Eleições autárquicas:
No reino da corrupção

Por B. Lisboa

Avizinham-se mais umas eleições em Portugal, desta vez para as autarquias locais. À medida que se aproxima o dia 9 de Outubro, cada vez mais os candidatos dos partidos burgueses e pequeno-burgueses aumentam as suas promessas eleitorais e tentam aliciar os incautos eleitores a darem-lhes o seu voto, um cheque em branco para durante 4 anos se alcandorarem ao poder local. O circo eleitoral está de novo na rua e o nosso dever é esfarrapar os disfarces dos palhaços.

Em cada ronda eleitoral renovam-se as artimanhas de cada grupo para arrebanhar o maior número de dóceis eleitores. Mas as eleições locais têm as suas particularidades e acabam por ser uma expressão concentrada e exacerbada do poder a nível nacional. E é a nível local, e sobretudo em zonas mais isoladas e atrasadas do país, que o fenómeno do caciquismo encontra a sua expressão mais elevada.

A classe dominante mantém o seu domínio sobre as outras classes sociais através de uma série de estruturas de poder, que vão do nível nacional ao local. Todas elas se conjugam para a perpetuação do seu sistema de exploração e opressão e utilizam vários meios para esse fim. Por exemplo, tentam manter regiões inteiras afastadas do saber e da cultura, negando-lhes todos os instrumentos do progresso e tornando-as assim mais susceptíveis à manipulação.

Em regiões mais isoladas ou mais atrasadas economicamente, os seus habitantes anseiam por uma saída da sua situação desesperada e a ausência de uma verdadeira perspectiva de mudança torna-os ainda mais vulneráveis. Na falta de alternativas, o acenar de pequenas promessas é suficiente para atrair gente com pouca ou nenhuma consciência de classe.

Este fenómeno é amplificado pelo facto de o poder local ter um relativamente grande acesso a fundos financeiros com origem nos impostos e nas taxas locais. Com esses fundos e alguma arbitrariedade possível na sua utilização, os caciques locais que os controlam podem alimentar as suas clientelas, seja corrompendo pequenos e grandes empresários locais (que por sua vez têm influência sobre os homens e mulheres que exploram), seja empregando selectivamente alguns dos seus fiéis seguidores. Por vezes, as autarquias são dos maiores empregadores locais, gerando uma grande dependência e clientelismo.

É nestes mecanismos de corrupção que se baseia o poder local na maior parte das 4 mil freguesias do país (nos grandes municípios, outros mecanismos mais avançados são postos em marcha). E por vezes este fenómeno é levado a extremos ou torna-se mesmo escandalosamente visível a nível nacional. Acontece que, coincidindo com estas eleições e após 30 anos do poder local “democrático”, se salientam os casos de alguns autarcas metidos até ao pescoço em esquemas de corrupção. Esses casos cobrem quase todos os principais partidos, do PS ao PSD e ao PP. Longe de serem excepções no panorama autárquico, eles são apenas os casos que, por uma coincidência ou outra, foram parar aos tribunais. Mas anunciam-se muitos mais casos, à medida que a burguesia tenta dar um ar de moralidade ao seu sistema. Uma tentativa inútil, uma vez que todo o seu sistema não consegue sobreviver sem essa corrupção. Esses autarcas em sarilhos (ou talvez não) foram apenas os que não conseguiram esconder eficientemente a sua desfaçatez.

Uma última chamada de atenção deve ser dada aos revisionistas do PCP. Se bem que o PCP se tenha mantido em geral afastado destes grandes escândalos aos olhos menos atentos, na realidade o poder local do PCP baseia-se em mecanismos semelhantes. Onde os revisionistas dominam o poder local, esse poder é perpetuado não através da mobilização e do aumento da consciência política das populações locais, como fariam os verdadeiros comunistas, mas sim à custa de clientelismo, empregando e fazendo favores aos seus seguidores. Essa é uma das razões por que mantém algumas autarquias (graças à dependência de famílias inteiras) e também a razão por que quando as perdem, rapidamente se esboroa toda a sua influência, porque a sua base era muito dependente dessas sinecuras.

Outra característica da intervenção autárquica dos revisionistas é o compadrio com as outras forças dominantes. O PCP é tão apegado ao poder que não hesita em fazer acordos para recolher algumas migalhas, ainda que isso implique a cumplicidade com os outros partidos traidores. O maior exemplo foi a anterior gestão autárquica conjunta com o PS em Lisboa, mas o PCP não hesita em cooperar com todas as outras forças para poder satisfazer a sua clientela local, como no caso de Sintra com o PSD.

Perante este cenário, qual a tarefa dos comunistas? Em primeiro lugar, as eleições locais oferecem excelentes oportunidades de denúncia dos mecanismos do poder da classe dominante e estas oportunidades devem ser aproveitadas ao máximo. Em segundo lugar, mesmo não perdendo a ideia da denúncia das próprias eleições como mecanismo de poder da burguesia, a variedade do poder local pode abrir algumas possibilidades de explorar as fraquezas do sistema. Pode acontecer que, em alguns locais, a população se una para tentar resolver os seus problemas. Não alimentando ilusões sobre mudanças radicais a nível local, essas tentativas poderão ser apoiadas, pois mesmo o seu fracasso, desde que retiradas as lições correctas, pode servir para mostrar que uma verdadeira mudança só pode existir através de uma alteração radical de toda a sociedade e do mundo.

4 de Outubro de 2005

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