Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 16 de Novembro de 2009, aworldtowinns.co.uk

Índia: Parem a “Operação Caçada Verde”!

A ameaça de uma “solução Sri Lanka” para a insurreição liderada pelos maoistas na Índia – Excertos de um artigo de Arundhati Roy

O governo indiano está a preparar a “Operação Caçada Verde”, uma operação de contra-insurreição a uma escala sem precedentes. Possivelmente cerca de cem mil soldados e outros membros das forças de segurança serão enviados para as colinas florestadas da Índia oriental e central para esmagarem a rebelião dos adivasis (povos tribais) liderada pelo Partido Comunista da Índia (Maoista). Não é uma incursão de curto prazo: as autoridades anunciaram que planeiam acantonar um grande número de tropas nas zonas tribais durante os próximos anos.

Vários comentadores têm avisado para o perigo de o governo indiano estar a planear implementar uma “solução tipo Sri Lanka”, seguindo o modelo da recente ofensiva prolongada do governo desse país. Para derrotar os Tigres Tâmiles, foi usado um enorme número de forças terrestres e ataques aéreos e de seguida centenas de milhares de civis da região foram encarceradas em campos de detenção onde a maioria deles ainda está a definhar. Actualmente, estão a ser construídas aquelas que poderão vir a ser bases militares permanentes no coração da terra tâmil. Não há dúvida que o governo indiano tomou nota da aprovação implícita dessa operação pelos EUA. A pedido dos EUA, o FMI concedeu ao governo do Sri Lanka um enorme pacote financeiro, quase imediatamente após o massacre.

Publicam-se de seguida excertos de um artigo da escritora e activista indiana Arundhati Roy, publicado na edição de 31 de Outubro do Sri Lanka Guardian (srilankaguardian.org). O artigo completo online fornece muito mais detalhes dos argumentos dela e uma representação mais global dos seus pontos de vista. A edição de Novembro de 2009 do People's March (peoplesmarch.googlepages.com ou bannedthought.net) inclui dois comunicados recentes do Partido Comunista da Índia (Maoista) e outro material sobre esta ofensiva. Também incluímos nesta edição do SNUMAG um comunicado da Frente Democrática Revolucionária.

As colinas baixas e de cumes planos do sul do Orissa têm sido a casa dos Dongria Kondh [um dos vários povos tribais da região] desde muito antes de existir um país chamado Índia ou um estado chamado Orissa. As colinas têm protegido os Kondh. Os Kondh têm protegido as colinas e têm-nas adorado como divindades vivas. Agora, essas colinas estão a ser vendidas devido à bauxite que contêm...

Talvez se ache que os Kondh devessem ficar gratos por a sua colina de Niyamgiri, a casa do seu Niyam Raja, o Deus da Lei Universal, ter sido vendida a uma empresa chamada Vedanta (o ramo da filosofia hindu que ensina a Derradeira Natureza do Conhecimento). É uma das maiores empresas mineiras do mundo e é propriedade de Anil Aggarwal, o bilionário indiano que mora em Londres numa mansão que já pertenceu ao Xá do Irão. A Vedanta é apenas uma das muitas multinacionais que estão a entrar no Orissa.

Se as colinas de cumes planos forem destruídas, também serão destruídas as florestas que as cobrem. Tal como os rios e ribeiros que delas fluem e que irrigam as planícies abaixo. E também os Dongria Kondh. E as centenas de milhares de pessoas tribais que vivem no coração arborizado da Índia e cuja pátria também está sob ataque...

O governo anunciou a Operação Caçada Verde, supostamente uma guerra contra os rebeldes “maoistas” com quartel-general nas selvas da Índia central. Claro que os maoistas não são de forma nenhuma os únicos que se estão a rebelar. Há todo um espectro de lutas por todo o país em que as pessoas estão empenhadas numa rebelião – os sem-terra, os dalits [os chamados “intocáveis”], os sem-abrigo, os operários, os camponeses, os tecelões. Eles são colocados contra todo um poder esmagador de injustiças, entre as quais as políticas que permitem a expropriação por atacado das terras e dos recursos do povo por parte de grandes empresas. Porém, são os maoistas que o governo singulariza como sendo a maior ameaça.

Há dois anos, quando as coisas ainda não estavam de forma nenhuma próximas de estar tão más como agora, o primeiro-ministro descreveu os maoistas como a “maior ameaça à segurança interna do país”. Ele revelou a verdadeira preocupação do seu governo a 18 de Junho de 2009, quando disse ao Parlamento: “O ambiente para o investimento será severamente afectado se o extremismo de esquerda continuar a florescer nas regiões com recursos naturais ricos em minérios”...

Nesta altura, na Índia central, o exército guerrilheiro dos maoistas é composto quase exclusivamente por elementos tribais desesperadamente pobres que vivem em condições de uma tal míngua crónica que se aproxima da fome de um tipo que só associamos à África subsaariana. São pessoas que, mesmo passados 60 anos após a chamada Independência da Índia, não têm acesso à educação, aos cuidados de saúde ou a direitos legais. São pessoas que são impiedosamente exploradas e constantemente enganadas há décadas por pequenos homens de negócios e agiotas, com a violação das mulheres encarada como uma questão de direito pela polícia e pelo pessoal do departamento de florestas. A sua jornada de regresso a uma aparência de dignidade deve-se em grande parte aos quadros maoistas que há várias décadas têm vivido e trabalhado e lutado a seu lado.

Já não bastava que a Força Central de Reserva da Polícia (CRPF), a Força de Segurança da Fronteira (BSF) e o famigerado Batalhão Naga tivessem lançado a destruição e cometido atrocidades pouco escrupulosas em aldeias remotas da floresta. Já não bastava que o governo apoiasse e armasse a Salwa Judum, a “milícia popular” que matou e violou e abriu a fogo o seu caminho através das florestas de Dantewada, deixando trezentas mil pessoas sem casa ou em fuga. Agora, o governo vai deslocar a Polícia da Fronteira Indo-Tibetana e dezenas de milhares de tropas paramilitares. Planeia instalar uma sede de brigada em Bilaspur (o que irá deslocar nove aldeias) e uma base aérea em Rajnandgaon (o que irá deslocar sete). Obviamente, estas decisões foram tomadas há já algum tempo. A guerra tem estado a ser preparada há algum tempo. E agora, foi atribuído aos helicópteros da força aérea indiana o direito a dispararem em “autodefesa”, o mesmo direito que o governo nega aos seus cidadãos mais pobres...

Que tipo de guerra irá ser a Operação Caçada Verde? Não há muitas notícias a sair das florestas. Lalgarh, no Bengala Ocidental, foi isolada. Quem aí tentar entrar é espancado e preso. E chamado de maoista, claro. Em Dantewada, o Ashram Vanvasi Chetana, um ashram gandhiano gerido por Himanshu Kumar, foi arrasado em apenas algumas horas. Era a última posição neutra antes do início da zona de guerra, um lugar onde jornalistas, activistas, investigadores e equipas de recolha de factos podiam ficar quando trabalhavam na zona...

A “Solução tipo Sri Lanka” pode muito bem estar a ser pensada. Não foi por acaso que o governo indiano bloqueou uma iniciativa europeia na ONU que pedia um inquérito internacional sobre os crimes de guerra cometidos pelo governo do Sri Lanka na sua recente ofensiva contra os Tigres Tâmiles...

A semana passada, grupos de liberdades civis de todo o país organizaram uma série de reuniões em Deli para discutirem o que se poderia fazer para alterar a maré e impedir a guerra.

Eram pessoas que o ministro do interior da União [Toda a Índia] acusou recentemente de estarem a criar um “clima intelectual” que levava ao “terrorismo”. Se essa acusação visava assustar as pessoas, intimidá-las, teve o efeito contrário. Os oradores representavam um vasto espectro de opiniões, dos liberais à esquerda radical. Embora nenhuma das pessoas que falaram se descrevesse a si própria como maoista, poucas se opunham em princípio à ideia de as pessoas terem direito a se defenderem contra a violência do Estado. Muitas sentiam desconforto com a violência maoista, com os “tribunais populares” que fazem uma justiça sumária, com o autoritarismo que irá sempre impregnar uma luta armada e marginalizar quem não tiver armas. Mas, mesmo ao exprimirem o seu desconforto, sabiam que os tribunais populares só existem porque os tribunais da Índia estão longe do alcance das pessoas comuns e que a luta armada iniciada nas regiões centrais não é a primeira, mas é mesmo a última opção de pessoas desesperadas e levadas aos limites da existência. Os oradores tinham consciência dos perigos de tentarem extrair uma moralidade simples a partir de incidentes individuais de uma odiosa violência, numa situação que já há muito se tinha começado a parecer com uma guerra.

Pessoas que tinham vindo das zonas de guerra, de Lalgarh, Jharkhand, Chhattisgarh e Orissa, descreveram a repressão policial, as prisões, a tortura, os assassinatos, a corrupção e o facto de que em lugares como o Orissa, parecerem estar a receber ordens directamente de funcionários que trabalhavam para as empresas mineiras. Descreveram o papel ambíguo e nefasto que é desempenhado por certas ONGs inteiramente financiadas por agências de ajuda humanitária dedicadas à promoção das perspectivas empresariais. Uma atrás da outra, falaram em como, no Jharkhand e no Chhattisgarh, os activistas e também as pessoas comuns – qualquer pessoa que seja vista como dissidente – estavam a ser chamados de maoistas e encarcerados. Disseram que isso, mais que qualquer outra coisa, estava a empurrar as pessoas a pegarem em armas e juntarem-se aos maoistas. Perguntaram como é que um governo que declarou a sua incapacidade para reagrupar sequer uma pequena fracção dos cinquenta milhões de pessoas que foram deslocadas devido aos “projectos de desenvolvimento” conseguiu identificar repentinamente 140 mil hectares de terras de primeira qualidade para dar aos industrialistas em mais de 300 Zonas Económicas Especiais, os refúgios fiscais onshore da Índia para os ricos. Perguntaram que tipo de justiça estava o Supremo Tribunal a fazer quando se recusava a rever o significado de “interesse público” na Lei de Aquisição de Terras, mesmo sabendo que o governo estava a expropriar terras à força em nome do “interesse público”, para as dar a empresas privadas. Perguntaram porque é que quando o governo diz que a “Responsabilidade do Estado tem que continuar”, isso apenas parece implicar a instalação de esquadras da polícia nesses lugares. Não escolas nem clínicas ou habitações, não água limpa, nem preços justos para os produtos da floresta, nem sequer serem deixados em paz e sem medo da polícia – qualquer coisa que tornasse a vida das pessoas um pouco mais fácil. Perguntaram porque é que a “Responsabilidade do Estado” nunca poderia querer dizer justiça...

A floresta que já foi conhecida como Dandakaranya, que se estende do Bengala Ocidental ao Jharkhand, Orissa, Chhattisgarh e a partes do Andhra Pradesh e do Maharashtra, é a terra de milhões de pessoas tribais da Índia. A comunicação social começou a chamá-la de Corredor Vermelho ou Corredor Maoista. Poderia, da mesma forma e apropriadamente, ter sido chamada de Corredor MoUista. Um grande número de empresas, desde algumas relativamente desconhecidas às maiores empresas mineiras e de fabrico de aço do mundo, entraram na disputa pela expropriação das terras dos adivasis – os Mittals, Jindals, Tata, Essar, Posco, Rio Tinto, BHP Billiton e, claro, a Vedanta.

Há um MoU [Memorando de Entendimento, na sigla em língua inglesa – um acordo entre o governo e os investidores empresariais] para cada montanha, rio e clareira da floresta: uma engenharia social e ambiental a uma escala inimaginável. E a maioria deles é secreto. De certa forma, não acho que os planos que estão de pé para destruir uma das mais prístinas florestas e ecossistemas do mundo, tal como as pessoas que nela vivem, venham a ser discutidos na Conferência sobre as Alterações Climáticas em Copenhaga...

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