Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 20 de Fevereiro de 2012, aworldtowinns.co.uk

Síria: A ascensão das forças contra-revolucionárias na oposição

Publicamos de seguida uma versão editada de uma entrevista a Hassan Khaled Chatila, um revolucionário sírio que vive na Europa. Ainda que tenhamos feito o nosso melhor para representar fielmente os pontos de vista dele sobe as questões aqui tratadas, esses pontos de vista continuam a ser os dele.

O equilíbrio de forças entre a oposição é agora favorável aos contra-revolucionários porque [nas actuais circunstâncias] a militarização do movimento contra o regime favorece a interferência internacional. Além dos protestos desarmados nas ruas há agora importantes acções armadas. Mas não tem havido grandes alterações na consciência política do movimento de massas, o qual continua a ser uma revolta espontânea cujo objectivo unificador é o derrube do regime. As palavras de ordem nas ruas apelam agora a acções armadas para o alcançarem.

O líder do Exército Livre da Síria [ELS, formado por oficiais e soldados que abandonaram as forças armadas do regime] desde o início que tem apelado à intervenção estrangeira. Não é claro quem é o ELS. Aparentemente, na realidade esse nome engloba vários grupos armados ajudados e albergados pela Turquia. Como não há uma verdadeira organização e há pouca unidade política entre esses desertores do exército, eles frequentemente actuam mais como bandos armados, levando a cabo pilhagens e violações. O ELS [alega que o seu objectivo é] proteger as manifestações nas cidades dos ataques governamentais. As tácticas deles são nefastas – eles disparam sobre os soldados governamentais, os quais ripostam e matam manifestantes civis. A sua verdadeira estratégia é militarizar o confronto entre o movimento e o regime para assim provocar uma intervenção estrangeira.

Politica e ideologicamente, o movimento de massas não é suficientemente maduro para conseguir um estado democrático e nacionalista, devido à ausência de uma esquerda revolucionária. As forças reaccionárias na oposição estão a tentar colocar no poder um regime militar que poderá ser ainda pior que Bashar al-Assad. No Egipto, os EUA querem que o exército proteja o estado e mantenha a paz com Israel. Na Síria, a questão é mais complicada, devido às relações com o Irão, a Turquia, o Hezbollah do Líbano, Israel e a Arábia Saudita. Os EUA querem que as forças apoiadas pela Arábia Saudita controlem a Síria e mantenham a política fora das mãos do povo, que tende a apoiar os palestinianos e a resistência a Israel e é em geral antiamericano – muito mais na Síria que no Egipto. Devido às suas relações com todas estas forças, a Síria pode representar um papel chave na região.

Desde a morte do [ex-Presidente egípcio] Nasser em 1970 e da derrota da esquerda baathista [ligada a Nasser] na Síria por volta dessa altura, a Arábia Saudita passou a ser o país predominante no mundo árabe. [O enfraquecimento do regime de Saddam Hussein e a sua queda em 2003 com a invasão liderada pelos EUA acentuaram esta situação.] Hafaz, o pai de Bashar, teve boas relações com os sauditas nalguns períodos, embora depois elas tenham esfriado. Ambos os regimes querem evitar a guerra com Israel e os EUA. Rami Maklouf [o homem de negócios mais rico da Síria, primo de Bashar e pilar do regime] ficou conhecido por uma vez ter dito que a estabilidade da Síria requer um Israel estável.

O Conselho Nacional Sírio [CNS], uma organização de forças da oposição no exílio na Europa, EUA e Turquia, quer ser reconhecido como representante do povo. Não tem nenhuma presença na Síria. O seu presidente, Bourhan Ghaion, é um cidadão francês que dá aulas na Sorbonne. A sua porta-voz há muito que trabalha para a União Europeia. O seu programa oficial defende a queda do regime, uma república democrática e a ausência de confessionalismo político [a política organizada pelas confissões religiosas]. As suas principais forças incluem os liberais económicos, outras forças laicas e a Irmandade Muçulmana. Eles defendem muito activamente uma intervenção estrangeira. Os seus representantes andam de capital em capital a tentar desencadear uma intervenção militar estrangeira, mas fazem muito pouco no interior do país.

O CNS emitiu comunicados a condenar a República Islâmica do Irão e o Hezbollah e a apelar a uma solução diplomática para a questão palestiniana.

Alguns membros da Irmandade Muçulmana pedem aquilo a que eles chamam de “estado civil”, uma formulação deliberadamente vaga que não deixa claro se esse estado será islâmico ou laico. Por outras palavras, todos os cidadãos seriam iguais, mas aparentemente eles não aceitariam uma constituição que não defina a Xariá [lei islâmica] como fonte de todas as leis. Há assim diferenças significativas entre os membros do Conselho Nacional Sírio.

Embora o Conselho seja apoiado pela Arábia Saudita, pelo Qatar e, implicitamente, pela Europa e EUA, não tem nenhum controlo sobre o Exército Livre da Síria.

Há também a esquerda síria não-revolucionária, a qual ainda está à procura de “uma solução com e através” do regime de Assad. Isto quer dizer uma mudança vinda de cima, não vinda de baixo. O seu objectivo é participar num novo governo. A sua influência entre o povo é limitada, sobretudo porque são amplamente desprezados como agentes do regime. Os vários Comités Coordenadores Locais incluem elementos da esquerda mais revolucionária e nacionalistas árabes.

A reunião de “Amigos da Síria” que irá decorrer em Tunes a 24 de Fevereiro poderá vir a ser muito significativa. [Esta entidade está a ser criada segundo o modelo dos “Amigos da Líbia”, sob cujos auspícios a NATO interveio naquele país – neste caso, o objectivo é uma via para contornar a necessidade de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que autorize uma interferência estrangeira na Síria.] Foi convocada pelo Presidente francês Sarkozy e apoiada pelo governo tunisino [pró-EUA e liderado pelos islâmicos]. Parece haver algumas diferenças entre esses “amigos” sobre quais os sírios a convidar.

A opinião nas ruas está constantemente a mudar. Algumas pessoas levam faixas de apoio ao CNS e a apelar à intervenção estrangeira. Em contraste, as manifestações de 17 de Fevereiro foram chamadas de “Sexta-feira de Resistência”, com a ideia de que o povo se deveria bastar a si próprio.

A oposição ao regime no interior da “classe política” síria está dividida entre uma esquerda que salienta os direitos políticos e sociais do povo mas que está afastada das massas – as quais não têm nenhuma confiança em nenhum dos grupos políticos tradicionais – e uma direita neoliberal que reclama a intervenção estrangeira. Ambas são a favor de um desenvolvimento económico globalizado da Síria e ambas temem o povo.

As divisões no seio do povo com base religiosa ou étnica têm sido exageradas no estrangeiro. Há pessoas de todas as religiões e etnias de ambos os lados. A “Sexta-feira de Resistência” de 17 de Fevereiro trouxe à capital vários desenvolvimentos bem-vindos. Têm o potencial de provocar outra inversão da relação de forças entre as forças da oposição armada e o movimento popular.

[Até agora, o movimento contra o regime não atingiu Damasco e Aleppo da mesma forma que chegou a cidades mais pobres da província. Os protestos em Damasco têm estado essencialmente limitados aos subúrbios mais desfavorecidos, sobretudo sunitas. Os protestos contra o regime que tiveram início num subúrbio popular de Damasco a 17 de Fevereiro propagaram-se a Mezze, uma zona de edifícios governamentais e empresariais e de residências, não muito distante do palácio presidencial. Os alauitas constituem uma grande parte da população de Mezze – e o regime tem obtido muito do seu principal apoio entre os clãs alauitas. As tropas de Assad mataram três manifestantes numa pequena manifestação em Mezze na sexta-feira. No dia seguinte, depois do funeral, uma pequena marcha cresceu até pelo menos muitas centenas de pessoas, à medida que homens e mulheres do bairro se lhe iam juntando.]

Se o povo for abandonado a si próprio, não acho que possa haver uma guerra civil entre o povo. Mas a situação é complexa e uma intervenção estrangeira poderia levar a uma guerra civil reaccionária de base étnica/religiosa. Nesse caso, a Síria poderia explodir, com enormes consequências para os países vizinhos onde todas essas etnias estão representadas.

Neste momento, ninguém na Síria tem uma verdadeira estratégia revolucionária. Os activistas estão a fazer tudo numa base do dia-a-dia.

Principais Tópicos