Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 13 de Outubro de 2008, aworldtowinns.co.uk
O seguinte artigo de Raymond Lotta foi publicado no n.º 145, com a data de 19 de Outubro de 2008, do Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (revcom.us/a/145/financial_crisis-en.html em inglês ou revcom.us/a/145/financial_crisis-es.html em castelhano).
Furacão financeiro atinge o capitalismo mundial:
O fracasso do sistema e a necessidade da revolução
Por Raymond Lotta
A mais séria crise financeira desde a Grande Depressão não dá nenhum sinal de diminuir. O edifício financeiro do imperialismo norte-americano está em perigo de se desagregar. A classe dominante dos EUA está a confrontar o que o presidente da Reserva Federal Ben Bernanke descreve como uma crise de “proporções históricas” – e que está a remendar apressadamente medidas desesperadas para impedir o colapso global. Desde Abril, deixaram de existir três dos maiores bancos independentes de investimento de Wall Street. O governo teve que assumir uma importante posição no American International Group (AIG), a maior seguradora do mundo, para a impedir de se desmoronar. Agora, o Tesouro dos EUA está a considerar tomar posições accionistas em grandes bancos norte-americanos.
Esta crise está a amplificar-se a nível internacional. A Europa Ocidental enfrenta a falência de grandes bancos e os governos estão a criar os seus próprios pacotes de salvação. A bolsa de valores da Rússia tem suspendido intermitentemente as suas operações. Os mercados financeiros da Ásia mergulharam de focinho. A economia do México cambaleia, à medida que encolhem as suas exportações.
Duas coisas se salientam nesta crise. Primeiro, há a ferocidade dos seus choques globais e a velocidade com que se espalhou. Segundo, ao contrário das crises financeiras e de dívidas dos últimos 30 anos que em grande parte se centravam no Terceiro Mundo, esta crise explodiu inicialmente nos EUA, a principal economia capitalista do mundo, e está concentrada nos centros financeiros do capitalismo mundial.
O sector financeiro liderado pelos EUA, que desempenha um papel dominante e definidor na ordem capitalista global, recebeu um gigantesco golpe. Isso terá enormes repercussões, não só para a estabilidade do sistema capitalista mundial mas para alterações de poder e rivalidades dentro dele.
Muitos comentadores progressistas colocaram a culpa desta crise na fraude e na cobiça, ou numa regulação negligente. Tudo isso está certamente em jogo. Mas essas explicações não chegam à essência do que está a acontecer, à raiz do problema. Esta crise é o resultado dos mecanismos fundamentais do sistema capitalista.
A análise que se segue está enquadrada nestes pontos fundamentais:
1) Há uma relação essencial entre a vasta amplificação do sector financeiro dos EUA e o fenómeno geral da financeirização e aprofundamento da globalização da produção capitalista dos últimos 15 anos. E central nesta dinâmica tem sido a relação entre o imperialismo norte-americano e a China.
2) Durante esse crescimento e expansão, foram criados severos desequilíbrios entre o sistema financeiro – e a sua expectativa de futuros lucros – e a acumulação de capital, isto é, as estruturas e a produção real e o reinvestimento do lucro baseado na exploração do trabalho assalariado.
3) Um “pequeno segredo sujo” desta crise é o enorme peso da militarização da economia dos EUA.
4) Esta crise é uma expressão concentrada da anarquia da produção capitalista – o facto de a produção não ser levada a cabo segundo nenhum plano consciente e racional ao nível de toda a sociedade, muito menos a nível internacional.
O pano de fundo da crise
No início dos anos 2000, no rescaldo do colapso das acções das empresas de alta tecnologia, a Reserva Federal dos EUA tentou estimular os empréstimos e o crescimento. Baixou as taxas de juros e injectou capital no sistema bancário. Os bancos tiveram acesso a crédito barato e abundante. E, através da fraude e de um marketing agressivo, pressionaram as pessoas a fazerem hipotecas. A Reserva Federal continuou a injectar capitais baratos no sistema bancário – ajudando a escorar empréstimos e alimentando uma bolha habitacional especulativa de longo prazo.
Os bancos venderam essas hipotecas a bancos de investimento. Por sua vez, os bancos de investimento empacotaram esses empréstimos juntamente com outros empréstimos, criaram produtos financeiros complexos e venderam-nos a grandes investidores – dos EUA e de outras partes do mundo, sobretudo da Europa Ocidental. Esses títulos de base hipotecária, como são chamados, circularam nos mercados financeiros e tornaram-se na base de outros empréstimos. A garantia final dessa cadeia de empréstimos eram as hipotecas originais. Por isso, quando caíram os preços da habitação, e à medida que um crescente número de detentores de hipotecas se viram impossibilitados de pagar os empréstimos, muita dessa garantia original ficou quase sem valor.
Todo este processo é um obsceno exemplo de como neste sistema capitalista algo tão básico como uma habitação se torna num instrumento financeiro objecto de especulação. Isto gerou uma situação em que hoje em dia 1 em cada 6 proprietários de imóveis nos EUA deve mais pela hipoteca que o valor da sua casa; onde 1 em cada 65 casas da Califórnia está nalguma fase de execução da hipoteca; e onde um número desproporcionado de famílias negras e latinas foram vítimas de empréstimos predatórios e sofreram incríveis perdas dos poucos bens que possuíam.1
A AIG tinha obtido enormes lucros a nível internacional vendendo seguros a investidores que detinham muitos desses títulos de base hipotecária. Esses investidores seriam reembolsados pela AIG caso os empréstimos incluídos nesses pacotes financeiros que eles tinham comprado deixassem de ser pagos e não pudessem ser reembolsados. Mas, em meados de Setembro, a AIG não conseguiu cobrir os enormes prejuízos dos empréstimos nem obter empréstimos de capitais nos mercados financeiros suficientes para se manter. A AIG estava tão interligada a outros grandes intervenientes financeiros que, se a empresa se fosse abaixo, provavelmente teria atingido outras empresas.
Face à crescente crise financeira, o estado imperialista interveio. Actuou como representante do capital e como guardião dos interesses do capital. A classe dominante dos EUA enfrentava um perigo duplo: crescentes perdas e bancarrotas no sector financeiro e o estrangulamento dos canais de empréstimo, o que poderiam levar a economia a uma rápida espiral descendente.
Basicamente, o governo tomou a AIG. E, a 19 de Setembro, o Secretário do Tesouro Henry Paulson anunciou um pacote de salvação de 700 mil milhões de dólares. A essência do pacote era o governo comprar os títulos de base hipotecária afectados e que atolavam o sistema financeiro e através disso conseguir que os empréstimos continuassem de novo. Mas a anunciada salvação não desbloqueou os mercados de crédito nem acalmou as bolsas de valores. Nem restabeleceu a confiança internacional na economia norte-americana.
Dando um passo atrás
Esta crise começou no sistema bancário. O factor mais imediato que a despoletou foi o rebentamento de uma bolha imobiliária especulativa, as perdas em cascata no sector financeiro, a incapacidade das instituições financeiras afectadas para obterem capital e a indisponibilidade de outras para emprestar capital.
A um nível mais profundo, esta crise é o resultado de um trajecto particular do crescimento do mundo capitalista.
Tem havido uma massiva nova vaga de globalização. Uma das características mais significativas do crescimento e da expansão mundiais dos últimos 15 anos tem sido a crescente integração da economia capitalista mundial. Isso está a ocorrer tanto ao nível da produção como do comércio – como as partes de um computador serem fabricadas em diferentes partes do mundo; e, no caso dos iPod, serem totalmente fabricados na China. E está a acontecer ao nível financeiro – em que os bancos operam globalmente e estão mais fortemente interligados uns aos outros por redes de empréstimo e mesmo, como no caso da AIG, de seguros dos riscos dos empréstimos.
Esta nova vaga de globalização tem envolvido investimentos produtivos e financeiros directos no estrangeiro. Tem envolvido a expansão do outsourcing e da subcontratação. E, central nisto tudo, a integração mais completa no mercado capitalista mundial de países produtores e exportadores do Terceiro Mundo – e a criação de uma economia industrial de trabalho barato e globalmente integrada.2
Quarenta por cento das importações que entram nos EUA são trazidas por multinacionais norte-americanas – e isto nem sequer inclui as subcontratações feita por empresas como a Walmart. Trinta por cento dos lucros das multinacionais norte-americanas são gerados no estrangeiro. A China, que se tornou numa fábrica de alta exploração e alto lucro para o capitalismo internacional, tem estado no epicentro desta recente vaga de globalização.3
Do ponto de vista das necessidades de uma globalização lucrativa, vários elementos de desregulação – por exemplo, o levantamento das barreiras às transferências e trocas rápidas de capital – foram essenciais. Foi por isso que tanto os Republicanos como os Democratas promoveram a desregulação. De facto, a administração Clinton nos anos 90 representou um decisivo papel na desregulação. Negociou os chamados acordos de comércio livre com países do Terceiro Mundo e ajudou a reduzir as restrições aos sectores bancário e de telecomunicações dos EUA.
A trajectória do crescimento capitalista dos últimos 15 anos também envolveu um reforço da financeirização. Nesta plataforma de uma produção e exploração mais globalizadas, o sector dos serviços financeiros dos países capitalistas avançados cresceu muito rapidamente.
Num campo global muito acelerado de fluxos cada vez mais móveis e volumosos de capital de investimento – onde as consequências dos lucros e das perdas são enormes – o capital requer todo o tipo de gestão do risco. Os bancos de investimento e outras instituições financeiras fornecem serviços financeiros de “protecção” contra as variações das taxas de juros, as flutuações das divisas e outras fontes de volatilidade e perdas. Ao mesmo tempo, as actividades financeiras tornaram-se numa maior fonte de lucros especulativos e de curto prazo. Numa atmosfera intensamente competitiva por quotas dos mercados financeiros, os bancos de investimento foram criando produtos financeiros cada vez mais complexos e exóticos. Os recursos financeiros globais aumentaram de 12 biliões [milhões de milhões] de dólares em 1980 para quase 200 biliões de dólares em 2007, ultrapassando em muito o crescimento da produção mundial ou a expansão do comércio.4
O crescimento dos países capitalistas avançados durante os últimos 15 anos foi sendo cada vez mais liderado pelo sector financeiro e comandado pelo crédito. Os EUA estiveram no epicentro desse processo de reforço da financeirização. Em 2005, o sector industrial da economia dos EUA tinha caído para 12% do PIB (a produção de bens e serviços) dos EUA, enquanto o sector dos serviços financeiros, que inclui os sectores financeiro, segurador e imobiliário tinham crescido para 20%. Em 1982, a percentagem do sector financeiro nos lucros empresariais totais estava imediatamente acima dos 5%; em 2007, a percentagem financeira dos lucros empresariais tinha subido muito rapidamente para 40%!5
As contradições do desenvolvimento
Estes processos interligados da globalização e da financeirização levaram, em última análise, a desequilíbrios e instabilidades insustentáveis. A dinâmica que alimentou o crescimento gerou novas barreiras à acumulação lucrativa de capital. As forças transformaram-se em vulnerabilidades.
Entre elas contam-se:
- Um empolamento do sector financeiro em relação à base produtiva.
- Um gigantesco crescimento da dívida e dos défices comerciais e governamentais nos EUA, que necessitam de gigantescos e ininterruptos fluxos de capital de todo o mundo, com os bancos centrais do Japão e cada vez mais da China a deterem enormes partes da dívida do Tesouro dos EUA.
- Biliões e biliões de dólares de recursos em papel que não podem ser transformados em bens reais, produtivos e materiais.
- O consumo e o crédito nos EUA estimularam o crescimento da China, mas o vertiginoso crescimento industrial da China alimentou ainda mais o défice comercial dos EUA e as pressões competitivas intensificaram-se em toda a economia mundial.
- A expansão do crédito, que estimula o crescimento mas que aumenta a fragilidade financeira global.
Estamos a ver as coisas a transformarem-se no seu oposto. As instituições financeiras tentaram reduzir o risco e lucrar com o risco dispersando os mais variados instrumentos financeiros por uma gama mais vasta de investidores a nível internacional. Mas este processo atraiu os investidores, essas mesmas instituições e agora os governos para um vórtice de vulnerabilidade e crise. O reforço da globalização da produção e dos mercados, a interligação mais íntima das economias, criou condições para os mais rápidos e mesmo mais extensos efeitos da propagação da crise em todo o mundo.
Um nó de contradições
Uma preocupação estratégica da classe dominante dos EUA é a força internacional do dólar. O dólar é a principal divisa do mundo para o estabelecimento de transacções, o pagamento de dívidas e a retenção de reservas de divisas estrangeiras (os rendimentos do comércio e do investimento que se tornam parte das reservas dos bancos centrais estrangeiros). O dólar tem sido um pivô da supremacia global dos EUA e de toda a actual ordem económica global.
O dólar também é um bem de investimento – as principais divisas são compradas, vendidas e negociadas nos mercados internacionais de divisas. O valor do dólar sobe e desce em relação às outras divisas e em resposta às tendências e desenvolvimentos políticos e económicos internacionais. Se os bancos centrais e os investidores estrangeiros se afastassem significativamente do dólar, isso poderia desencadear uma crise monetária global e/ou fortalecer a posição de divisas rivais (como o euro) e potências rivais.
Trata-se de terrenos inexplorados para os governantes dos EUA: quanto à escala e complexidade da crise, quanto à magnitude das operações de salvamento requeridas para impedir a falência financeira e quanto à rapidez com que esta crise se está a desenvolver. Um investigador de economia de Harvard descreveu isso desta forma: “Como aprendizes de feiticeiro, nós criámos coisas que não compreendemos e que não conseguimos controlar facilmente”.6
O imperialismo norte-americano tem pouca margem de manobra. Os EUA já são o país mais devedor do mundo. Está envolvido em dispendiosas guerras no Iraque e no Afeganistão, por um maior império. E os dois candidatos presidenciais, John McCain e Barack Obama, estão empenhados na “guerra global ao terror” dos EUA – o guarda-chuva sob o qual os EUA estão a levar a cabo essas guerras pelo império.
O imperialismo norte-americano tentou valer-se da sua superior força militar numa nova ordem mundial e garantir a sua supremacia global durante as próximas décadas. Os gastos com a defesa ou com ela relacionados totalizaram mais de 1 bilião de dólares no ano fiscal de 2008.7 E a produção e a investigação de pendor militar há muito que estão profundamente embutidas na economia dos EUA. Todo o sistema imperialista baseia-se no domínio de vastas partes do globo pela força bruta, com o colosso militar dos EUA a desempenhar um papel especial. Os custos da preservação e do alargamento pela força do império norte-americano é um dos pequenos segredos sujos da dinâmica desta crise sobre o qual pouco se tem falado.
Aqui entra em jogo uma importante dialéctica. “O domínio militar dos EUA”, escreve Kenneth Rogoff, antigo economista principal do Fundo Monetário Internacional, “tem sido um dos pivôs do dólar”8. Mas esse domínio militar e as guerras que os EUA estão a levar a cabo ficaram cada vez mais dependentes do afluxo permanente de capital estrangeiro para os EUA (ao ritmo de 3 mil milhões de dólares por dia). A sua continuação requer que a economia dos EUA e o dólar permaneçam estáveis. Isto é uma importante contradição para o imperialismo norte-americano.
O imperialismo norte-americano enfrenta novos desafios competitivos e o surgimento de potenciais constelações de grandes potências imperiais rivais – competindo por um quinhão do mercado, pelo controlo dos recursos energéticos e por uma posição geopolítica.
Capitalismo de emergência
As pessoas estão a perder as suas casas. Desde meados de 2007, os planos de poupança reforma perderam 20% do seu valor com o colapso das bolsas de valores. Os fundos para programas sociais e serviços vitalmente necessários a nível estadual e local têm sido comprimidos pela crise financeira e pela desaceleração económica. Em grande parte do Terceiro Mundo, os preços dos alimentos dispararam durante o último ano, em parte devido à especulação financeira, e a fome tem alastrado.9
Ao mesmo tempo que o futuro de milhões de pessoas está em risco, qual é a preocupação suprema dos que estão no topo da pirâmide do poder económico e político? É a protecção de um sistema financeiro que se baseia num sistema global de exploração; é a salvação dos proprietários e investidores que beneficiam desse sistema.
Isto não é um “socialismo para os ricos” nem um plano de salvação das pessoas. É um capitalismo de emergência para a classe capitalista: injecções de capitais e garantias, aquisições governamentais, liquidações selectivas e de redução de custos, restruturação das regulações; e é um capitalismo ainda mais brutal para todas as outras pessoas: austeridade, uma mais intensa exploração internacional, e mais miséria para as pessoas em todo o mundo.
A versão oficial é que esta crise deriva de falhas específicas e de más práticas que podem ser corrigidas: uma “cobiça excessiva”, “irresponsabilidade de Wall Street”, “regulações antiquadas” ou “não impostas”.
A verdade é que esta crise tem causas estruturais profundas na própria natureza do sistema – na busca do lucro, e não da satisfação das necessidades humanas, e no funcionamento anárquico do capitalismo mundial.
Estamos a ver como os meios através dos quais o capitalismo se expande e “inova” levaram a novas barreiras e a fortes ventos de “destruição criativa” – com biliões de dólares do valor dos bens a serem destruídos no turbilhão dos mercados. Com estas convulsões, os imperialistas visam impor uma nova liberdade e promovem uma maior consolidação e monopolização. O Banco da América absorveu o gigante banco de investimentos Merrill Lynch. A Lehman Brothers foi forçada à falência.
Quem quer que seja que ganhe as eleições presidenciais [norte-americanas] estará a herdar um sistema financeiro desgastado e enormes défices governamentais. Não será um período de expansão dos gastos sociais, mas sim de intervenção governamental mais directa nos mercados financeiros e de redução dos gastos sociais.
O ponto da situação
Esta crise financeira em curso e a intensificar-se serve de perfil e de relato da situação sobre o capitalismo do século XXI:
Um mercado de hipotecas subprime que antes florescia e estava ligado à capacidade das instituições financeiras dos EUA para venderem garantias aos bancos europeus e de o Tesouro dos EUA beneficiar dos rendimentos das exportações da China, rendimentos esses gerados nas fábricas de exploração ligadas às redes de subcontratação das empresas ocidentais.
Os mercados imobiliários a cair. O “dinheiro inteligente” procura “lugares seguros” para mudar o seu capital. Parte dele desloca-se para mercados de bens futuros como o arroz. Por isso, os preços dos alimentos espiralam em resposta aos estratagemas de investimento de pessoas que sabem e não se preocupam com as necessidades alimentares e com a produção de alimentos. Em países como o Haiti, as mulheres que já não conseguem obter alimentos básicos estão a alimentar os filhos com bolos de lama.
Um banco francês, com os seus bens a mergulhar a pique em valor e com a cadeia financeira capitalista global a estalar por todo o lado, vê-se agora com “empréstimos não-executáveis”. Tem que “melhorar os seus resultados” e sofre pressões para reduzir ou eliminar os créditos comerciais a um país em África que depende das importações de alimentos e onde as pessoas já gastam 50% dos seus rendimentos em comida.
Apesar dos desconcertantes avanços da tecnologia e do conhecimento humano, e apesar de o desenvolvimento da sociedade humana ter trazido a humanidade para um limiar histórico onde é agora possível não só superar a penúria e a exploração mas também forjar arranjos sociais onde os seres humanos possam verdadeiramente florescer – apesar de todo este potencial, a vida social e económica está gravemente sob um doloroso constrangimento e os ecossistemas do planeta estão ameaçados. Não é por falta de recursos ou conhecimento.
Tudo o que foi descrito neste artigo é o resultado das relações e do domínio do capital, resultado do funcionamento de um sistema motivado por uma brutal competição e uma acumulação cega de lucro baseado na exploração – e apoiado numa enorme força militar.
No coração do capitalismo, há um desastre financeiro. No Terceiro Mundo, milhões de pessoas já estão a sofrer a devastação de uma crise alimentar global. Este sistema é um horror e um fracasso. Será necessário que a humanidade viva desta forma?
O jornal The Washington Post de 10 de Outubro trazia um artigo com o título e a pergunta “O Fim do Capitalismo Americano?” Nos fóruns e na comunicação social, os principais governantes e analistas burgueses têm discutido se esta crise, inclinando-se para fora de controlo e ameaçando uma maior calamidade económica, sugere que haja algo de fundamentalmente errado com o capitalismo. E a resposta enfaticamente dada é a mesma: “o sistema pode não estar a funcionar de forma optimizada, mas não há nenhuma alternativa, apenas graus e variações do capitalismo”.
Mas há um outro caminho. É possível pegar nos recursos produtivos da sociedade e desenvolvê-los e distribui-los de uma forma racional, planeada e por toda a sociedade, de forma a satisfazer as necessidades humanas e salvar o planeta. É possível estabelecer uma forma radicalmente diferente de poder estatal e criar uma sociedade e instituições que libertem a criatividade das pessoas e que promovam a iniciativa e a diversidade numa atmosfera que destaque a comunidade humana.
A questão do socialismo, do comunismo e da revolução não podia ser mais relevante... e mais urgente.
Para ser claro, a revolução não é um estribilho para muitas coisas novas ou muitas mudanças. A revolução tem um significado muito específico: as pessoas libertarem-se do sistema, afastando a velha classe dominante do seu poder político-económico-militar; e criando um novo poder com novos sentidos e objectivos e com os meios para impor esses sentidos e objectivos.
Tão grave quanto seja esta crise, com toda a destruição que está a provocar, o sistema não se desmoronará automaticamente sob o seu próprio peso e desordem. Na ausência de uma revolução, o capitalismo voltará a reorganizar-se – à sua própria imagem e com um custo social inimaginável.
E independentemente de toda a agonia que a crise inflige, isso não se irá traduzir automática e espontaneamente num sentimento e numa consciência progressista, radical e revolucionária. Estão em campo outras forças que fazem trabalho político e ideológico: populistas reaccionários como o comentador televisivo Lou Dobbs (“culpai os estrangeiros e os imigrantes ilegais”) e a candidata vice-presidencial Sarah Palin que atraem uma base social para o religio-fascismo. A candidatura de Obama está a canalizar o desencanto e a vontade de mudança directamente de volta ao sufocante abraço do sistema político (“a mudança em que podemos acreditar” não é senão uma mudança aceitável para os poderes instalados).
Estamos numa situação altamente carregada. As coisas podem mudar muito depressa. O sistema está a revelar muito sobre a sua natureza de base. Abalos ainda maiores podem surgir e a indignação pode crescer repentinamente e dar lugar a uma resistência vinda de todo o lado. Temos que agarrar o potencial da situação. Temos que estar lá fora a apresentar uma concepção e a apresentar a visão de um mundo libertador. Temos que ascender aos novos desafios políticos e ideológicos nas entranhas da besta.
NOTAS
1. Dados de James R. Hagerty e Ruth Simon, “Housing Pain Gauge: Nearly 1 in 6 Owners ‘Under Water’” [“Medida da Dor Habitacional: Quase 1 em Cada 6 Proprietários ‘Debaixo da Linha de Água’”], Wall Street Journal, 8 de Outubro de 2008; RealtyTrac, “Foreclosure Activity Up 14 Percent in Second Quarter” [“Actividades de Execução de Hipotecas Crescem 14% no Segundo Trimestre”], Realtytrac.com, 25 de Julho de 2008. Um estudo publicado no início deste ano calcula as perdas totais de riqueza sofridas por negros, latinos e outras famílias minoritárias devido aos empréstimos bancários subprime nos últimos oito anos como sendo a maior perda de riqueza das pessoas não brancas na história recente dos EUA (United for a Fair Economy, Foreclosed: State of the Dream 2008).
2. Entre os estudos informativos sobre as origens e o desenvolvimento de uma economia industrial de trabalho barato globalmente integrada, ver Michel Chossudovsky, The Globalization of Poverty and the New World Order [A Globalização da Pobreza e a Nova Ordem Mundial] (Quebec: Centre for Research on Globalization, 2003); e sobre a indústria globalizada em relação à financeirização, ver William Millberg, “Shifting Sources and Uses of Profits: Sustaining U.S. Financialization with Global Value Chains” [“Fontes em Alteração e Utilização dos Lucros: Sustentar a Financeirização dos EUA com Redes Globais de Valor”], Economy and Society, Vol. 37, n.º 3 (Agosto de 2008), págs. 420-451.
3. Dados de Milberg, “Shifting Sources...”
4. Jeffrey Garten, “We Need a New Global Monetary Authority” [“Precisamos de uma Nova Autoridade Monetária Global”], Financial Times, 25 de Setembro de 2008. Sobre a financeirização como forma de também conter a desordem financeira e impor ao capital uma disciplina de maximização do lucro, ver Christopher Rude, “The Role of Financial Discipline in Imperial Strategy” [“O Papel da Disciplina Financeira na Estratégia Imperial”], em Leo Panitch e Colin Leys, eds., Socialist Register 2005: The Empire Reloaded, Londres: Merlin Press, 2004.
5. Kevin Phillips, Bad Money [Dinheiro Mau] Nova Iorque: Viking, 2008), pág. 5; Robert Wade, “The First-World Debt Crisis of 2007-2010 in Global Perspective” [“A Crise da Dívida do Primeiro Mundo de 2007-2010 numa Perspectiva Global”], Challenge: The Magazine of Economic Affairs, Julho-Agosto de 2008, pág. 33.
6. David Dapice, “Bad Spell on Wall Street” [“Mau Feitiço em Wall Street”], Policyinnovations.org, 24 de Janeiro de 2008.
7. Sem contar com as guerras no Iraque e no Afeganistão, os gastos com a defesa duplicaram desde meados dos anos 90. Ver Chalmers Johnson, “Why the US has really gone broke” [“Porque é que os EUA realmente faliram”], mondediplo.com (edição em inglês), 5 de Fevereiro de 2008.
8. Kenneth Rogoff, “America Will Need a $1,000bn Bail-Out” [“A América Necessitará de um Plano de 1 Bilião de Dólares”], Financial Times, 17 de Setembro de 2008.
9. Sobre a crise global de alimentos, ver “The Global Food Crisis and the Ravenous System of Capitalism” [“A crise global de alimentos e o voraz sistema do capitalismo”], Revolution/Revolución n.º 128, 1 de Maio de 2008 (em inglês ou em castelhano).