo. A economia do petróleo retira toda a motivação ao desenvolvimento de um sector agrícola baseado nos camponeses. Uma moeda forte com um elevado poder aquisitivo torna “mais racional” a importação de bens de consumo e de alimentos, em detrimento da produção e dos produtores nacionais. Dificultar o desenvolvimento estável da agricultura e a segurança alimentar é em geral e especificamente uma parte inevitável da lógica do sistema capitalista mundial e o resultado inevitável dos mecanismos de uma economia petrolífera dependente do sistema capitalista mundial.
Numa economia onde apenas um único sector (o petrolífero) tem uma relativa estabilidade, e onde a agricultura e a pequena indústria estão falidas e sempre em crise, só se pode esperar que a maior parte da mão-de-obra do país esteja desempregada – ou subempregada na economia instável ou informal.
Dêmos uma vista de olhos à política de “porta aberta” do regime iraniano e de eliminação de muitas taxas de importação. Por exemplo, o Irão importou seis milhões de toneladas de açúcar, apesar de a agro-indústria nacional iraniana ser capaz de satisfazer essa procura. Porque é que a indústria açucareira do Irão está debilitada? Porque a economia nacional do Irão faz parte do mercado mundial e o preço do açúcar é fixado pelo mercado mundial. Por isso, em comparação com os preços do açúcar no mercado mundial, a produção nacional de açúcar do Irão é mais “cara”. Em termos económicos marxistas, o trabalho gasto a produzir um quilo de açúcar no Irão excede o trabalho requerido para produzir esse mesmo quilo no mercado internacional (nesta era em que as economias de todo o mundo estão integradas numa única economia mundial, o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir qualquer artigo é calculado à escala mundial). A economia do Irão está sujeita à lei do valor a nível internacional. Do ponto de vista do mercado capitalista, como as indústrias agrícolas do Irão (chá e arroz, e também açúcar e outros produtos alimentares) não conseguem produzir com uma produtividade suficiente, devem ser destruídas. O facto de milhões de pessoas perderem o seu sustento e empobrecerem não tem qualquer relevância.
É claro que as portas estão sempre abertas para a demagogia reaccionária. Veja-se como as classes dominantes iranianas justificam este processo de horrenda destruição, dizendo que querem “defender os consumidores”. Mohammad-Sadegh Mofateh, Vice-Ministro do Comércio, quando questionado sobre a torrente de açúcar importado, disse: “Não podemos estar permanentemente a proteger a produção nacional com muros de taxas. Porque é que os consumidores devem ter que pagar 800 tumans (cerca de um dólar), em vez de 500, por um quilo de açúcar?” Ali-Akbar Mehrabian, que chefia o Ministério da Indústria e Minas, disse: “Manter os altos preços do açúcar no nosso país, preços acima dos do mercado mundial, apenas resulta em os consumidores serem enganados. Foi por isso que autorizámos a importação de açúcar de uma forma regulada.” (Sheida Elmi, Agência Noticiosa Moj). Na realidade, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial precipitaram a destruição da indústria nacional de açúcar ao imporem em 2002 uma política de “privatização”; com início nesse mesmo ano, o governo iraniano começou a autorizar a importação de açúcar. Na economia capitalista mundial, a “privatização” não significa necessariamente que as instalações produtivas nacionais sejam transferidas para a propriedade privada e que a produção continue. Pelo contrário, isso significa frequentemente que as instalações de produção serão encerradas e que os trabalhadores serão lançados no desemprego. Por vezes significa que a unidade de produção será substituída por uma nova linha de produção (empregando tecnologia mais avançada e menos trabalhadores); outras vezes significa que essa linha de produção será completamente eliminada e substituída pela importação dos mesmos produtos pelos ministérios estatais ou por intermediários “privados” [“privadamente” relacionados com as famílias das classes dominantes – Nota do tradutor de farsi para inglês].
A crise na indústria iraniana do açúcar é um exemplo claro dos mecanismos de subjugação e desequilíbrio económico. Até há pouco tempo, as taxas protectoras eram um obstáculo à importação de açúcar barato para o Irão e a indústria iraniana do açúcar era mantida “artificialmente” (segundo os critérios capitalistas). Mas, com a “reestruturação” económica em curso, o regime eliminou essas tarifas, permitindo que as pressões competitivas destruíssem esses sectores “ineficientes” nacionais. Temos que salientar aqui que, nas economias capitalistas típicas, as pressões competitivas levam à modernização das forças produtivas. Mas, nas economias dominadas pelo imperialismo, levam ao esvaziamento dessas economias, ao saque da sua riqueza e bens, à destruição das suas forças produtivas (em que os seres humanos são o aspecto principal) e a uma economia que se centra cada vez mais num único produto.
Uma modernização atrasada
O desequilíbrio da economia nacional do Irão não é um produto da era da República Islâmica. Essa estrutura económica foi forjada no período que se seguiu à II Guerra Mundial sob o patrocínio do imperialismo norte-americano. Mas, como salientámos atrás, intensificou-se durante os últimos 28 anos. Durante este período, enquanto a economia iraniana ficava cada vez mais completamente dependente do mercado mundial, ao mesmo tempo, foi afastada da modernização económica levada a cabo intensamente durante os anos 90 noutras economias dominadas pelo imperialismo (como a da Turquia) – por outras palavras, as suas forças produtivas deterioraram-se. Cada uma das lâminas dessa tesoura ficou mais comprida e mais afiada. Se a economia não fosse dependente do mercado mundial e não estivesse às ordens da lei de valor do capitalismo mundial, o seu atraso em relação à modernização mundial teria um impacto qualitativamente menor.
A quebra de produtividade e os crescentes custos de produção eliminaram os produtos nacionais do próprio mercado iraniano, abandonado apenas ao mercado mundial. Tem sido este o sucesso económico da República Islâmica.
A maior parte da actual infra-estrutura económica do Irão foi inicialmente construída durante o período entre 1954 e 1978 e não foi renovada desde então. Isto é ainda mais assim no caso do sector petrolífero onde, devido à falta de acesso a uma tecnologia mais avançada, houve pouco ou nenhum melhoramento ou renovação das instalações de produção. Em consequência, grandes segmentos do sector industrial têm operado a menos de 40% da sua capacidade. Alguns encerraram completamente devido à falta de peças sobressalentes importadas. Durante o reinado do Xá, o Irão produzia seis milhões de barris de petróleo por dia. Hoje em dia, a produção diária do Irão ultrapassa pouco mais de quatro milhões de barris. Isto acontece porque as companhias petrolíferas internacionais não investiram na renovação dos meios de produção do petróleo (a tecnologia petrolífera). O governo dos EUA proibiu as companhias petrolíferas norte-americanas de o fazerem. O investimento no sector petrolífero tem diminuído continuamente, sobretudo desde 2000.
A volatilidade das relações entre a República Islâmica e as potências imperialistas é a principal razão desta situação. Segundo o Banco Mundial, o Irão está em 135º lugar em termos de atractividade para o investimento (Agência Noticiosa Fars, 26/09/07). Isto representa uma queda de 16 lugares em relação ao ano anterior.
As relações de crise entre a República Islâmica e as potências imperialistas tiveram um impacto na economia do país também de outras formas. A utilização pelo sistema capitalista global de alavancas financeiras como os sistemas bancário e de crédito retardou e obstruiu os circuitos de acumulação de capital. Por exemplo, a maior parte do comércio internacional e de financiamento do Irão é negociado através de bancos do Dubai. Além disso, o Irão obtém muita da tecnologia de que necessita no mercado negro.
Quando as potências imperialistas – sobretudo os EUA – decidiram que a República Islâmica já não lhes era mais útil, aumentaram a sua pressão económica. Essa pressão deforma ainda mais a estrutura económica do Irão e empurra-a para mais próximo da desintegração.
Devemos aqui levantar a questão dos efeitos das políticas monetárias de Ahmadinejad sobre a inflação de preços no consumidor. Não há dúvida que as políticas de Ahmadinejad intensificaram a espiral inflacionária. Mas embora a economia do Irão possa estar sujeita à influência das políticas de Ahmadinejad, ela está de facto às ordens do mercado mundial. A inflação de preços na economia iraniana não é igual à de uma economia capitalista típica. O dilema do Irão é o que foi atrás salientado: duas lâminas, a dependência do mercado mundial e o atraso económico (relações de produção e meios de produção retrógrados), juntaram-se para produzirem uma dolorosa tesoura económica. Além disso, a deterioração das forças produtivas e a constante redução da produtividade na República Islâmica duplicaram essa pressão inflacionária. Como foi dito atrás, nesta era do capitalismo mundial, os preços (ou a quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário para a produção dos vários bens) não são determinados ao nível do mercado nacional mas antes ao nível do mercado mundial. Numa economia atrasada fortemente ligada à economia mundial, os bens são produzidos acima do custo médio do mercado mundial. Isto causa uma pressão para a subida dos preços. Para mitigar esta situação, os governos utilizam subsídios. Mas a mesma lógica que parece também exigir os subsídios determina em última instância que esses subsídios sejam eliminados.
Uma conclusão essencial que se pode retirar deste estado das coisas é que qualquer força política (quaisquer que sejam as suas origens e intenções, “laicas” ou mesmo “socialistas”) que se baseie nessa mesma estrutura económica e tente simplesmente “geri-la” melhor sem a transformar radicalmente, acabará por ficar tal como as actuais classes dominantes reaccionárias.
A corrupção dos gestores nacionais deste sistema económico
A corrupção generalizada, ou o que toda a gente no Irão conhece como runtkhary e runthkharan (engolir rendimentos e exploradores de rendimentos), é um factor muito importante na actual crise económica. Runtkhary refere-se às várias formas como os membros da classe dominantes e seus associados usufruem de privilégios especiais nas actividades económicas formais e informais. Por exemplo, têm acesso a informação privilegiada antes de ela ser divulgada publicamente (como a informação sobre alterações das taxas de juros e dos valores das acções); acesso facilitado a matérias-primas e capital a preços preferenciais oferecidos pelo estado; acesso facilitado a autorizações do estado para investimentos empresariais e licenças de construção e importação/exportação; acesso às alavancas do sistema judicial para pressionarem rivais; e inúmeros outros privilégios. [Estes privilégios são os “rendimentos” de estarem perto do poder. É por isso que as pessoas falam em “engolir rendimentos” e exploradores de rendimentos – Nota do tradutor de farsi para inglês.]
A enorme dimensão da economia informal do Irão e do seu mercado negro é uma indicação clara do espantoso grau da corrupção na República Islâmica. A imposição de sanções patrocinadas pela ONU contra o Irão, como retaliação pela continuação do seu programa de enriquecimento de urânio, provocou uma explosão na economia de mercado negro controlada pelos capitalistas e comerciantes islâmicos. Um jornal alemão de referência escreveu: “O mercado negro é o melhor negócio dos mulás. Eles não têm qualquer dificuldade em importar bens de contrabando porque controlam as alfândegas, as passagens fronteiriças e o serviço postal.” Esse jornal acrescentava: “A economia do Irão é firmemente controlada pelo clero. Virtualmente todas as transacções são directa ou indirectamente controladas pela elite religiosa. Há quase 120 fundações religiosas; elas não só controlam as exportações petrolíferas mas também os próprios empreendimentos de construção, as companhias de transporte aéreo, as fábricas de automóveis e alimentos, as empresas de distribuição, os bancos, a importação de produtos electrónicos, etc. Também se diz que eles controlam o contrabando de armas e narcóticos. Nikola Pedeh, especialista sobre o Irão do Instituto de Pesquisa Internacional em Roma, disse: ‘Eles [o governo] distribuem os contratos pela sua rede de fundações afiliadas’.” (Welt Am Sonntag, n.º 19, Maio de 2007). Esse jornal também salientava que as sanções internacionais consolidaram ainda mais o controle dessas fundações sobre o comércio no Irão.
A corrupção tem impregnado tão profundamente o aparelho do governo da República Islâmica que os próprios responsáveis do regime começaram a queixar-se. Segundo uma informação da ISNA (a agência noticiosa oficial do Irão) datada de 3 de Agosto de 2007, Mohammad-Reza Rahimi, Director Contabilístico do Supremo Tribunal do Irão, disse: “O volume de acusações de corrupção financeiras é tão grande que consome metade do orçamento judicial do país.” Só dois desses casos, o Parse Jonoobi (Companhia Petropars)1 e o Sandoghe Gharzol Hassasne Espehan2 consomem quase metade desse orçamento. Tem havido tanta corrupção, se não mesmo roubos manifestos, de altos funcionários governamentais durante o programa de privatização / transferência de bens estatais para a propriedade privada ao abrigo do Artigo 44 que Rahimi foi obrigado a declarar: “No nosso país, até agora, a privatização tem tido um historial muito confuso; por outras palavras, ficou associado a conspirações e transferências abaixo do seu valor.” (ISNA, 03/08/2007) Neste sentido, a crise económica tornou-se apenas noutra forma de esses reaccionários roubarem o povo trabalhador do que ele produziu com o seu labor colectivo.
A formação de uma economia mafiosa não é uma arte exclusiva da República Islâmica do Irão. Essa camada parasitária é uma característica de todas as economias dominadas pelo imperialismo. Face à crise que atravessa a economia iraniana, a estratégia dos governantes da República Islâmica é a pilhagem! Essa é a única coisa que eles podem fazer: eles saquearão e despojarão a economia tanto quanto puderem. Fazem-no aproveitando-se do seu poder de decidirem. Este saque intensificou-se nos últimos tempos porque a Máfia islâmica não tem a certeza de quanto mais tempo se manterá no poder.
As propostas capitalistas de “resolução” da crise
O capitalismo, segundo as palavras dos responsáveis governamentais, das instituições internacionais e dos seus peritos económicos, propôs várias soluções para a crise económica do Irão. A RII implementou algumas dessas medidas. Por exemplo, o regime eliminou os subsídios à gasolina e as taxas de importação e liberalizou os preços. Mas, do ponto de vista capitalista, as reformas estruturais requerem medidas mais desumanas. As leis do trabalho do Irão terão que ser revistas; os trabalhadores iranianos terão que ser ainda mais despojados de direitos e os seus salários ainda mais reduzidos para os tornar ainda mais atractivos para os empregadores estrangeiros. O trabalho iraniano ainda é considerado “caro” em comparação com o trabalho chinês. (Por isso, as lápides chinesas importadas são metade do preço das iranianas!) As unidades industriais improdutivas devem ser fechadas e a sua produção substituída por bens importados. No futuro, as novas linhas de produção serão construídas sobre as ruínas dessas unidades agrícolas e industriais (e da destruição das vidas de milhões de operários e camponeses). Os bancos devem ser privatizados e as principias e secundárias operações industriais do petróleo transferidas para empresas privadas. A lei que regula a propriedade estrangeira de bens iranianos deve ser revista para abrir as portas à actividade sem limites do capital estrangeiro. As receitas petrolíferas devem ser investidas sobretudo no melhoramento da infra-estrutura de comunicações, no sistema bancário, etc., de forma a facilitarem o livre fluxo do capital. Isto são medidas que as classes dominantes do Irão estão dispostas a implementar.
Porém, a estrada não segue a direito. Os diferentes centros de poder que dominam a economia colocam obstáculos uns aos outros, criando tensões dentro da classe dominante, bem como entre a RII e as potências imperialistas capitalistas. Uma das exigências dos imperialistas é a redução do poder desses interesses monopolistas. Isso é algo que esses centros de poder não estão dispostos a fazer. A reestruturação económica, no quadro do sistema capitalista mundial, não só requer a destruição das pequenas indústrias nacionais como a indústria açucareira, etc.; também requer a separação dos monopólios que dominam a economia segundo velhas linhas. (Uma tensão semelhante também existiu entre o regime do Xá e os imperialistas norte-americanos nos anos 60. No início, o Xá não estava disposto a adoptar as reformas socioeconómicas propostas pelos EUA. Mais tarde aceitou-as e chamou-lhes Revolução Branca).
A petro-economia
Durante a primeira década da República Islâmica (entre 1979 e 1989), o estado recebeu cerca de 500 mil milhões de dólares de receitas do petróleo. Desde 1989, essas receitas quase triplicaram. Agora surge a questão: como é que têm beneficiado dessas receitas do petróleo as massas iranianas, em particular as massas trabalhadoras das cidades e dos campos? E que tipo de economia se desenvolveu? Em comparação com 1979, o número de pessoas abaixo da linha de pobreza duplicou e as divisões de classe alargaram-se dramaticamente. O que se desenvolveu foi uma economia que nem sequer é capaz de garantir os alimentos e as necessidades básicas da vida das massas; uma economia que gera desemprego, em vez de emprego; uma economia estrangulada que é incapaz de produzir eficazmente os mais simples bens industriais; uma economia que promove a corrupção e os monopólios ao estilo da Máfia; uma economia à mercê dos ladrões internacionais.
A conclusão óbvia a ser retirada de uma análise da crise económica do Irão é que não importa quem governa – sejam os mulás ou um monarca ou republicanos – enquanto existir a actual estrutura económica, ela funcionará da mesma forma criminosa. Como diz um provérbio, os escorpiões não picam por maldade, mas porque está na sua natureza. Mesmo que forças revolucionárias passassem a controlar este sistema económico, a não ser que elas o destruam radicalmente – rompendo com o capitalismo mundial e extirpando o feudalismo, bem como o capitalismo comprador – então a sua natureza mudará rapidamente e passarão a dançar ao som deste sistema e tornar-se-ão nos guardiães de uma economia reaccionária e retrógrada, impondo a exploração e a pobreza às massas e nadando em corrupção. Este ponto em particular deve ser trazido à atenção dos que se reclamam de “comunistas” ou “socialistas” mas cuja visão de uma futura economia é mantê-la na mesma e apenas “geri-la melhor”, procedendo a “uma mais equitativa e justa” distribuição dos rendimentos entre as massas e usando “racionalmente” as receitas do petróleo. A transformação radical desta economia ao serviço das massas populares será uma tarefa assustadora e complexa. Só é possível com a mobilização e a organização das massas aos milhões, numa Revolução de Nova Democracia e Socialista.
A crise económica, de mãos dadas com a crise política (com a ameaça de um ataque militar dos EUA no seu centro), colocou a sociedade à beira de grandes reviravoltas e convulsões. Nestas condições, tanto há oportunidades para se fazer uma revolução proletária, como grandes perigos. Nós, comunistas, temos que mobilizar e organizar os operários e as massas trabalhadoras do país para uma revolução e, ao mesmo tempo, evitar as armadilhas do estagismo dogmático e do gradualismo. As ondas da crise económica devem gerar ondas de resistência popular das massas que sofrem a opressão e a exploração. A análise comunista e o seu programa económico têm que encontrar o seu lugar no meio desta luta e entre as massas avançadas em luta. Temos que clarificar os traços característicos de uma economia libertadora para os operários e as massas trabalhadoras e que conduzir a sua energia lutadora para a única verdadeira solução – uma genuína revolução socialista.
Notas:
1. A companhia petrolífera South Pars, também conhecida como Petropars Oil, a maior das companhias petrolíferas da República Islâmica, tem direito a entrar nos contratos com todas as multinacionais estrangeiras.
2. Um influente organismo governamental de monitoração cuja tarefa é garantir que os fundos são emprestados segundo a lei islâmica que proíbe os juros.