Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 14 de Fevereiro de 2005, aworldtowinns.co.uk
O seguinte texto foi extraído de um artigo assinado por Larry Everest no jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (em inglês no n.º 1267, de 13 de Fevereiro de 2005, revcom.us/a/1267/iraq-elections.htm e em castelhano no n.º 1268, de 20 de Fevereiro de 2005, revcom.us/a/1268/irak-elecciones-s.htm). Acrescentámos entre parênteses rectos os recém-anunciados resultados das eleições.
Eleições no Iraque:
“Estão cercados – saiam com os vossos votos para cima!”
Por Larry Everest
As eleições de 30 de Janeiro no Iraque estão a ser propagandeadas pelo regime Bush e pela comunicação social como um triunfo da democracia – e prova das boas intenções dos EUA no Iraque. Paul Bremer, o anterior chefe da ocupação norte-americana, declarou: “As eleições desta semana no Iraque foram uma grande vitória para os iraquianos, para a democracia e para o forte apelo do Presidente Bush à liberdade.” Bush alegou que os iraquianos “tomaram o controlo legítimo do destino do seu país e escolheram um futuro de liberdade e paz”.
Porém, a realidade é exactamente a oposta. Estas eleições controladas pelos EUA foram organizadas e orquestradas para legitimar a invasão e a conquista do Iraque pelos EUA e para cozinhar um regime vendido que permita aos imperialistas dos EUA manter o controlo do país a longo prazo e debilitar a resistência iraquiana. Parte de um plano mais geral para impor à força o domínio estratégico global dos EUA no Médio Oriente, estas eleições também tinham como objectivo legitimar futuras agressões norte-americanas – que estão agora a ser abertamente discutidas em relação ao Irão e à Síria – em nome da “liberdade” e da “democracia”.
Estas eleições não reflectem a vontade do povo iraquiano mais que as 12 eleições organizadas entre 1925 e 1958 pela monarquia pró-britânica – uma tirania profundamente odiada que o povo iraquiano derrubou em 1958. Nesse aspecto, estas eleições não darão ao povo o poder de decidir sobre o seu futuro ou o seu país mais do que as eleições do tempo de Saddam Hussein.
Muitos iraquianos e vários partidos políticos opuseram-se a estas eleições porque se opõem vigorosamente à ocupação norte-americana e recusaram-se a participar num processo político controlado pelos EUA. Ao mesmo tempo, houve muitos iraquianos que votaram [58 por cento segundo os novos números oficiais – muito menos que os das declarações iniciais do regime]. Muitos dos que votaram também se opõem à ocupação norte-americana do Iraque mas, sobretudo nas zonas xiitas e curdas, houve claramente pessoas que pensaram que, ao votar, estariam a afirmar que os grupos a que pertencem e que foram reprimidos durante tanto tempo estariam agora politicamente organizados e não seriam esquecidos em qualquer arranjo que surja para governar o Iraque. E alguns podem ter pensado que este processo eleitoral poderia permitir-lhes exercer alguma influência sobre o destino do seu país.
A noção de que estas eleições colocaram o poder nas mãos do povo iraquiano desfaz-se quando se disseca o modo como elas foram organizadas, o que sabiam e o que não sabiam os eleitores iraquianos e como será agora dividido o poder.
Quando os iraquianos votaram, escolheram entre mais de 100 diferentes listas de candidatos associadas a diferentes partidos políticos ou tendências. As regras destas eleições e as listas apresentadas aos iraquianos foram ambas previamente aprovadas pelo chamado Alto-Comissariado para as Eleições, que tinha sido nomeado pelo vice-rei Bremer dos EUA (que também nomeou uma comissão encarregue da comunicação social do Iraque). Essa Comissão escolhida pelos EUA tinha autoridade para desqualificar qualquer lista que os EUA não aprovassem.
Três listas dominaram as eleições:
A Aliança Unificada Iraquiana, uma coligação religiosa islâmica de partidos e individualidades xiitas, patrocinada pelo Grande Aiatola Ali al-Sistani e que incluiu principalmente os dois maiores partidos xiitas, o Conselho Supremo para a Revolução Islâmica no Iraque e o Partido Dawa [esta lista ficou com menos de metade dos votos mas, graças a uma complexa fórmula, ficou com a maioria dos lugares da nova Assembleia].
A Lista Iraquiana, encabeçada pelo primeiro-ministro interino nomeado pelos EUA e há muito um agente da CIA, Iyad Allawi, que incluía sunitas e xiitas proeminentes e era a favor de um governo secular [esta lista teve um resultado muito pior que o esperado, ficando num distante terceiro lugar, com 14 por cento]; e,
A Aliança Curda, composta esmagadoramente por membros dos dois principais partidos curdos pró-independência, a União Patriótica do Curdistão e o Partido Democrático Curdo [esta lista obteve mais de um quarto dos votos, melhor que o esperado, devido a uma taxa de participação dos xiitas inferior à prevista e a um massivo boicote dos sunitas].
Embora haja algumas diferenças políticas e ideológicas entre esses grupos e tensões com os ocupantes norte-americanos, todos eles são encabeçados por compradores (forças de classe pró-imperialistas) que estão agradecidos ao imperialismo norte-americano pela sua posição actual no Iraque e são favoráveis a alguma forma de dependência face ao imperialismo – independentemente do que as massas populares iraquianas queiram ou necessitem.
Por outras palavras, estas foram umas eleições onde as questões-chave que enfrenta o povo do Iraque não foram nem puderam ser debatidas e onde os principais pontos de vista do povo do Iraque não foram nem puderam ser expressos. E onde os principais partidos concorrentes foram os que (de uma maneira ou de outra) estavam dispostos a “entrar no jogo” (por enquanto) com os ocupantes norte-americanos.
Por exemplo, sondagens recentes indicam que 82% dos sunitas e 69% dos xiitas desejam que as forças dos EUA deixem o Iraque. Contudo, os pontos de vista das massas sobre esta importante questão não puderam ser expressos nestas eleições. Antes e depois das eleições, os responsáveis dos EUA, incluindo Bush, tinham tornado claro que as forças dos EUA não iriam sair do Iraque tão cedo.
A maioria dos iraquianos não sabia nem em quem estava a votar de facto – dos 7700 candidatos mais de 7000 mantiveram-se anónimos com medo de serem mortos – nem os programas das várias listas. De acordo com o Professor As'ad Abukhalil, o próprio jornal de Allawi, o Al-Sabah, informou que apenas 7% dos iraquianos conhecia os programas e as prioridades das diferentes listas eleitorais.
Os lugares na nova Assembleia Nacional serão repartidos de acordo com a percentagem de votos recebida por cada lista. Esta Assembleia está encarregada de designar um conselho presidencial que designará um primeiro-ministro que em troca seleccionará os ministros do Governo e nomeará os juízes do Supremo Tribunal Federal. A Assembleia vai assumir ostensivamente os poderes administrativos do dia-a-dia e escolher um grupo para elaborar uma nova constituição iraquiana permanente.
Porém, votar numa lista de candidatos não dá aos iraquianos nenhuma voz nesse processo que se iniciará com as negociações de bastidores entre os principais intervenientes iraquianos, com os EUA a representar o papel dominante graças às suas 150 000 tropas de ocupação, ao seu controlo dos bilhões de dólares da ajuda e às muitas maneiras como estão a modelar o novo estado iraquiano. Phyllis Bennis do Instituto de Estudos Políticos (EUA) escreveu:
“O domínio dos EUA sobre o Iraque continua inalterado com estas eleições. A Lei Administrativa Transitiva imposta pelos EUA, continua a ser lei da terra mesmo com as novas eleições. Alterar essa lei requer super-maiorias da assembleia bem como um acordo unânime do conselho da presidência, quase impossível dado o leque de interesses que devem ser tidos em conta. Os responsáveis por importantes comissões de controlo, incluindo o Inspector-Geral do Iraque, a Comissão da Integridade Pública, a Comissão para as Comunicações e a Comunicação Social, entre outras, foram nomeados por Bremer com mandatos de cinco anos e só podem ser despedidos com ‘justa causa’. O Conselho de Juízes, bem como os juízes e os procuradores, foram seleccionados, confirmados e treinados pelos ocupantes norte-americanos e é dominado por exilados com longas ligações aos EUA. Os mais de 40 000 ‘conselheiros’ civis e militares, incluindo os contratantes privados e os agentes governamentais dos EUA, auxiliares dos ministérios e de todas as instituições públicas do Iraque continuarão poderosos; com a nova assembleia a enviar novos funcionários para esses ministérios, os ‘conselheiros’ dos EUA podem manter a memória institucional”.