Publicamos aqui três artigos sobre os efeitos do furacão Harvey nos EUA, traduzidos da edição online n.º 506, datada de 28 de agosto de 2017, do Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (revcom.us/quick/506en.php em inglês ou revcom.us/quick/506es.php em castelhano).

Furacão Harvey fustiga costa do Texas:
Um desastre natural, a crise de um sistema

Atualizado a 28 de agosto de 2017

Para uma cobertura completa e as últimas atualizações, clique aqui: em inglês ou em castelhano.

ALERTA IMPORTANTE

Com Trump no poder, é quase certo que ele usará esta crise para intensificar a repressão contra o povo e para fazer avançar de outras maneiras todo o programa fascista dele. Isso deve ter a nossa oposição sob todas as formas necessárias.

Pode haver uma necessidade urgente de mobilização esta semana em defesa das exigências publicadas nesta página e de defender e apoiar todas as lutas que as pessoas nas zonas afetadas iniciem para concretizar essas ou outras exigências justas. E especialmente, haverá uma necessidade de nos opormos a todas as medidas tomadas pelas autoridades para reprimirem o povo.

A 25 de agosto, o furacão Harvey fustigou a costa do Golfo do Texas. Este temporal, e o dilúvio de chuva sem precedentes que ainda continua, já é uma catástrofe de proporções gigantescas. As vidas de milhões de pessoas foram convertidas numa luta desesperada pela sobrevivência. Muitas dessas pessoas são chicanos [méxico-americanos], imigrantes e negros pobres que trabalham nas docas e refinarias da zona ou que labutam nos campos de arroz, algodão e cana-de-açúcar, ou que foram empurrados para bairros urbanos delapidados e para colonias rurais não empresariais. Ou seja, pessoas que já viviam no limite em Houston, entre as quais milhares de pessoas sem-abrigo.

Uma das razões para as enormes inundações e para a incapacidade dos solos de absorverem a fustigação da chuva torrencial é o desenfreado desenvolvimento capitalista – uma expansão aparentemente infindável de parques de estacionamento, centros comerciais e bairros residenciais da classe média – que obliterou prados e pastos, que arrasou pradarias e zonas húmidas, que forrou bayous [regatos lentos e salobros] com cimento e os canalizou e que abateu bosques. Isto foi um dos grandes fatores para o gabinete do Serviço Nacional de Meteorologia em Corpus Christi ter dito que as inundações provavelmente iriam tornar muitas zonas “inabitáveis durante um extenso período.”

Alguns responsáveis apelaram à evacuação. Mas nunca houve nenhum plano para organizar a deslocação de centenas de milhares, ou mesmo milhões, de pessoas para lugares seguros e para fornecer alimentos, abrigos e cuidados médicos. Antes da chegada do temporal, o Presidente da Câmara de Corpus Christi disse: “Não vou pôr em perigo a nossa polícia e bombeiros a tentarem retirar ninguém de casa que não queira sair.” Neste momento, pelo menos dezenas de milhares de pessoas estão desesperadamente à procura de abrigo, alimentos, cuidados médicos e água.

Corpus Christi e a “Curva Costeira” do Texas têm uma autoestrada e uma outra via rápida estadual que é paralela à costa. Não há serviço ferroviário e virtualmente não há transportes públicos. As inúmeras pequenas povoações e zonas rurais isoladas ao longo da costa estão ainda mais desprovidas. Toda esta zona já está, ou estará em breve, debaixo de água.

O foco predominante da resposta do governo às terríveis inundações é dominado pela ética capitalista – “cada um por si”. Se uma pessoa tem carro, se tem dinheiro para se deslocar centenas de quilómetros, então pode ficar bem. Caso contrário, que se lixem. E mesmo que alguém tenha carro e tente abandonar a zona, isso é quase impossível. E mesmo para as pessoas com recursos suficientes para saírem da zona, não há nenhuma maneira realista de o fazerem. Quando o furacão Rita atingiu Houston em 2005, o trânsito ficou parado ao longo de centenas de quilómetros em direção a San Antonio, Austin e Dallas.

Os furacões na costa do Golfo não são inesperados. Na realidade, são comuns. As pessoas referem-se a eventos como o “Ike”, o “Rita” e o “Allison” e sabem que todos conhecem essa experiência. Contudo, as autoridades não fizeram nada perto do que é realmente necessário para prepararem socialmente a zona para os furacões; para garantirem que houvesse planos de evacuação adequados, que as pessoas da terceira idade e as pessoas nas zonas vulneráveis e propensas a inundações tivessem e conhecessem um plano de resposta ao temporal; para assegurarem que os abrigos estivessem bem abastecidos de água, alimentos e lugares para dormir e que fossem capazes de receber um grande afluxo de pessoas; para verificarem se os hospitais e outras instalações médicas estivessem capacitados para lidar com uma enorme crise de saúde pública e outras medidas vitais que são urgentemente necessárias – e que são bastante previsíveis e possíveis de implementar. Não é preciso nenhuma grande inovação tecnológica, análise da devastação iminente ou produção de abrigos, alimentos, água ou cuidados médicos para concretizar isto. A capacidade para determinar e fornecer todas estas coisas já existe.

Sob este sistema capitalista, lidar com estas necessidades ambientais e humanas extremas nem sequer faz parte da equação.

Isto não tem de ficar assim tão mal

Antes da chegada do furacão, Trump reuniu-se com o governador Abbott do Texas – um parceiro fascista. Eles disseram que estavam a tratar dos preparativos para o temporal – e faltavam apenas algumas horas para ele atingir uma grande cidade! Aquilo para que eles de facto se estavam a preparar foi para controlar seres humanos sobre os quais estava prestes a cair um grande desastre e inundar as vidas deles. Eles estavam a preparar-se para manterem alguma sensação de estabilidade do sistema deles. Também se estavam a preparar para manterem as cruciais refinarias e produção petrolífera que há em Corpus Christi e em toda a costa do Golfo do Texas e do Luisiana, e que são uma importante fonte de lucro e poder de todo o seu sistema global de pilhagem e opressão.

Trump escreveu no Twitter que o governo, e em particular a FEMA (Agência Federal de Gestão de Emergências) estava “pronta” para lidar com o Harvey. Mas não foi feito quase nada para se prepararem para esta eventualidade, para além de ordenarem à polícia e às forças da Guarda Nacional que se mobilizassem. E não fizeram nada antecipadamente para mobilizar e organizar as massas populares para enfrentarem e se ajudarem umas às outras para atravessarem esta catástrofe.

Isto não tem de ficar assim tão mal.

Sejamos claros – este temporal é um desastre natural. Mas a maior parte do sofrimento, das mortes e das deslocações que ele traz é causada pelo sistema capitalista-imperialista. Todas as mortes, todos os seres humanos que ficaram sem casa, todas as vidas destruídas pelo Harvey e pelos seus resultados serão um crime deste sistema.

 

EXIGIMOS

  • A expensas do governo: As pessoas devem receber alojamento e cuidados até que possam regressar em segurança às suas casas; os hotéis, os centros de congressos e outros edifícios devem ser disponibilizados às pessoas que precisam de ser albergadas; deve haver comunicações gratuitas para as pessoas poderem contactar os familiares. De imediato, deve haver cuidados médicos de emergência e medidas para impedir epidemias generalizadas e mortes desnecessárias. Não deve haver nenhuma prisão por pretensas pilhagens. Deve haver ajuda de emergência – as pessoas devem receber GRATUITAMENTE água, alimentos, medicamentos e outras necessidades básicas.
  • Devem ser tomadas medidas extraordinárias para distribuir os recursos necessários de todas as lojas às pessoas, a expensas do governo – e sob nenhuma circunstância se deve balear ou prender aqueles que retiram os recursos de que necessitam.
  • Ao mesmo tempo que devem ser disponibilizados todos os recursos para albergar as pessoas, não de deve permitir que o governo trate as pessoas como animais, como aconteceu no Katrina – todos os abrigos devem ser geridos de uma maneira digna e humana, recorrendo o mais possível à criatividade das pessoas e permitindo, o mais possível, que as pessoas tenham uma palavra a dizer sobre como eles são geridos.
  • A situação das pessoas e os pontos de vista delas sobre a situação devem ser completamente cobertos nas notícias, dando às próprias pessoas acesso aos meios de comunicação e a possibilidade de contarem as suas próprias historias.
  • As necessidades de todos devem ser satisfeitas, dando prioridade àqueles com necessidades mais urgentes. Deve haver uma evacuação imediata, ordenada e segura. Se necessário, os eventos nas povoações vizinhas devem ser cancelados para alojar as pessoas. Não devem ser evacuadas pessoas em situações que possam reproduzir doenças e perigos.
  • Deve haver intensos esforços de busca e salvamento em todas as zonas. NÃO se deve deixar que as pessoas morram. Todos os recursos necessários, incluindo a mobilização de voluntários, devem ser deslocados para minorar esta situação. O governo não deve reprimir as pessoas que se voluntariam nem impedi-las de ajudarem e, em vez disso, deve ajudar esses esforços.
  • Não deve haver nenhum aproveitamento nem especulação com o sofrimento das pessoas por parte dos tubarões das companhias de seguros, dos monopólios petrolíferos, das promotoras imobiliárias, etc.
  • Os serviços de imigração ICE devem ser mantidos longe dos hospitais, dos abrigos, das escolas, das prisões e de outros lugares chave durante esta emergência – e esta política deve ser publicamente difundida e noticiada. As pessoas não devem ser obrigadas a escolher entre afogarem-se ou morrerem nas inundações, ou perderem os filhos através da separação permanente dos seus entes queridos ao serem espalhados pelo globo.
 

Houston, 3º dia:
As pessoas lutam para sobreviverem à catástrofe

Mensagem da Patrulha Fronteiriça
perante o furacão Harvey:
“Não vale a pena salvar” os imigrantes

A Patrulha de Alfândegas e Fronteiras dos EUA (CBP, Customs and Border Patrol) emitiu um comunicado na quinta-feira em que diz que os seus postos de controlo fronteiriço se iriam manter abertos durante o furacão Harvey. Nessa altura, a previsão era de que o Harvey iria devastar a zona do Rio Grande [Rio Bravo], que faz fronteira com o México, ameaçando assim a vida das pessoas que não forem evacuadas. Para os imigrantes indocumentados que vivem nessa zona, a decisão da CBP pode ter sido uma condenação à morte. (Acabou por acontecer que essa zona escapou ao maior impacto do furacão. Embora a situação possa vir a mudar, no momento em que escrevemos não há a mesma urgência de evacuação generalizada.)

Os postos de controlo da Patrulha Fronteiriça estão localizados numa faixa de 160 km de fronteira. As pessoas que moram no Vale do Rio Grande e que tentassem procurar lugares seguros perante o temporal, incluindo os indocumentados, não teriam conseguido ir para norte ou para oeste sem passarem por um posto de controlo. Ao mantê-los abertos, a Patrulha Fronteiriça pôs conscientemente em perigo a vida das pessoas indocumentadas e das famílias mistas, que teriam de escolher entre os riscos do furacão ou da deportação. Isto é uma mudança em relação à política que esteve em vigor durante os furacões anteriores, altura em que a sua implementação foi suspensa. Lorella Praeli, a diretora de políticas e campanhas de imigração da ACLU, condenou esta decisão:

Isto é uma decisão repugnante da Patrulha Fronteiriça que rompe com as práticas do passado. A Patrulha Fronteiriça nunca deveria manter abertos os postos de controlo durante nenhum desastre natural nos Estados Unidos. Toda a gente, independentemente da cor de pele ou da origem, vale a pena ser salva.

No dia seguinte, a Patrulha Fronteiriça anunciou que só seriam encerrados os postos de controlo diretamente no caminho do furacão. E, uma vez mais, deixou claro que nenhum imigrante indocumentado estaria a salvo de ser preso e deportado: “As leis não serão suspensas e nós estaremos vigilantes contra qualquer esforço por parte de criminosos para explorarem as perturbações causadas pelo temporal.” Por outras palavras, o regime de Trump e Pence iria usar o furacão Harvey para apontar uma arma à cabeça das famílias imigrantes: arrisquem ser mortos pelo furacão ou pelas inundações – ou serão apanhados por agentes da imigração e terão as vossas famílias separadas, encarceradas e/ou deportadas. É isto o que significa ser imigrante nuns Estados Unidos sob um regime fascista.

A sobre-exploração e a vilificação e criminalização dos imigrantes indocumentados é há muito tempo a postura do imperialismo norte-americano. Mas, para o regime de Trump e Pence, os ataques abertos e a criminalização dos imigrantes são uma das bases da legitimação da supremacia branca aberta e da xenofobia anti-imigrantes. Só na última semana aconteceu o seguinte: Trump perdoou e elogiou Joe Arpaio, o xerife sem coração que durante muitos anos usou perfis raciais e brutalizou os imigrantes, ao mesmo tempo que dizia aos tribunais para irem para o inferno; Trump ameaçou paralisar o governo se o Congresso não aprovasse fundos para construir o muro na fronteira com o México; deu indicações de estar prestes a acabar com o DACA, o programa que permitia que as pessoas indocumentadas que vieram para os EUA em crianças tivessem a sua deportação adiada e que tivessem permissão para trabalhar e estudar.

A decisão da Patrulha Fronteiriça de deixar que os imigrantes indocumentados morram no furacão e nas inundações ou então que arrisquem a prisão e a deportação, é criminosa, imoral e inadmissível. É uma declaração aberta de que as vidas dos imigrantes não significam nada para eles. Em cada dia que este regime se mantém no poder, avança cada vez mais na consolidação de um estado fascista onde este tipo de atrocidades é “normal”. Basta!

27 de agosto de 2017. O furacão Harvey tem fustigado a costa do Golfo do Texas desde sexta-feira. Primeiro com ventos que ultrapassaram os 210 km por hora. Depois com um quase inacreditável dilúvio de chuva que se prevê venha a continuar durante mais alguns dias. O Serviço Nacional de Meteorologia descreveu o Harvey como sendo “sem precedentes”. “Todos os impactos são desconhecidos, para além de tudo o que é conhecido”, continuou.

No momento em que escrevemos, o número oficial é de cinco mortos. Mas o Presidente da Câmara [Prefeito] de Rockport, uma povoação no caminho direto da trajetória em terra do Harvey, disse numa conferência de imprensa no domingo que os funcionários do Condado [Município] de Nueces o tinham informado que havia “oito mortos na zona de Rockport e Port Aransas”. Também disse que a povoação tinha sido destruída pelo furacão e que muitos dos escombros e ruínas do que apenas alguns dias antes eram casas, lojas e barcos ainda não tinham sido vistoriados.

Várias pessoas morreram nas inundações que cobriram literalmente a zona de Houston. Inúmeras casas e apartamentos estão submersos por um metro ou mais de água. Inúmeros veículos foram abandonados e estão completa ou parcialmente submersos. Nos canais televisivos nacionais foram divulgadas imagens horríveis de pessoas de um lar da terceira idade numa sala com água imunda até à cintura. Um dos principais hospitais públicos da cidade com um dos dois únicos centros de trauma de nível 1 do Condado de Harris foi encerrado e os seus pacientes foram transferidos. Enquanto este temporal continuar, é grande o potencial para mais mortes e para serem encontrados mais cadáveres à medida que as águas retrocedem e se intensificam os esforços de salvamento.

Hoje à noite, 27 de agosto, a situação poder ficar mais perigosa. Está prevista mais chuva – provavelmente uma precipitação de mais de 60 cm. O portal do Serviço Nacional de Meteorologia dizia: “São esperados mais 38 a 64 cm de precipitação na quinta-feira. O total da tempestade nalguns locais pode aproximar-se dos 130 cm. Isto está a causar inundações devastadoras.”

Além disso, o Corpo de Engenharia do Exército norte-americano anunciou no domingo que estava a planear uma “descarga controlada” da água dos dois principais reservatórios da zona ocidental da cidade. A maior parte dessa água irá fluir para os já extravasados bayous que atravessam o centro de Houston. Um responsável do Corpo disse que a descarga – prevista para o início da manhã de segunda-feira – era necessária porque os diques dos reservatórios estão envelhecidos e poderiam não conseguir conter a água que se prevê que venha a subir 10 a 15 cm por hora a partir de segunda-feira. Como noticiou o jornal Houston Chronicle: “O Addicks e o Barker [os diques dos reservatórios] foram construídos para proteger o centro da cidade através do controlo do fluxo de água ao longo do pântano Búfalo Bayou. As coisas não estão a acontecer de acordo com o previsto.”

Lutar para sobreviver ao desastre

As pessoas ao longo da enorme extensão que é a área metropolitana de Houston estão a sofrer o impacto deste temporal. As zonas das classes médias e mais abastadas como a Universidade West, o abastado bairro comercial Galleria e outros bairros cheios de engenheiros da NASA foram inundadas. Vários hospitais do Centro Médico do Texas, o maior complexo médico do mundo, tiveram de fechar as suas barreiras de proteção contra inundações e os funcionários que para lá foram chamados de emergência tiveram de atravessar a água para chegarem ao trabalho.

Mas parece que as povoações industriais e de refinarias a leste e sudeste do centro da cidade foram atingidas de uma maneira particularmente violenta pelos bayous transbordados, com violentas vagas de água castanha a correr pelas ruas e casas e com autoestradas que se assemelhavam a grandes rios. A Rua do Mercado, o centro histórico do 5º Distrito, uma das mais antigas comunidades negras do estado, esteve debaixo de cerca de um metro de água. Pasadena, uma povoação de refinarias ao longo do Canal Naval de Houston habitada sobretudo por chicanos [méxico-americanos] e imigrantes, sofreu grandes inundações.

As pessoas têm lutado para se ajudarem umas às outras e para sobreviverem a este desastre. Uma mulher escreveu numa mensagem de correio eletrónico que quando acordou ficou surpreendida por “ver pessoas comuns a fazerem as suas próprias operações de busca e salvamento. O atual clima político far-nos-ia crer que toda a gente está dividida e que nunca nos poderíamos juntar. Porém, vi pessoas de raças diferentes a ajudarem-se umas às outras. Pessoas que tinham perdido tudo estavam a arriscar as vidas delas para salvarem os seus vizinhos.”

As pessoas fizeram jangadas improvisadas com colchões insufláveis e outros materiais. Um grupo de jovens fez repetidas viagens pela água poluída até à cintura para garantir que famílias inteiras que eles não conheciam fossem levadas para terreno seco. Um homem num apartamento num segundo andar acolheu três famílias de pessoas cujos apartamentos no primeiro andar tinham ficado inundados.

Uma mulher numa povoação perto da Baía de Galveston disse que as autoestradas na zona dela estavam “completamente debaixo de água, ninguém consegue ir a lado nenhum”. Mas ela e outras pessoas do bairro “estamos a ajudar-nos uns aos outros e a garantir que nós próprios ajudamos as pessoas que estão encurraladas ou que não estavam preparadas. Acolhi pessoas que estão agora a viver em minha casa. A água chegou à entrada e depois recuou quando a chuva parou durante algum tempo. Agora não sei o que vai acontecer, provavelmente irá subir novamente quando chover mais. Veremos.”

O Harvey já infligiu muito sofrimento às pessoas na costa do Golfo do Texas. Mas essa dor só está a começar. Não só porque o temporal irá continuar a causar grandes danos nos próximos dias. Mas, mais fundamentalmente, porque este sistema e os seus governantes – em particular os fascistas cristãos, como o governador Greg Abbott, que controlam o Texas e o regime de Trump e Pence que está a trabalhar para consolidar o fascismo neste país – não têm nem o desejo nem a capacidade de satisfazer as necessidades das pessoas.

Milhares de pessoas perderam tudo. As suas casas, os seus apartamentos, as suas mobílias, as suas roupas, os seus veículos, os seus empregos. As escolas que os seus filhos frequentavam; as lojas onde compravam os seus mantimentos; os escritórios, as fábricas e os restaurantes onde trabalhavam; os parques onde tentavam obter alguma diversão – a maior parte disso está destruído.

A falsa compaixão dos fascistas

As autoridades texanas e nacionais têm estado ansiosas por retratar a resposta delas como humana e compassiva. O governador Abbott disse que tinha tudo a ver com “texanos a ajudar texanos”. Sarah Huckabee Sanders, a porta-voz de Donald Trump, disse que “o Presidente Trump continua a salientar a expectativa dele de que todos os departamentos e todas as agências se mantenham completamente empenhadas em apoiar os governadores do Texas e do Luisiana e a prioridade número um dele é salvar vidas”.

Abbott e Trump – ambos abertamente fascistas – sabem perfeitamente que a resposta indiferente e repressiva de George W. Bush à devastação causada pelo furacão Katrina que fustigou Nova Orleães gerou enormes protestos e indignação em relação à presidência dele. Isto levantou questões fundamentais sobre o sistema a que ele presidia, em particular em relação à situação e ao tratamento dos negros nos EUA, historicamente e até hoje. Neste período de enorme deslocação social, aparentemente eles querem parecer compassivos ainda que ao mesmo tempo estejam a instituir formas qualitativamente mais repressivas – fascistas – de controlo sobre toda a sociedade.

Até agora, a resposta das autoridades em Houston e no Texas não tem sido tão abertamente criminosa como foi em Nova Orleães depois do Katrina. O Presidente da Câmara de Houston disse que encoraja e dá as boas-vindas aos esforços de salvamento e apoio por parte dos cidadãos. Dezenas de centros comunitários foram abertos em toda a cidade. Mas por baixo desta miragem de benevolência, a polícia tem aproveitado a crise para manter a brutal repressão e controlo das massas populares. Como disse uma mulher sobre um dos centros de congressos: “A polícia lá dentro está a ser violenta e rude. Não merecemos que nos tratem assim. (...) Somos empurrados, insultados e desrespeitados pela polícia.” (Ver “Vozes de Houston e Rockport: ‘Não merecemos que nos tratem assim’” para ler mais excertos desta e de outras entrevistas.)

Muitas pessoas têm demonstrado grande coragem e compaixão neste tempo de adversidade. Mas a crise que milhões de pessoas estão a atravessar irá agravar-se nos próximos dias, semanas e meses. Este sistema não tem nenhuma capacidade para cuidar do bem-estar das massas populares, e Abbott e Trump não têm nenhuma intenção de sequer fingir fazê-lo.

As exigências emitidas pelo Revolution/Revolución são crucialmente importantes agora, e continuarão a sê-lo nos próximos dias e semanas.

 

31 de agosto: A cascata da catástrofe social e de saúde pública do furacão Harvey; Pôr as exigências nas mãos das pessoas

Publicado online a 31 de agosto de 2017

 

De um(a) leitor(a):

Continua a devastação causada pelo furacão e pelo dilúvio que têm fustigado a costa do golfo no Texas e no Luisiana. Novos terrores têm-se desenvolvido diariamente à medida que o temporal se desloca lentamente para leste. O Presidente da Câmara de Port Arthur, a cerca de 140 km a leste de Houston, enviou uma mensagem que dizia: “Toda a nossa povoação está agora debaixo de água”. A vizinha Beaumont – uma povoação com cerca de 120 mil habitantes – perdeu o seu abastecimento municipal de água quando uma enorme enchente do Rio Neches fez parar a sua principal estação de bombagem. Um responsável da povoação disse: “Neste momento não há nenhuma maneira de determinar quanto tempo levará” (o restabelecimento do fornecimento de água à povoação). O único grande hospital de Beaumont teve de transferir todos os seus pacientes.

Em Crosby, a noroeste de Houston, a fábrica da Arkema Chemical explodiu – duas vezes –, desencadeando “reações químicas” e incêndios. Vários polícias adjuntos que estavam perto das explosões foram hospitalizados e a área ao redor da fábrica foi evacuada. Face a este desastre, o Diretor Executivo da Arkema fez a surpreendente declaração de que o impacto ambiental seria “mínimo”. Entretanto, o jornal Texas Tribune relatou que o diretor do Sierra Club do Texas tinha dito que o fumo dos incêndios e das explosões indica “a presença de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, um conhecido carcinógeno. Dependendo do vento, estes produtos químicos podem propagar-se rapidamente às zonas vizinhas.”

No meio desta cascata de catástrofe social e de saúde pública, as exigências publicadas no Revolution/Revolución começaram a circular. O seguinte texto baseia-se em relatos de algumas das atividades iniciais, entre as quais algumas entrevistas a pessoas em dois dos principais abrigos, o Centro de Congressos George R. Brown [GRB] e a Igreja Lakewood.

Quarta-feira, dia 30. Uma longa fila de pessoas manteve-se durante várias horas no exterior do GRB. Este encheu-se até ao dobro da sua capacidade com pessoas que ficaram sem casa devido ao temporal. Fomos falar às pessoas com as Exigências impressas a partir da página internet do Revolution/Revolución. A maioria das pessoas gostou muito do que estávamos a fazer, ainda que em simultâneo também estivessem muito angustiadas. Em particular, muitas pessoas gostaram que estas exigências concentrassem muitas das lições do que aconteceu com o Katrina. Além disso, embora houvesse agora uma fachada de preocupação por parte das autoridades, muitas pessoas disseram que não se podia confiar nas promessas do governo.

Muitas pessoas não sabiam que Art Acevedo, o chefe da polícia, tinha dado ontem uma conferência de imprensa para anunciar que a polícia ia reduzir os esforços de “busca e salvamento”. Acevedo disse que o foco da polícia ia passar a estar nos “saqueadores” e nas “pessoas que se aproveitam da situação”.

Houve alguma controvérsia em torno disto: muitas pessoas estavam a ser enganadas pelos exageros vindos da comunicação social sobre “pessoas que se aproveitam” da situação para roubar as casas das pessoas. Algumas pessoas disseram ter passado pela experiência de terem sido roubadas quando tentavam escapar às inundações. Isto está a ser usado em grande escala para dividir as pessoas e reforçar o apoio à polícia. Uma mulher na Igreja Lakewood, que tinha sido voluntária no GRB, fez perguntas sobre isto quando leu as exigências que dizem: “Devem ser tomadas medidas extraordinárias para distribuir os recursos necessários de todas as lojas às pessoas, a expensas do governo – e sob nenhuma circunstância se deve balear ou prender aqueles que retiram os recursos de que necessitam.

Muitas pessoas estavam muito céticas em relação à ajuda governamental. Elas sabiam que tudo o que estava a ser feito agora não se devia à bondade do governo. As autoridades no GRB estão a permitir que as pessoas façam chamadas telefónicas e, pelo menos no período imediato, sentem-se obrigadas a parecer úteis. Muitas pessoas estavam lá com os filhos e estavam muito preocupadas com o bem-estar das crianças.

A questão das alterações climáticas foi importante. As pessoas precisam realmente da ciência. A maioria das pessoas parecia apreciar o que estávamos a dizer sobre o facto de o furacão ser natural mas o desastre vir do sistema. Elas também gostaram do facto de muitas das exigências virem da experiência do Katrina. Conhecemos três jovens mulheres originárias de Baton Rouge, onde foram vítimas de inundações há um ano, e que agora foram novamente vítimas delas! As pessoas também falaram sobre como as descargas de água dos dois reservatórios eram evitáveis, dado que já se sabia há vários anos que esses reservatórios tinham um “alto risco” de falharem.

Várias pessoas negras concordaram com a exigência em relação aos ICE: “Os ICE devem ser mantidos longe dos hospitais, dos abrigos, das escolas, das prisões e de outros lugares chave durante esta emergência – e esta política deve ser publicamente difundida e noticiada. As pessoas não devem ser obrigadas a escolher entre afogarem-se ou morrerem nas inundações, ou perderem os filhos através da separação permanente dos seus entes queridos ao serem espalhados pelo globo.”

Além disso, a maioria das pessoas não sabia das horríveis inundações na Ásia que estão a acontecer em simultâneo e como as pessoas aí estão a enfrentar uma situação ainda pior.

Houve alguns apoiantes [brancos] de Trump que em geral não foram amistosos, embora um deles tenha realmente gostado do que estávamos a fazer. Ele disse que tinha votado em Trump. Quando eu lhe disse que Trump é um fascista e lhe expliquei isso, ele como que se riu, dele mesmo, creio eu. Mas depois tivemos uma discussão sobre as alterações climáticas, porque ele disse que estava previsto na Bíblia que ia haver um aquecimento. Ele interessou-se pelo que eu disse sobre a ciência das alterações climáticas, ainda que não tenha ficado convencido. Nesta situação, é irónico, ainda que não surpreendente, que alguns brancos apoiem Trump. Mas também há aberturas criadas por este trabalho, incluindo para o 4 de novembro. As pessoas em geral não sabiam que Trump está a propor cortes orçamentais para a FEMA, mas acharam importante saber isso.

Conhecemos uma mulher negra de 20 e alguns anos que frequenta a Igreja Lakewood (uma mega-igreja fundamentalista que atrai pessoas de todas as etnias), que gostou muito dos nossos esforços. Depois mencionou a teoria da conspiração de que os cientistas estão por trás destas mudanças no clima: “Você ouviu falar no HAARP?” [isto é basicamente a ideia de que os cientistas estão a usar a tecnologia para mudar o clima]. Eu disse-lhe que são os cientistas que têm estado a denunciar as alterações climáticas e que essa conspiração visa esconder o que eles estão a revelar. Estas teorias da conspiração estão a expandir-se em grande escala e acabam por aparecer durante estas crises, mas ela ouviu seriamente o que lhe dissemos sobre isso.

É tudo por agora. Distribuímos muitos folhetos com as exigências, alguns folhetos para o 4 de novembro e algumas cópias do Revolution/Revolución.

Excertos de uma entrevista feita a uma mulher negra com 30 e alguns anos: “Deixaram-nos aqui para morrermos”

Ao início da manhã de sábado, saímos à rua e a água já tinha subido cerca de metro e meio. Por isso, fiz uma publicação ao vivo no Facebook para a minha família e os meus amigos, os meus amigos do Facebook, dizendo: “Ajudem-nos – estamos aqui presos... toda a gente nos andares superiores dos apartamentos está a pedir ajuda”. Então os meus amigos começaram a dar-me o número de segurança da Guarda Nacional e eu liguei para esse número e estava ocupado, está ocupado, e eu fiquei como que – caramba, tenho de tirar daqui os meus filhos, a minha mãe e todas as outras pessoas.

Assim, tivemos literalmente de nos vestir adequadamente e nadar, num metro e meio de água, só para chegarmos à autoestrada. Quando estávamos a chegar lá, começámos a ver cobras e outras coisas, pelo que tivemos de nos apressar e de saltar para a autoestrada, para a segurança. Vimos uma espécie de carro de bombeiros a chegar e eu tive de saltar para o meio da estrada para lhe fazer sinal. Subimos para o carro dos bombeiros e eles levaram-nos para uma estação do metro rua abaixo (...) e um autocarro do metro levou-nos até ao departamento de saúde do 3º Distrito.

Uma vez aí chegados, sentámo-nos lá durante muuuiiito tempo, simplesmente molhados, tremendo de frio. Não nos deram nenhuma manta, não nos deram nada para nos aquecermos, e tivemos de ficar ali sentados durante muito tempo até um outro autocarro chegar e nos trazer para aqui (Centro de Congressos George R. Brown). E assim que aqui chegámos estava tudo muito, muito descontrolado – estava toda a gente descontrolada... as pessoas não tinham a atenção médica de que necessitavam. Estou a falar de pessoas que caíam, de pessoas com ataques de asma e coisas assim – era simplesmente um descontrolo total. E assim que nos tiveram lá, começaram a alimentaram-nos com bolachas, com pão, não alimentando adequadamente as crianças. Homem, era um desastre total.

Mas agora como que ficou um pouco melhor, já que nos estão a enviar voluntários e outras coisas, por isso acabei por ver progressos a cada dia. Melhorou. Mas o facto de não sabermos quando podemos sair, ou o que fazer quando sairmos, é realmente deprimente porque algumas pessoas simplesmente não podem voltar para casa, porque está tudo destruído. Como eu, na minha situação, nem sequer sei qual será o meu próximo passo. Por isso, francamente não sei que fazer. Porque todas as pessoas a que faço perguntas – não sabem o que está a acontecer...

Tudo aquilo por que trabalhei arduamente, toda a minha vida – desapareceu. E o que é realmente irracional nisto é, como é que as pessoas que aparecem nos noticiários não ordenaram uma evacuação obrigatória – como se isto fosse simplesmente algo que aconteceu a partir do nada? Como se eles nem sequer quisessem que partíssemos, que saíssemos daqui, que nos preparássemos, nada. Ficaram à espera até a água subir metro e meio para começarem a deslocar as pessoas? Não, não é assim que se trata das coisas. Basicamente, deixaram-nos aqui para morrermos.

Dois jovens do 5º Distrito: O Homem dos Picles

Quando chegámos ao Centro George R. Brown – não sabíamos que vínhamos para aqui. Descobrimos isso a falar com outras pessoas. Saímos dos apartamentos no 5º Distrito. E quando começámos a caminhar a água estava tão alta que nos chegava aos joelhos. E enquanto estávamos a caminhar, a água começou a subir tanto que nos chegava ao peito. Pelo que quase caímos à água e sentimos que quase nos estávamos a afogar. Mas erguemo-nos de novo e começámos a caminhar até à autoestrada. Assim que conseguimos lá chegar, caminhámos em cima da autoestrada para podermos chegar a um lugar mais elevado...

Não ficámos desconcertados. Nunca ficámos desanimados. Por isso – só tínhamos de caminhar com fé; nunca caminhar contra a fé. Assim, espero que toda a gente que está lá fora, a ouvir esta mensagem – Mason e Tidwell no 5º Distrito estão totalmente inundados. Não vão para esses lados.

No 5º Distrito há um homem, chamamos-lhe o Homem dos Picles. Ele vende os picles do bairro a toda a gente. Às vezes oferece picles às crianças e aos pais só para ver as pessoas com um sorriso na cara enquanto ele estava por lá. Ele estava lá fora num caminhão. Ele estava lá num caminhão de despejar terra, estava a conduzir um caminhão desses. Nós estávamos a ajudar as pessoas em cadeiras de rodas, empurrando-as e tudo isso.

Algumas pessoas não conseguiam subir para o caminhão, pessoas que eram deficientes. Ele estava a deixar os deficientes entrar primeiro. E toda a gente dizia: deixem os deficientes entrar primeiro, antes de nós. Nós somos mais fortes. Temos pernas e somos mais saudáveis. Há crianças pequenas que estão lá fora a passar por tudo o que está a acontecer agora; esta é a primeira vez que elas estão a passar por inundações – se nos conseguirmos manter fortes, se conseguirmos aguentar isto... Eu estou a dar-vos todo o encorajamento e a encorajar também os vossos pais.

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