Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 9 de Novembro de 2009, aworldtowinns.co.uk
Teerão, 4 de Novembro de 2009: Um relato ao vivo
A nova vaga de protestos que rebentou a 4 de Novembro em Teerão e noutras cidades do Irão foi grande e combativa. Ela ocorreu numa data cujo significado foi contestado, não, como seria de esperar, entre a facção dominante do regime e a facção da oposição verde (islâmica) mas, em vez disso, entre o regime e a liderança verde por um lado e os opositores mais radicais ao regime por outro.
Essa data marca dois acontecimentos históricos com um conteúdo muito diferente.
A 4 de Novembro de 1978, durante o processo da revolução contra o regime do Xá, após cerca de dois meses de relativa calma, os estudantes do ensino secundário e universitário organizaram um protesto que uma vez mais levou a sociedade à efervescência. Muitos estudantes ficaram feridos e as forças de segurança do Xá atingiram e mataram um professor. Desde essa altura que os progressistas têm comemorado essa data como “Dia do Estudante do Ensino Secundário”, para o diferenciarem do 7 de Dezembro, chamado Dia do Estudante em memória da luta contra o golpe liderado pelos EUA e pela Grã-Bretanha que levou o Xá ao poder em 1953.
A 4 de Novembro de 1980, estudantes que apoiavam o Aiatola Khomeini ocuparam a embaixada dos EUA e tomaram como reféns os seus diplomatas e funcionários. Esse acontecimento foi um momento decisivo nas relações entre os EUA e a nova República Islâmica e o seu impacto ainda é fortemente sentido. Para Khomeini e a sua facção, esse foi o momento para reprimir a revolução, destruir as suas conquistas e consolidar a facção mais reaccionária do novo regime. Esse acontecimento também assinalou a primeira vaga de purgas dentro do regime islâmico. O governo liderado por Mehdi Bazargan demitiu-se e a sua facção religioso-nacionalista foi completamente eliminada.
Este ano, o regime de Ahmadinejad deu mais importância que a habitual ao aniversário da ocupação da embaixada dos EUA para reivindicar credenciais anti-imperialistas. A comunicação social imperialista com influência no Irão também salientou esse dia como o aniversário da ocupação e ignorou a memória do movimento estudantil. Por isso, houve duas celebrações opostas, uma do regime frente à embaixada dos EUA e outra por toda a Teerão e noutras cidades, sobretudo nas com universidades. A televisão do regime usou imagens editadas de anos anteriores para inflacionar o número das forças pró-governamentais, mas fê-lo de uma forma tão inepta que isso se tornou num escândalo. Este relato em primeira mão, retirado do jornal estudantil iraniano Bazr, detalha alguns dos acontecimentos desse dia.
Decidimos não ir para a embaixada dos EUA, o local de reunião das forças pró-governamentais. Com início por volta das 11h30, intensos confrontos de toca e foge irromperam na zona entre o cruzamento Enghelab (Revolução) e a Praça Vali Asr e as ruas vizinhas. As pessoas formaram grupos de 30 ou 40 pessoas que gritavam “Morte ao ditador”. Investiam em direcção às forças repressivas e depois retiravam para as ruas laterais. Este padrão manteve-se durante algum tempo.
Muitas das lojas estavam fechadas, mas alguns comerciantes deixavam entrar os manifestantes antes de fecharem as suas portas. A certa altura, houve pessoas que nos deixaram entrar numa casa e, daí, os jovens começaram a disparar com fisgas sobre os milicianos basiji através de uma persiana. Disseram-nos que andavam a fazer isso há vários meses.
Dos telhados dos prédios altos, as pessoas atiravam lixo, pequenas pedras e latas vazias para baixo, sobre as forças repressivas.
Numa rua lateral, encontrámos um grupo de pessoas que vinha da praça 7-Tir. Uma delas tinha a orelha ferida, outra tinha sangue em toda a cara e na cabeça e uma terceira tinha sido agredida com um bastão. Mas estavam a rir e a planear a sua próxima acção. Disseram que as forças repressivas tinham sido derrotadas e que lhes tinham dado o que elas mereciam, além de apreendido os seus bilhetes de identidade.
Algumas das raparigas usavam roupas que tornavam a acção mais fácil. Tinham largado os longos casacos que as mulheres iranianas são obrigadas a usar por cima de calças compridas e calçavam ténis para que pudessem correr rapidamente, caso fosse necessário. O radicalismo das mulheres e das raparigas era indiscutível.
Por volta da 1h da tarde, houve intensos confrontos acima da Praça Vali Asr. Em algumas alturas, as pessoas conseguiram fazer recuar as forças repressivas e nesses momentos as pessoas enchiam as ruas e calçadas laterais para marcharem para a rua principal.
Uma vez mais, as palavras de ordem mais gritadas foram “Morte ao ditador”. Então, numa acção de toca e foge, conseguimos entrar na Rua da Palestina Norte. Inicialmente, a rua estava calma, mas de repente um grande número de pessoas começou a manifestar-se. Algumas empunhavam grandes cartazes de Mousavi (considerado um dos líderes do Movimento Verde) nas mãos. Uma rapariga aos ombros de um rapaz gritava “O Khamenei é um assassino, por isso a sua Velayat (liderança) não é válida”. As palavras de ordem “Morte a Khamenei” eram ouvidas em todo o lado. Porém, as palavras de ordem em defesa de Hussein Mousavi, Mehdi Karoubi e o Movimento Verde, como “Mir Hussein – ya Houssein” (comparando Mousavi a um santo islâmico xiita) e “Não ao Leste – Não ao Ocidente – Queremos um Governo Nacional Verde”, também eram gritadas.
Finalmente chegámos à Avenida Keshavarz. Os nossos olhos estavam a arder devido às granadas de gás lacrimogéneo. Por vezes, as pessoas moviam-se de forma ordenada e outras vezes numa desordem generalizada.
Na Vali Asr, fomos recebidos por um brutal ataque de forças à paisana, pelo que retirámos. Também reparámos que eles discutiam entre si, porque ninguém queria estar entre os que eram mandados para nos atacar.
Às 2h30 da tarde, fomos para a Rua Jomhuri (República) de autocarro. Algumas pessoas no autocarro estavam a falar sobre a luta de hoje e a partilhar as notícias que tinham ouvido. Algumas estavam tristes por não poderem participar nos protestos porque tinham sido ameaçadas de serem despedidas dos seus empregos se faltassem. Que pena que o 4 de Novembro não era o dia de folga delas, diziam elas!
Algumas pessoas pregavam o pessimismo e a passividade. Diziam que toda a gente devia continuar com a sua vida como de costume. Uma delas perguntou: “Para que é que isso serve? Vocês vão ser todos mortos e nada vai acontecer.” Alguém respondeu: “Parece que você não tem consciência de que nos últimos 30 anos temos estado a morrer a cada dia. Agora que estamos decididos a não morrer, você tenta assustar-nos com a morte?”
A parte mais interessante foi o olhar embaraçado na cara de alguns apoiantes do Hezbollah (um outro grupo do regime) no autocarro. Mulheres com as caras completamente cobertas com véus e chadores sentavam-se pacatamente e observavam os manifestantes. Uma delas escondeu o seu cartaz de Khamenei para que as pessoas não percebessem que ela tinha participado na manifestação do regime.
Por volta das 4h00 da tarde, regressámos à Vali Asr. Tínhamos ouvido dizer que os protestos se intensificariam nessa altura. Os protestos continuaram aqui e ali mas as coisas não estavam a ser tão intensas como nessa manhã, pelo menos onde nós estávamos...
As pessoas estavam a partilhar notícias de outras vilas e cidades, sobretudo de campi e residências universitárias.
O poder dominante tinha tentado comemorar a ocupação em 1980 da embaixada dos EUA e usar a ocasião para mobilizar um grande número de pessoas. Além da mobilização das suas bases, forçaram algumas pessoas das escolas e agencias governamentais a participar. Mas, apesar disso, os que saíram para se opor ao regime foram mais numerosos.
O 4 de Novembro deste ano foi diferente do de anos anteriores. Algumas pessoas que tinham testemunhado o 4 de Novembro de 1978 dizem que a luta deste ano os fez lembrar esses dias.
O governo começou muitas semanas antes a tomar medidas generalizadas para impedir a participação de estudantes do ensino secundário. Forçou alguns estudantes de escolas governamentais a irem ao seu evento frente ao antigo edifício da embaixada dos EUA. E informaram os estudantes das escolas privadas que se faltassem não seriam isentados. Porém, podia-se ver pequenos grupos de jovens de 16-17 anos a caminhar entusiástica e alegremente, carregando pedras nas suas mochilas e outros meios necessários para a batalha com as forças repressivas.
Comparando estes protestos do 4 de Novembro com as últimas manifestações no Dia da Palestina (18 de Setembro), apesar da muito extensa propaganda do Movimento Verde e dos folhetos distribuídos por apoiantes de Mousavi e Karoubi, o dia de hoje esteve menos sob o seu controlo. Isso podia ser visto no carácter mais radical da luta de hoje e também nas palavras de ordem que foram gritadas e do tipo de repressão brutal e extensa que o governo levou a cabo.
Agora, as pessoas estão a preparar-se para o 7 de Dezembro, o Dia do Estudante Universitário.