Do jornal Público de 9 de Setembro de 2001:
Para o povo chinês, Mao continua a ser um herói
Para muitos chineses, Mao Zedong [Mao Tsétung] continua a ser, 25 anos depois da sua morte, um herói e um símbolo do orgulho nacional, apesar do sofrimento que infligiu ao seu povo.
“Eu venero-o”, diz Chen Donglin, professor de educação física de 29 anos, entre duas dentadas do seu jantar num McDonald's de Pequim. “Ele era uma pessoa verdadeiramente excepcional. A China vivia num estado miserável, e ele foi capaz de unificar o país e de correr com as potências estrangeiras”, diz Chen, apesar de o seu avô ter sido perseguido durante a Revolução Cultural orquestrada pelo “Grande Timoneiro”.
Os esquecidos da China de hoje em dia, um país com enormes desigualdades, têm tendência a idealizar a era de Mao, quando o dinheiro não ditava a lei e a corrupção ainda não tinha gangrenado o poder. “Nessa altura, éramos todos pobres, mas os nossos pensamentos eram ricos”, diz Wang Yucheng, guardador de cabras na Mongólia Interior, à saída do mausoléu de Mao, na Praça Tiananmen, que ele visitou pela primeira vez na semana passada.
As longas filas de espera continuam a formar-se todos os dias devante o mausoléu, compostas sobretudo de chineses vindos dos quatro cantos do país. Para eles, desfilar perante o corpo embalsamado do pai da China comunista constitui uma peregrinação que tem de ser feita pelo menos uma vez na vida.
Os camponeses são normalmente os mais fervorosos admiradores de Mao. “Ele foi o nosso salvador”, afirma Wang Rongcheng, um velho camponês de Hunan, a província natal de Mao. “Ele governou o país dirigindo-se primeiro aos que estavam no fundo. Os dirigentes de hoje não se interessam pela vida das pessoas normais. Eles fazem-nos pagar para tudo. Para matar os nossos porcos, para que os nossos netos possam passar nos exames, até a polícia quer dinheiro para investigar crimes. Agora os dirigentes só pensam em meter dinheiro ao bolso. No tempo de Mao, quem ousaria ser corrupto?”
Mesmo os que beneficiam das reformas económicas – empresários, estudantes – têm frequentemente uma boa imagem de Mao. “Ele fez coisas que não eram boas, mas todos temos um bom e um mau lado” diz um estudante de medicina, Li Jianyu, cujo pai foi agredido pelos Guardas Vermelhos durante a Revolução Cultural, por vir de uma família de proprietários. E, para muitos, Mao nem sequer é directamente responsável desses erros: “Ele não podia saber tudo o que acontecia nos escalões inferiores do poder”, explica Chen, o professor de desporto.
A personagem de Mao continua também a ser um símbolo de orgulho pátrio, enquanto os actuais dirigentes são acusados de tibieza perante os Estados Unidos, nomeadamente aquando do bombardeamento da embaixada da China em Belgrado, em 1999, e no caso do avião-espião americano que fez uma aterragem forçada em território chinês em Abril deste ano.
“Quando a União Soviética quis estacionar tropas na China, Mao recusou”, diz Li. “Admiro a sua atitude para com os outros países. Ele não tinha medo.”
Cindy Liu, da AFP, em Pequim