O seguinte artigo foi publicado a 15 de setembro no jornal MAPA (http://www.jornalmapa.pt/2017/09/15/a_cidade-ocupada/).
A cidade é de quem a ocupa
Por Guilherme Luz
O número 69 da Rua Marques da Silva, edifício propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, no bairro de Arroios, foi ocupado pela Assembleia de Ocupação de Lisboa (AOLX), um grupo sem filiação institucional. Em comunicado divulgado hoje ao início da tarde, a AOLX aponta o dedo à especulação imobiliária na cidade de Lisboa afirmando que “nos últimos anos, o direito a habitar na cidade de Lisboa tem sido alvo de diversos ataques. Num cenário de crise económico-financeira e de austeridade, a alteração da lei das rendas por parte do anterior governo veio permitir novas oportunidades de negócio a fundos de investimento e demais entidades especuladoras.” O comunicado frisa ainda que “bairros onde as rendas eram outrora minimamente acessíveis viram os seus valores aumentarem de uma forma brutal” e responsabiliza a CML neste processo. Com a ocupação deste imóvel, a AOLX propõe-se a dinamizar um debate crítico sobre a cidade e defende que “a ocupação desta casa não se limita a retirá-la das malhas da especulação, querendo fazer dela um espaço de usufruto social, seja habitacional, educativo ou cultural.” Para o fim-de-semana estão já marcadas várias atividades no local, onde se destacam a apresentação de um arquivo histórico sobre a ocupação em Portugal, no sábado, e uma assembleia de ocupação de Lisboa, no domingo.
A ocupação deste imóvel dá-se em plena campanha eleitoral onde a questão da habitação de Lisboa e os impactos da indústria turística têm estado no centro dos debates. Nos últimos meses têm sido permanentes as denúncias, por parte de coletivos e associações de moradores, de que o preço da habitação em Lisboa toma proporções astronómicas e de que o ciclo de especulação imobiliária para a criação de alojamento local leva a despejos de famílias que moram há anos em bairros históricos, como Alfama e Mouraria. Em Agosto passado, moradores, familiares e amigos, em conjunto com a Rede de Solidariedade de Lisboa, uma rede de apoio mútuo, pararam um despejo de uma família. O recém publicado documentário do coletivo Left Hand Rotation em parceria com a associação Habita expõe o problema da habitação no bairro da Mouraria através da voz de várias mulheres que descrevem a vida no bairros e as ameaças que os moradores sofrem. Sobre a sua rua dizem: “na Rua dos Lagares vão restar apenas três ou quatro prédios com moradores do bairro. De resto, é só condomínios de luxo e hostels.” O problema da habitação e da especulação imobiliária não são novos mas assumiram proporções inimagináveis nos últimos anos. No entanto, os casos de resistência e denúncia parecem estar a multiplicar-se a cada dia mostrando que a resistência dos moradores é parte da solução independentemente do discurso e das propostas dos candidatos à CML.