Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 24 de Novembro de 2003, aworldtowinns.co.uk

Protestos em Londres derrubam estátua de Bush – e a reputação

Seria supostamente uma viagem para coroar uma guerra vitoriosa e celebrar uma aliança imperial que tinha sido selada em sangue. Quando, há muitos meses atrás, Blair e Bush planearam a primeira visita do Presidente dos EUA a Londres esta semana, deve ter sido difícil para eles imaginarem que algo pudesse estragar esse momento. Os exércitos anglo-americanos tinham conseguido o que parecia ser uma vitória esmagadora.

Esta foi a primeira visita de estado completa de um Presidente dos EUA desde que Woodrow Wilson visitou a Inglaterra imediatamente após a Primeira Guerra Mundial. Bush e a sua equipa esperavam andar em carruagens abertas puxadas por cavalos passando por multidões entusiásticas ao longo das ruas de Londres sendo depois recebidos pela Rainha no Palácio de Buckingham, tal como Wilson. Quanto a Tony Blair, os seus conselheiros mais chegados disseram que ele estava profundamente convencido que uma vitória rápida e decisiva dos EUA-GB sobre o regime iraquiano esvaziaria a esmagadora oposição à guerra que ele enfrentava no seu próprio país, e que a visita de Bush seria uma ocasião para eles apreciarem o seu reconhecimento pela história.

Não poderiam estar mais enganados. As multidões de boas-vindas que era suposto saudarem Bush não eram de modo algum mais reais que as multidões de iraquianos que era suposto saudarem os GI's norte-americanos que entraram em Bagdad como “libertadores”.

Pelo contrário, o que o Presidente dos EUA encontrou foi provavelmente a maior manifestação num dia de trabalho da história britânica recente, com cerca de 200.000 pessoas a ocuparem as ruas do centro de Londres na quinta-feira, 20 de Novembro, culminando uma série de protestos contínuos. Em vez de desfilar em carruagens abertas, Bush e o seu séquito foram forçados, ao longo de toda a sua visita, a seguir ao longo dos trajectos a alta velocidade e sem serem anunciados, escondidos por uma escolta de limusines fortemente blindadas, atrás de falanges de guardas carregados de metralhadoras, que o protegiam da mais pequena possibilidade de qualquer contacto espontâneo com a multidão e nunca se encontrou com qualquer grupo maior que algumas dúzias de pessoas escolhidas a dedo. Alguma da intensidade do sentimento contra ele reflectia-se nas pequenas saudações feitas pelo mais conhecido dramaturgo de Inglaterra, Harold Pinter, ao jornal The Guardian: “Querido Presidente, tenho a certeza que estará a ter uma pequena e agradável hora do chá com o seu companheiro criminoso de guerra, Tony Blair. Por favor engula as sanduíches de pepino com um copo de sangue, com os meus cumprimentos.”

Londres parecia uma cidade sob ataque. As autoridades britânicas implementaram a maior operação de segurança de sempre para um chefe de estado estrangeiro. Todas as licenças dos polícias da área de Londres foram canceladas, e a Scotland Yard mobilizou 5000 polícias só para proteger Bush. Os EUA trouxeram várias centenas de agentes dos serviços secretos e aviões cheios de equipamento. As forças de segurança dos EUA atiraram lenha para a fogueira dos sentimentos anti-Bush ao exigir uma garantia de imunidade para qualquer agente dos serviços secretos que disparasse contra qualquer pessoa, aumentando os temores que os agentes dos EUA tinham a intenção de disparar primeiro e fazer perguntas depois.

Esta era a visita do líder do estado imperial mais poderoso do mundo ao seu aliado mais forte e mais fiel. Naturalmente que a agenda de trabalhos incluía os principais assuntos pertinentes para as relações imperialistas e para os seus esforços de pacificar e controlar o Terceiro Mundo, das tarifas sobre o aço ao plano de paz para o Médio Oriente. Igualmente, as dezenas de milhares de manifestantes que perseguiam Bush a cada passo da sua visita reflectiam uma lista quase infinita de causas – ecologistas, feministas, palestinianos e inúmeros outros. Mas o assunto que mais motivava a manifestação de raiva em massa contra os líderes imperiais britânicos e norte-americanos era a injusta guerra no Iraque – das mentiras usadas para a justificar ao modo criminoso como decorreu, com a morte de alta tecnologia a chover em massa dos céus, até ao modo colonialista como estão agora a tratar o Iraque e o seu povo.

Blair apareceu com dois argumentos principais contra os protestos contra a guerra. Primeiro, argumentou que era “tempo de pôr a guerra para trás de nós”, que o que toda a gente deveria estar preocupada hoje era sobre como “construir a democracia” no Iraque e “ajudar o povo iraquiano” – como se as razões para a guerra e o modo como decorreu não tivessem tudo a ver com o actual tratamento dos EUA/GB ao Iraque como espólio de guerra. O segundo argumento de Blair foi atacar os protestos por representarem nada mais do que um “anti-americanismo ressurgente” – como se as massas de manifestantes fossem de alguma maneira politicamente muito recuadas para poderem distinguir Bush e o governo dos EUA das massas populares norte-americanas. De facto, até o jornal New York Times admitiu que os protestos foram dirigidos tanto contra Blair como contra Bush.

“O Presidente chega, os protestos começam” era a manchete de um jornal da Grã-Bretanha e retratava a natureza ininterrupta da actividade dos manifestantes. Ao mesmo tempo que o Air Force 1 aterrava, uma mulher de 65 anos fazia uma manobra de visibilidade, passando calmamente pelo “melhor de Londres” e depois escalando os cinco metros dos portões principais do Palácio de Buckingham. Empoleirou-se sobre o portão durante duas horas, brandindo uma faixa caseira onde se lia: “Elisabeth Windsor e companhia – o vosso convidado não é bem-vindo!” Entretanto, dois mil manifestantes saiam da sede europeia da Exxon rumo à Embaixada dos EUA numa acção dirigida contra a vasta destruição do meio ambiente do mundo pelo regime norte-americano. Discussões cordiais mas animadas tiveram lugar entre os manifestantes, à medida que surgiam diferentes perspectivas e abordagens – seriam as canções contra a guerra do Iraque desajustadas num protesto ambiental? Quais são os verdadeiros vínculos entre a guerra do Iraque e a destruição ambiental atribuível aos monopólios globais?

Os protestos foram incentivados pela revolta de milhões de pessoas pelo modo como os EUA estão a procurar estabelecer a sua indiscutível hegemonia global. Mas algumas forças poderosas na classe dominante britânica e nos meios de comunicação trabalharam arduamente para reduzir esses sentimentos, centrando-os na “não garantida” ou “injusta” subordinação da Inglaterra aos Estados Unidos – como se aquilo com que os manifestantes se devessem preocupar fosse que a Inglaterra não estava a obter a sua “parte justa” dos espólios de guerra!

As autoridades preocuparam-se particularmente com o crescente envolvimento de adolescentes nos protestos contra a guerra. Editoriais advertiram para os perigos postos por jovens incontroláveis de 13 anos. Os directores e as autoridades escolares advertiram bem alto que os estudantes que faltassem à escola se arriscavam a um “severo processo disciplinar”. Uma rapariga de 17 anos de uma escola de Londres Norte tornou-se o foco das atenções ao desafiar as ameaças e ao declarar publicamente a sua determinação em organizar uma saída escolar. O seu director ameaçou-a imediatamente, usando também os meios de comunicação – mas ela manteve-se firme. No dia da grande manifestação, muitas dezenas de estudantes da sua escola juntaram-se a ela para sair da escola e o director foi obrigado a recuar publicamente e a deixar os estudantes saborear uma amostra do seu poder.

Os jovens travaram uma batalha taco-a-taco contra as tácticas que a polícia usara contra eles em acção recentes. A Scotland Yard foi surpreendida há alguns anos durante os protestos iniciais antiglobalização, quando os organizadores trocaram os métodos mais tradicionais de mobilização pelo uso da Internet. A polícia britânica aumentou a vigilância da Internet, num esforço para acompanhar o ritmo dos jovens rebeldes. Os estudantes têm vindo a alterar os seus métodos, confiando mais em criar pequenas salas de conversa (chat-rooms) na Internet, de vida curta e para fins organizativos, e redes descentralizadas que comunicam rapidamente por mensagens de texto (SMS), uma vez mais num esforço para maximizar a sua mobilidade e tentar contrariar as investidas a alta velocidade de Bush pela cidade.

As tácticas dos jovens também reflectem o crescente descontentamento com o que eles vêem como o evitar de tácticas e políticas “confrontacionais” nos “principais” protestos contra a guerra e um sentimento de que a luta tem de ser elevada a um nível superior. Isto tem alimentado o crescente debate dentro do movimento contra a guerra sobre se realmente se constrói uma grande unidade apelando às políticas tipo parlamentar ou se acções mais confrontacionais alargam ou reduzem o apoio, como defendem muitos dos tradicionais líderes das manifestações. Muitos dos manifestantes tinham participado na semana anterior no Fórum Social Europeu em Paris e estavam à procura de maneiras de ligar a sua revolta contra a guerra com uma mais global crítica do capitalismo. Centenas de pessoas vieram da Alemanha, de França, de Itália e de outros países do Continente, apesar de as autoridades alfandegárias britânicas terem recusado a entrada a muita gente, nos poucos pontos de entrada na ilha.

Como a amplitude e a profundidade do sentimento contra Bush e a guerra dos EUA-GB no Iraque se tornou mais evidente nas vésperas e durante a visita de Bush, Blair e as autoridades britânicas tiveram repetidamente que reduzir os seus planos para Bush. Numa decisão reveladora, Blair foi forçado a cancelar uma aparição de Bush perante o Parlamento que teria sido um gesto recíproco ao aparecimento do próprio Blair perante o Congresso dos EUA. A Scotland Yard também teve de desistir das suas tentativas para empurrar os locais de protesto para partes menos sensíveis da cidade.

O cancelamento da reunião com os familiares das vítimas da guerra foi um golpe particularmente humilhante. A equipa de Bush tinha feito um importante esforço para contrariar a oposição à sua viagem, jogando com os sentimentos das famílias dos mortos de guerra britânicos e tinha dito que se queria encontrar com elas e dizer-lhes que “os seus bem-amados não tinham morrido em vão”. Respostas desafiadoras das viúvas e outros familiares de soldados mortos no Iraque deram um duro golpe na tentativa de manipulação de Bush. Uma viúva disse que gostaria de se encontrar com Bush, porque lhe queria perguntar por que é que, se o seu marido não morrera em vão, como Bush proclamava, Bush não tinha encontrado as armas iraquianas de destruição em massa que ele e Blair tinham insistido ser a razão para a guerra. Nenhum deles estava na lista de familiares que se iriam encontrar com o presidente, mas isso incentivou alguns dos que estavam. No final, os planos tiveram que ser cancelados e Bush acabou por se limitar a apresentar uma grinalda ao soldado desconhecido de Inglaterra, numa Catedral de Westminster tão vazia que as equipas de televisão evitavam criteriosamente mostrá-la na sua totalidade.

As medidas de segurança também foram repetidamente reforçadas. Algumas pessoas dentro do movimento contra a guerra salientavam que toda a conversa sobre helicópteros dos EUA em sobrevoo e atiradores nos telhados também tinha como objectivo afugentar os “ingleses médios” e as “mães do futebol”, para tornar mais fácil fazer passar a ideia de que os manifestantes seriam marginais. Essa táctica foi um fracasso rotundo.

Na quinta-feira, dia da principal manifestação, dezenas de milhares de pessoas desceram à capital, vindas de todos os cantos do país. 200 mil pessoas acabaram por se dirigir para o centro de Londres, fazendo fechar uma grande parte da cidade e excedendo dramaticamente as previsões das autoridades. Como era um dia de trabalho, havia uma maior percentagem de reformados do que a habitual. Um ancião falou por muitos deles quando disse que sentia que era sua responsabilidade vir, dado que muita gente que trabalhava não o podia fazer.

Mas dezenas de milhares de pessoas saíram do trabalho ou faltaram à escola para fazer sentir a sua presença. Uma família numerosa veio dos Midlands, a cintura industrial de ferrugem de Inglaterra, e trouxeram toda a gente, dos avós aos netos – o pai disse que sentiam que não podiam ficar de fora numa altura destas. Muitos eram veteranos de anteriores manifestações, e mostravam, nas suas palavras de ordem e canções, a sua revolta pela busca continuada da guerra pelos regimes dos EUA e da Grã-Bretanha, apesar da oposição mundial, e a continuação do derramamento de sangue no Iraque. Foram queimadas muitas bandeiras dos EUA. Um grupo de jovens sul-asiáticos cantava: “Eles chamam-lhe libertação, nós chamamos-lhe ocupação”. Várias dezenas de manifestantes vestiram-se de trajes laranja, alguns traziam algemas, numa demonstração de solidariedade para com os prisioneiros que os EUA mantêm em Guantânamo. Um grupo de veteranos do Vietname foi entusiasticamente ovacionado no palco.

À medida que os manifestantes entravam em Trafalgar Square, foram saudados pela imagem de uma efígie gigante de Bush em papier-mâché que sobressaia por cima da praça. Tinha 14 metros de altura, a mesma altura da estátua de Saddam Hussein que foi derrubada quando as tropas dos EUA entraram em Bagdad, e tinha sido pintada de dourado para ficar parecida com aquela. Alguns minutos depois, cordas atadas ao redor do topo da efígie foram passado às pessoas de todos os lados. A contagem decrescente começou – 10, 9, 8, 7... – e enquanto a estátua cambaleava, e finalmente tombava, um gigantesco ruído ecoou de dezenas de milhares de pulmões. Jovens saltavam para cima da efígie para a esmagar e remeter para o esquecimento. Por instantes, houve um momento de justiça não expresso mas saboreado colectivamente, um momento de verdade, uma pequena retribuição a Bush por aquele momento de propaganda imperialista enganadora em Bagdad quando as acções de duas centenas de iraquianos foram retratadas pelos meios de comunicação imperialistas como representando os sentimentos de todo o Iraque.

Os defensores de Blair e Bush tentaram dar a volta aos resultados da viagem como sendo um “sucesso” geral – afinal, Bush conseguiu, apesar de tudo, ter a sua oportunidade fotográfica com a Rainha. Mas a memória indelével com que milhões de pessoas ficaram foi a de dois chefetes da coligação imperial de guerra a serem empurrados repetidamente pelo descontentamento em massa numa série de humilhantes reveses, com os seus grandiosos planos de uma celebração de vitória transformados em pó espalhado pelo chão.

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