Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 16 de Julho de 2007, aworldtowinns.co.uk

Paquistão: O que está por trás do ataque à Mesquita Vermelha – e o que nos diz sobre o mundo actual

Depois de um enfrentamento armado, a 10 de Julho o exército paquistanês atacou a Mesquita Vermelha (Lal Masjid) situada na capital do país, Islamabade. A luta sala-a-sala durou 36 horas. Embora a maior parte das pessoas que estavam no seu interior tenha escolhido partir (1000 a 2000, segundo diferentes relatos), crê-se que tenham sido mortas cerca de uma centena de pessoas. A sua identidade e as circunstâncias da sua morte ainda não foram esclarecidas.

A pressão do governo de Pervez Musharraf sobre a Mesquita Vermelha começou em Janeiro, quando declarou que a escola religiosa feminina da mesquita (madraça) tinha sido construída ilegalmente. Em resposta, os estudantes das escolas masculina e feminina puseram em causa as credenciais islâmicas do regime. Os estudantes tentaram impor pela força aquilo que consideravam ser um modo islâmico de vida, numa cidade relativamente laica, e sobretudo na zona em torno da mesquita, coração da capital e onde se situam muitos edifícios governamentais e militares. Esquadrões de raparigas vestidas com burcas e empunhando lathis (bastões compridos) alvoroçaram lojas e bancas de venda de música e filmes e fizeram fogueiras com livros “não islâmicos”. Sequestraram e supostamente torturaram mulheres chinesas que trabalhavam numa casa de massagens. Também denunciaram que haver mulheres a correr em maratonas equivalia a prostituição.

Isto decorreu durante seis meses, sem qualquer reacção da parte de Musharraf. Então, subitamente, a 3 de Julho, ele enviou tropas para a mesquita. Os disparos vindos do interior do complexo mataram 16 militares, incluindo um oficial superior. Os dirigentes da mesquita anunciaram que se os soldados entrassem no edifício, bombistas suicidas fariam explodir toda a gente. O ataque ocorreu uma semana depois.

Na sequência disso, o exército deslocou uma divisão para uma zona do noroeste do país controlada por fundamentalistas islâmicos locais ligados à Mesquita Vermelha. O exército paquistanês tem meio milhão de homens e uma só divisão não é um número suficiente de soldados para conquistar a zona pela força, mas é suficiente para fazer uma dramática demonstração de autoridade e para montar significativos bloqueios de estradas. Assim que as colunas militares chegaram, foram atacadas. A 14 de Julho, um bombista suicida conduziu em direcção a uma coluna do exército no Waziristão do Norte. No dia seguinte, no Vale Swat, na Província da Fronteira Noroeste, foi emboscada uma coluna que se dirigia para norte. Manifestantes armados e desarmados ocuparam as estradas da região, incluindo a Rota da Seda em direcção à China.

Estes acontecimentos podem estar a assinalar uma importante alteração da paisagem política daquele país. Musharraf, cujas estreitas ligações às organizações fundamentalistas islâmicas como fonte de poder só ficam atrás da sua subserviência aos EUA, tem tido que defrontar violentamente algumas delas, após vários anos a evitar fazê-lo. O ataque foi aprovado e talvez ordenado pelos EUA, mas um outro factor que forçou a decisão de Musharraf veio dos próprios islamitas, que parecem ter optado pela guerra santa para impor um domínio islâmico mais completo sobre todo o Paquistão e no estrangeiro, mesmo que à custa de romperem a aliança com Musharraf que tem sido uma componente fundamental da sua capacidade para se tornarem tão poderosos.

A Mesquita Vermelha, situada perto da sede dos Inter-Serviços de Informações (ISI), era há muito um ícone do entrelaçamento entre o estado paquistanês e o fundamentalismo islâmico. Os dois irmãos que a lideravam não faziam nenhum segredo das suas relações estreitas aos agentes dos ISI. O seu pai, Maulana Abdullah, foi o seu fundador no final dos anos 60 e estava muito ligado aos círculos internos do poder, sobretudo a Zia-ul-Haq, o general do exército paquistanês apoiado pelos EUA que assumiu o controlo do país em 1979. Numa época de intensa rivalidade entre os EUA e a URSS, os EUA usaram as forças armadas do Paquistão para organizar, financiar, treinar e armar os fundamentalistas islâmicos, de forma a combaterem a ocupação soviética do Afeganistão. Mais tarde, os ISI deram aos talibãs o apoio de que necessitavam para tomarem o poder. Inicialmente, os EUA deram a sua aprovação, acreditando que a influência paquistanesa sobre o Afeganistão traria estabilidade e garantia aos interesses norte-americanos. Os ISI também usaram os fundamentalistas para levarem a cabo uma guerra por procuração contra a Índia por causa da Caxemira ocupada pela Índia.

Zia também tentou islamizar o próprio Paquistão. Entre outras coisas, isso significou uma mudança radical do sistema legal do país. As infames Ordenações Hudood implementaram a lei islâmica (Xariá), com terríveis consequências para as mulheres. O governo civil de Benazir Bhutto que lhe sucedeu não aboliu essas leis.

Musharraf, que em 1999 tomou o poder através de um golpe de estado militar, não estava menos ligado aos fundamentalistas islâmicos. Algumas pessoas consideram-no de uma linha menos dura que Zia, no sentido em que tolera o laicismo e dá algum espaço às divergências políticas e sociais entre as classes médias e altas cosmopolitas e urbanas. Mas ele tornou bastante claro qual o seu papel pessoal quando condenou publicamente uma mulher que tinha exigido justiça contra os homens que a tinham violado. Um tribunal islâmico tinha decidido que, em vez deles, era ela que devia ser castigada – por ter cometido “adultério” com o bando que a violou. “Isso tem-se tornado numa questão de fazer dinheiro”, disse Musharraf ao jornal Washington Post para a desacreditar. “Muita gente diz que se uma mulher quer ir para o estrangeiro e obter um visto para o Canadá ou a cidadania e ser milionária, faz com que seja violada.” Ele mandou a sua polícia mantê-la sob prisão domiciliária para a impedir de comunicar com o mundo exterior.

Embora as ligações entre as classes dominantes paquistanesas e o fundamentalismo não tenham mudado quanto ao essencial, porém, uma outra coisa mudou: os fundamentalistas islâmicos atacaram directamente os EUA. Musharraf seguiu as ordens de Bush e tornou num grande espectáculo o rompimento da aliança com Cabul depois do ataque de 11 de Setembro de 2001 ao World Trade Center de Nova Iorque. Mas o seu governo manteve relações estreitas com aqueles que são frequentemente chamados talibãs paquistaneses, os vários grupos e partidos políticos das zonas tribais pachtuns do Waziristão e do Noroeste, ao longo da fronteira com o Afeganistão, os quais estão sempre ansiosos por contar a quem os queira ouvir a sua simpatia e frequentemente lealdade para com os seus semelhantes talibãs pachtuns do Afeganistão, e que orgulhosamente pretendem impor o mesmo tipo de sociedade.

Tem sido difícil para Musharraf equilibrar as suas relações com o movimento da Mesquita Vermelha e os islamitas com a sua dependência do apoio dos EUA, mas têm-no conseguido há muito tempo e os EUA apoiam-no nisso. Proeminentes comentaristas escreveram que Musharraf tem andado a jogar um “jogo duplo”, recebendo mil milhões de dólares por ano dos EUA, sobretudo em ajuda militar, ao mesmo tempo que tolera a presença no Paquistão dos líderes talibãs afegãos e talvez da liderança da Al-Qaeda (segundo o historiador e analista de segurança Garth Porter, perante o Congresso dos EUA, Inter Press Service, 10 de Julho). A verdade é mais complexa.

A sua estratégia tem sido manter os fundamentalistas internos tão perto quanto possível, num abraço poderoso, ao mesmo tempo que cooperava tão perto quanto possível com os militares norte-americanos, em público e mesmo mais em privado. Por exemplo, a CIA foi autorizada a montar bases secretas no Paquistão, a sequestrar pessoas e mesmo a usar mísseis de cruzeiro contra supostos líderes da Al-Qaeda, mas as tropas norte-americanas não foram autorizadas a intervir no país com uniformes. Isso provocaria muita agitação e o regime poderia cair.

Quanto aos fundamentalistas, a ditadura militar precisa da legitimidade das credenciais islâmicas e do apoio social e material das forças islâmicas para manter o seu poder. Além disso, diz-se frequentemente que, como os britânicos criaram o Paquistão com uma base religiosa arbitrária (e reaccionária) ao dividirem a Índia a meio, na altura da sua independência, o clero islâmico e os militares são as únicas coisas que o unem como país. Em grande parte, o poder político de cada um deles tem dependido do outro. Ambos estão profundamente enraizados na mais ou menos feudal economia rural do país. Os militares também são proprietários de muitos dos aspectos do lado mais moderno do país, a sua indústria e outros negócios.

Pouco depois de supostamente terem rompido com os talibãs afegãos, o regime de Musharraf ajudou o partido pró-talibãs afegãos Jammat-e-Islami e outros grupos islâmicos aliados a ganharem as eleições estaduais em Outubro de 2002, nas zonas que fazem fronteira com o Afeganistão. Com a ajuda de agentes locais do Jammat-e-Islami, os talibãs afegãos estão aparentemente a reagrupar-se no Paquistão e a usar bases aí localizadas para levar a cabo ataques no seu país. Estas actividades através da fronteira concentram-se no Waziristão Norte e Sul, mas estendem-se a toda a fronteira. Musharraf enviou tropas para acabar com elas. A Mesquita Vermelha tornou-se conhecida em 2004, quando emitiu um decreto religioso (fátua) segundo a qual os soldados do exército que morressem nessa campanha não poderiam receber orações ou funerais muçulmanos. Cerca de 500 estudiosos religiosos assinaram a fátua. O exército retirou. Em 2006, o regime chegou a um acordo formal com os líderes tribais do Waziristão, prometendo deixá-los sozinhos se os combatentes estrangeiros entre eles – o que queria dizer as tropas da Al-Qaeda – fossem forçados a abandonar as suas armas ou a sair do Paquistão. A trégua foi mantida até 15 de Julho deste ano, altura em que uma reunião do conselho islâmico (Shura) do Waziristão Norte a anulou, dizendo que ao enviar de novo as tropas o governo tinha rompido o acordo.

Mas o enquadramento era que o abraço de Musharraf não estava a atingir os seus objectivos em termos de conter o apetite dos fundamentalistas. Durante estes últimos anos, ao mesmo tempo que os talibãs alargavam a sua autoridade no Waziristão, uma organização paquistanesa chamada TNSM (Movimento para a Implementação da Lei Islâmica) começou a exercer o poder político no Vale Swat e noutras zonas da Província da Fronteira Noroeste. Segundo o jornalista Sayeed Saleem Shahzad, no Asia Times Online (www.atimes.com), o agora falecido líder adjunto das orações da Mesquita Vermelha, Abdul Rashid Ghazi, cujos seguidores o comparavam ao Mulá Omar dos talibãs e ao líder da Al-Qaeda Osama Bin Laden, pregava todas as noites pelo telefone para os membros da TNSM. A mesquita tanto recebia estudantes do Noroeste como enviava para aí os licenciados oriundos de outras partes do país para se juntarem aos muitos homens armados na zona prontos para a guerra santa islâmica no Afeganistão ou noutros lugares – várias centenas de milhares de jihadistas, segundo Shahzad. O movimento da Mesquita Vermelha tornou-se num símbolo de uma ambição islâmica de ir além dos limites do regime de Musharraf.

Alguns jornalistas situam nesta situação muito do conflito entre a Al-Qaeda e as forças talibãs. Isso requer mais investigação. O fundamentalismo islâmico, mesmo na sua variante armada, inclui muitas correntes diferentes, por vezes com perspectivas e objectivos nitidamente opostos. Num intrigante artigo titulado “A Al-Qaeda contra os talibãs” no Le Monde diplomatique de Julho de 2007, o acima citado Shahzad salienta que o acordo de paz entre o governo e os talibãs locais originou a luta entre os talibãs e a Al-Qaeda. Ele revela as tensões entre os fundamentalistas que querem focar-se em expulsar os ocupantes liderados pelos EUA do Afeganistão e evitar combater o exército paquistanês e os que querem defrontar o “hipócrita” – ou seja, não suficientemente islâmico – Musharraf e mesmo enfrentar directamente os EUA e seus aliados. (Os bombistas do metro de Londres, por exemplo, alegadamente visitaram a Mesquita Vermelha.) Com base em entrevistas aos dois irmãos na Mesquita Vermelha, ele alega que eles queriam chegar a um compromisso com Musharraf, mas que alguns dos seus estudantes – bem como outras forças não identificadas – não os deixavam.

Porém, ao mesmo tempo, o que temos visto no Paquistão é a característica porosa dessas categorias e o aparecimento de um fenómeno cujos variados e complexos detalhes, independentemente de quão significativos sejam, não nos deve obscurecer o que acontece a nível global. Os acontecimentos das últimas semanas mostraram algo que antes talvez não fosse tão claro: independentemente das intenções de qualquer dos lados, os acordos entre Musharraf e algumas das forças islâmicas desmoronaram-se porque se tornaram insustentáveis para os dois lados. Sem querermos defender que um qualquer resultado específico seria inevitável, há uma certa lógica a funcionar.

Os EUA, ao apoiarem esse compromisso, tentavam neutralizar os elementos pró-talibãs afegãos no Paquistão de forma a derrotarem os talibãs no Afeganistão. (O consentimento de Washington em relação ao acordo foi tornado explícito, mesmo que apenas em retrospectiva, pelo Conselheiro Nacional Norte-Americano para a Segurança, Stephen Hadley, que disse: “Não funcionou como [Musharraf] queria. Não funcionou como nós queríamos.” – CNN, 15 de Julho) Uma importante razão para não ter “funcionado” foi o inesperado ressurgimento dos talibãs no Afeganistão. Um importante agente dos ISI uma vez declarou categoricamente: “Os talibãs não são um problema para o Paquistão” – por outras palavras, os talibãs não são nenhuma ameaça para Musharraf. Mas quando os EUA e os seus aliados descobriram que no Afeganistão estavam a combater uma guerra real e muito pouco bem-vinda, a capacidade dos talibãs usarem bases no Paquistão tornou-se para eles em algo mais que um transtorno.

Uma outra razão é que nisso está envolvido algo mais do que uma simples utilização instrumental do fundamentalismo islâmico. As estruturas islamitas foram encorajadas a integrar-se no exército e nos ISI. A sobreposição entre o estado e o fundamentalismo religioso estende-se ao nível ideológico, bem como aos níveis políticos e organizativos. Isto quer dizer que, embora o exército paquistanês tenha organizado os movimentos fundamentalistas islâmicos sunitas do Paquistão, Afeganistão, Caxemira e Índia, com a anuência dos EUA, esses movimentos não estão necessariamente sob controlo de ninguém. Além disso, há outros factores a ter em conta, incluindo o recrudescimento do fundamentalismo hindu e dos ataques genocidas contra os muçulmanos na Índia. O estabelecimento do regime de Khomeini no Irão deu um grande impulso ao fundamentalismo islâmico e ao seu desejo de poder político em toda a região, apesar das importantes diferenças ideológicas entre os xiitas no poder no Irão e a maioria sunita do Paquistão e do Afeganistão e das suas relações políticas antagónicas.

Muitos dos fundamentalistas, por seu lado, são motivados não apenas por interesses económicos e ambições políticas, mas acima de tudo por uma perspectiva global coerente, uma ideologia que engloba todas as facetas da vida e da morte. Eles lutam pela concretização total da sua perspectiva e não se preocupam com as fronteiras traçadas pelos imperialistas.

Como escreveu o autor iraniano Siamac Sotudeh em Por que é que os Mortos estão a Andar? O Movimento Islâmico: Motivos & Perspectivas, os fundamentalistas islâmicos e o imperialismo norte-americano têm as suas próprias versões da estratégia de derrotar os inimigos um a um. Começando com uma análise sobre como os EUA ajudaram o regime de Khomeini a chegar ao poder como “a alternativa menos má” e acabando com uma descrição das intenções da linha dura do regime para impor a sua variante do Islão em tantos pontos do mundo quanto possível, ele conclui que essas alianças não significam que nenhum dos lados abandone os seus objectivos estratégicos.

Musharraf tem pelo menos uma coisa em comum com Hamid Karzai do Afeganistão, o líder de um outro regime dependente dos EUA que não poderia existir sem a sua base entre as forças fundamentalistas: quaisquer que sejam as ideias religiosas dele, ele subordina-as ao seu compromisso de manter o Paquistão como província do império global norte-americano. Quaisquer que sejam as suas diferenças em relação aos EUA, ele e eles reconhecem isso. Isso é algo que alguns islamitas não podem tolerar e não apenas ou sequer sobretudo por causa do sofrimento das pessoas e da humilhação nacional sob domínio norte-americano. O capital imperialista não pode simplesmente deixá-los em paz, mas tem que transformar continuamente as relações económicas e sociais e a cultura dos países que domina, minando o seu poder e a sua própria existência e alimentando a sua ira em relação ao “Ocidente” e a sua determinação em reavivarem e defenderem uma perspectiva medieval. De uma forma mais imediata, a sua ideologia exige um domínio islâmico sem restrições e em expansão. Eles não são nacionalistas com roupagens religiosas nem sequer representantes “objectivos” do desejo de libertação nacional das massas, mas sim representantes das próprias relações feudais e de outras relações retrógradas que tornaram possível que o imperialismo dominasse económica e politicamente o país.

Claro que o fundamentalismo religioso não é específico do Islão nem se limita aos países oprimidos. A sua ascensão é um fenómeno novo e global que também engloba protestantes, católicos, judeus e hindus. Uma ideologia igualmente retrógrada impele Bush e o movimento fundamentalista cristão que ele quer representar. Ao mesmo tempo, actualmente tudo isso está a ocorrer no contexto de uma também sem precedentes mobilização dos EUA para estabelecerem um único império mundial. Afinal de contas, foram os EUA que invadiram e ocuparam o Afeganistão e o Iraque e que impõem brutalmente os seus ditames à maior parte dos países de maioria muçulmana do mundo, e não o contrário. O que levou o fundamentalismo islâmico e os EUA ao actual nível de conflito foram, basicamente, os EUA.

Embora os EUA precisem e estejam mais que desejosos de usarem as forças retrógradas locais e reaccionárias para imporem o seu domínio, consideram o fundamentalismo islâmico como um obstáculo de longo prazo e, sobretudo agora, como uma séria ameaça imediata. Estão determinados a esmagar essas forças e eliminar os seus territórios de reprodução – mesmo que isso signifique alianças temporárias com algumas delas.

É aqui que a questão das ameaças dos EUA contra o Irão encaixa neste cenário. O especialista norte-americano no Médio Oriente, Barnett Rubin, alega que “o principal centro do terrorismo global está no Paquistão” (Conselho para as Relações Externas, cfr.org). Contudo, ao ouvirmos os porta-vozes do governo dos EUA, poderíamos pensar que é no Irão e não no Paquistão que se abriga a liderança talibã e talvez a da Al-Qaeda.

Se o regime Bush tem minimizado deliberadamente o “jogo duplo” de Musharraf, é porque sabe que Musharraf teve que jogar esse jogo para manter o poder, e eles querem-no no poder. Eles querem o Paquistão como aliado servil na sua guerra contra a Al-Qaeda e os talibãs, mesmo que tenham que suportar algumas coisas estranhas para o obterem. E, sobretudo agora, precisam do regime de Musharraf e do exército paquistanês para os usarem contra o Irão, cuja República Islâmica pretendem afastar através de ameaças armadas ou de actos armados. Diz-se que já estão a ocorrer operações encobertas no Irão a partir do Paquistão. Os governantes norte-americanos não estão casados com Musharraf para toda a vida – ele não seria o primeiro agente dos EUA a receber uma bala norte-americana pelas suas dificuldades. Mas por agora as prioridades mais elevadas da sua guerra pelo império – e da guerra contra o fundamentalismo islâmico que nela se enquadra – tornam uma mudança de regime no Irão mais importante que uma maior pressão sobre Musharraf. Eles podem mesmo ter concluído que o Irão oferece condições muito mais favoráveis que o Paquistão para montarem um regime não-islâmico e fazerem recuar o fundamentalismo anti-EUA.

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