Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 3 de Outubro de 2005, aworldtowinns.co.uk
Peru: Começou o julgamento do Presidente Gonzalo, que se prevê prolongado

Depois de meses de atrasos e adiamentos, o governo peruano iniciou finalmente a 26 de Setembro o seu há muito ameaçado “mega-julgamento” de Abimael Guzmán (Presidente Gonzalo) e de outros réus acusados de serem dirigentes do Partido Comunista do Peru (PCP). As sessões estão a decorrer numa base da Marinha perto de Lima onde ele tem sido mantido numa masmorra subterrânea há quase 12 anos.
Até agora já decorreram três sessões, cada uma de cerca de duas horas. Estas sessões preliminares são sobre as propostas e objecções de cada lado sobre que testemunhas serão chamadas e que provas serão apresentadas. Até agora, o Presidente Gonzalo ainda não foi chamado a depor. Segundo o seu advogado, Manuel Fajardo, ele ainda não decidiu se falará ou não. Embora o julgamento seja supostamente público, os cerca de cem jornalistas presentes foram impedidos de entrar com máquinas fotográficas ou outros dispositivos de gravação. A acusação anunciou que o julgamento poderá durar até Abril. Diz-se que Fajardo previu que, devido ao material que o estado disse ir apresentar, o julgamento poderia chegar a demorar um ano.
O Presidente Gonzalo foi preso em 1992 e condenado por “traição à pátria” num julgamento sumário secreto presidido por oficiais militares com a cara coberta. Essa condenação foi considerada ilegal pelo Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos em San José, na Costa Rica. Sendo membro da Organização dos Estados Americanos, o Peru está vinculado às decisões desse tribunal. Em 2003, o Supremo Tribunal do Peru anulou o veredicto inicial e marcou um novo julgamento, num esforço para mostrar que o Peru se tinha tornado num país diferente depois da queda do ditador Alberto Fujimori.
Agora, o Presidente Gonzalo e outros 11 alegados dirigentes do PCP foram acusados de “terrorismo agravado” e homicídio. Segundo os relatos dos jornais, a acusação diz que o seu crime foi “ter planeado as acções do Sendero Luminoso [um nome que os sucessivos governos peruanos usaram para designar o PCP, como se não fosse um partido político] através de quatro formas de luta: agitação e propaganda, sabotagens, aniquilações selectivas e guerra de guerrilhas.” A acusação continua: “Para atingir os seus objectivos, a direcção do Sendero Luminoso usou carros-bomba, explosivos e armamento militar para destabilizar o governo constitucional.”
Esses factos não estão em causa. As acusações têm uma natureza claramente política. A referência às “quatro formas de luta” é uma citação do que o PCP sempre disse serem as principais formas que tomaria a guerra revolucionária iniciada em 1980. Sob a direcção do Presidente Gonzalo, o PCP iniciou uma guerra baseada nos camponeses do Peru que se tornou gradualmente numa insurreição armada alargada de massas e conquistou o apoio de milhões de pessoas, sobretudo nas zonas rurais e nos bairros urbanos pobres, bem como de pessoas de todos os outros estratos sociais. Sob a direcção do partido, os camponeses estabeleceram o seu próprio poder político na maior parte das terras altas e das florestas, confiscando e trabalhando colectivamente a terra e começando a estabelecer as bases de um sistema social avançado que poderia libertar todo o país do sistema imposto pelos EUA e pelos grandes agrários e capitalistas burocratas (ou seja, dependentes dos imperialistas) que dominam o Peru. Em 1992, no auge da guerra popular, muitos observadores acreditavam que o velho regime pudesse estar a viver os seus últimos dias. Depois da captura do Presidente Gonzalo, quando o governo Fujimori ameaçava matá-lo imediatamente, não só maoistas e outros revolucionários mas também muitos proeminentes defensores dos direitos humanos, juristas, académicos, artistas famosos, actuais e anteriores responsáveis governamentais estrangeiros, intelectuais e outras pessoas condenaram a tentativa de colar o rótulo do “terrorismo” a Abimael Guzmán e à guerra popular.
A acusação de que essa guerra era errada porque era dirigida contra um “governo constitucional” tenta evitar a questão mais fundamental de saber se os povos têm ou não o direito a revoltar-se contra um sistema injusto, o direito à revolução. A acusação também é hipócrita, dado que o governo Fujimori atirou a constituição do Peru para o lixo quando sentiu a necessidade de enfrentar um movimento revolucionário de massas. O advogado do Presidente Gonzalo defende que o actual governo continua a violar essa constituição de muitas formas, incluindo ao manter o seu cliente preso durante vários anos, depois de as acusações contra ele terem sido declaradas ilegais, e continuando a mantê-lo relativamente isolado numa prisão militar.
Em suma, o actual julgamento não é um acto de justiça mas um acto de vingança contra aqueles que os governantes do Peru declararam responsáveis pela guerra popular, independentemente da posição que qualquer dos réus tenha actualmente sobre essa guerra. E é sabido que alguns deles se viraram contra a guerra.
Um ano depois da prisão do Presidente Gonzalo, o governo Fujimori divulgou um vídeo que alegadamente o mostrava e à Camarada Miriam a assinar uma carta a defender acordos de paz. Uma linha oportunista de direita surgida dentro do PCP alegava que, devido à captura do Presidente Gonzalo, o partido devia abandonar a guerra, desmobilizar o exército revolucionário, dissolver os Comités Populares onde os camponeses exerciam o poder e, em vez disso, tornar-se num partido político legal. A acusação anunciou que iria pôr um conselheiro legal à disposição da polícia secreta do Peru para que ela testemunhasse sobre essa questão.
Noutros acontecimentos ocorridos durante as primeiras sessões, Fajardo objectou veementemente ao que disse ser o pressuposto da acusação de que poderiam não lhe permitir ver os registos judiciais das possíveis testemunhas por ele ser um “terrorista”. Ele relembrou que um tribunal militar tinha encarcerado Alfredo Crespo, o anterior advogado do Presidente Gonzalo, com a mesma acusação. A acusação também disse pretender apresentar testemunhas das mortes na aldeia de Lucanamarca em 1983, um famoso incidente de que o Presidente Gonzalo falou numa entrevista de 1988 (ver o n.º 18 da revista Um Mundo a Ganhar em www.aworldtowin.org). A arguida Martha Huatay, que é advogada e está a tratar da sua própria defesa, pediu que Ketin Vidal, um antigo chefe da infame Dincote (a polícia secreta), fosse chamado para testemunhar sobre a tortura de presos. Ela também exigiu os registos relativos aos massacres de presos políticos pelas forças armadas em 1986 e 1992.
Alegadamente, Fajardo disse numa conferência de imprensa que o seu cliente está absolutamente convencido de que irá ser condenado e receber a pena máxima. “Ele gostaria que isto terminasse depressa. O Dr. Abimael Guzmán não gosta muito de perder tempo.” O dirigente da Associação de Advogados de Lima disse que Fajardo estava ansioso por recorrer dos inevitáveis veredictos de culpado junto do Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos, com base na nulidade das próprias acusações e das leis do Peru sobre o “terrorismo”.
Das 24 pessoas declaradas arguidas, metade não foram capturadas e estão a ser julgadas à revelia. O Presidente Gonzalo e 11 outros arguidos são acusados de serem os principais líderes e enfrentam penas de prisão perpétua, enquanto a acusação pede penas de 25 anos de prisão para os restantes. As listas dos réus divulgadas pela comunicação social têm sido inconsistentes. A partir das fotografias publicadas das sessões do tribunal, a comunicação social identificou Abimael Guzmán, Elena Iparraguirre (Camarada Miriam), Oscar Ramirez Durand (Camarada Feliciano), Osman Morote, Angelica Salas, Martha Huatay, Laura Zembrano Padilla (Camarada Meche), Victor Zavalo, Marge Clavo (Camarada Nancy), Victor Trujillo e Margot Leindo.