Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 20 de Abril de 2009, aworldtowinns.co.uk

Orissa, Índia:
Fundamentalistas hindus fomentam violência entre o povo

O estado do Orissa, na Índia
Localização do estado do Orissa, na Índia

Durante muitos anos, um grande número de dálitas (os anteriormente chamados “intocáveis”) do Estado do Orissa, no leste da Índia, converteu-se ao Cristianismo para escapar ao sistema hindu de castas em que eles são considerados sub-humanos. Na última década, e sobretudo no último ano e meio, a vida tornou-se um inferno para eles. Em Dezembro de 2007, forças supremacistas hindus desencadearam distúrbios em que muitos dálitas cristãos foram mortos e as suas casas e igrejas foram incendiadas pela população tribal que é pelo menos tão pobre quanto os dálitas. Diz-se que o monge hindu Swami Laxmanananda Saraswati, líder do partido Vishnu Hindu Parisad (VHP), tem estado por trás dos ataques. O VHP faz parte de um movimento mais vasto de organizações identificadas com a palavra “Hindutva” (“a qualidade de se ser hindu”), que luta, no parlamento e muitas vezes nas ruas e aldeias, em nome da oposição ao comunismo, ao Islão e ao Cristianismo.

Depois de Saraswati ter sido morto em Agosto do ano passado, num ataque atribuído à guerrilha liderada pelo Partido Comunista da Índia (Maoista), os partidos Hindutva desencadearam ataques ainda mais ferozes contra os dálitas cristãos. No distrito de Kandhamal, bem no interior florestado do Orissa, muitos deles estão agora a viver em campos provisórios após as suas casas terem sido destruídas. Os hindus estão proibidos de os contratarem mais como trabalhadores jornaleiros, ou sequer de falarem com eles, e os seus filhos não podem ir à escola. Não se via este nível de violência contra os cristãos desde a independência da Índia, e isto tem sido encorajado e organizado.

Um líder local de um partido hindu supostamente mais convencional, o BJP, vangloriou-se recentemente a um jornalista: “Morreu um grande número de cristãos, sim, isso é um facto, mas e depois? O sentido hindu de dignidade veio à superfície de uma forma espontânea e eles querem proteger esse sentido de dignidade.” (BBC, 13 de Abril de 2009) Note-se que a afronta à “dignidade hindu” que justifica o massacre está a virar as nossas costas à religião hindu. O BJP é um dos dois principais partidos da Índia. O outro, o rival e actualmente no governo Partido do Congresso, pouco tem feito para se opor a estes ataques e à ideologia reaccionária que os motiva, e pouco ou nada faz para ajudar os refugiados de Kandhamal que vivem em tendas e barracas.

O seguinte artigo, intitulado “Derrotar a investida fascista no Orissa” e escrito por Ujjwala, foi ligeiramente editado. Foi originalmente publicado no número de Janeiro-Março de 2009 da publicação indiana People's Truth [Verdade do Povo] (bannedthought.net/India/PeoplesTruth/PeoplesTruth04.pdf).

Derrotar a investida fascista no Orissa

Por Ujjwala

A violência recente e ainda em curso contra os dálitas cristãos em Kandhamal destaca uma vez mais a necessidade de combatermos as forças fascistas Hindutva e de expormos completamente os governos, central e do estado. A recusa dos governos do estado e central em conterem as fanáticas milícias hindus evidencia a sua ligação ao BJP Hindutva e ao Partido do Congresso moderadamente Hindutva e a capitulação de um sector da sociedade civil ao maioritarismo hindu. A actual violência começou imediatamente após a morte do conhecido criminoso vestido de açafrão, Swami Laxmanananda, um dirigente do VHP que trabalhava nessa zona há mais de 30 anos, com o único objectivo de consolidar as forças Hindutva. Ele, em conjunto com quatro dos seus associados, foi atingido mortalmente pelas guerrilhas populares a 23 de Agosto de 2008.

Violência e destruição contra os dálitas no Orissa
Violência e destruição contra os dálitas no Orissa (Foto: AsiaNews)

As guerrilhas populares deixaram uma nota nesse mesmo local em que explicavam as razões por trás da eliminação de Laxmanananda Saraswati e onde declaravam: “Decidimos castigar os líderes fanáticos e antipopulares como Saraswati devido à permanente perseguição das minorias religiosas do país. Haverá mais castigos destes se continuar a violência contra as minorias religiosas do país.” Apesar desta declaração clara, as forças Hindutva usaram esse incidente para levarem a cabo massacres de dálitas cristãos, declarando-os responsáveis. Sempre que líderes e activistas contra as deslocações [um movimento de resistência às apropriações de terras pelas maiores empresas da Índia] são etiquetados de maoistas, os membros do Sangh Parivar [um agrupamento de organizações nacionalistas hindus, que inclui os partidos RSS, VHP, Bajrang Dal e BJP] são os primeiros a juntar-se ao coro. Eles também exigem uma acção firme contra esses líderes e activistas. Mas, neste caso, mesmo depois de os maoistas terem assumido a responsabilidade, esses gângsteres covardes tiveram medo de enfrentar os naxalitas [maoistas] e preferiram atingir alvos mais frágeis, tais como padres cristãos, mulheres e crianças.

A violência começou imediatamente após esse incidente. Os ataques a inocentes adivasis [populações tribais], dálitas, mulheres e crianças que pertencem a comunidades minoritárias, foram planeados, liderados e levados a cabo pelo Sangh Parivar sem qualquer limite. Eles começaram por violar freiras e linchar mulheres e homens inocentes, inválidos e outras pessoas. Alguns arruaceiros sob o comando directo de líderes do BJP e do RSS começaram a incendiar as casas, lojas, escolas, orfanatos e igrejas dos cristãos [muitos deles pela segunda vez, depois dos ataques de Dezembro de 2007] e alguns escritórios de ONGs. Lincharam uma menina estudante num ashram de Kany e um padre em Baragarh, e mataram três pessoas em Kandhamal na presença de forças policiais. Até agora já foram mortas mais de 20 pessoas sem que tivessem cometido nenhum delito. Milhares e milhares de pessoas que não estão de forma nenhuma ligadas à morte de Saraswati, incluindo mulheres grávidas, crianças e velhos, foram forçados a abandonar as suas casas e estão agora a elanguescer no interior das florestas, à chuva e sem comida, água ou roupas.

Há indícios suficientes para se acreditar que houve uma actuação deliberada de um sector dentro do governo que bloqueou a administração e a polícia, levando a um total colapso dos sistemas de governação. A violência não se limita apenas ao distrito de Kandhamal e começou a propagar-se a outros distritos. Em vários distritos do Estado do Orissa há tensão e medo de mais violência. Já a situação no distrito de Koraput, em particular em Jeypore, é muito séria. Muitas pessoas fugiram das suas casas e aldeias e permaneceram nas selvas durante muitos dias, sem qualquer comida, cuidados médicos ou tecto.

Uma caracterização do Distrito de Kandhamal

Bombeiros tentam apagar as chamas numa igreja
Bombeiros tentam apagar as chamas numa igreja

Kandhamal foi constituído como distrito recentemente, em 1994. Tem 2515 aldeias espalhadas por mais de 7649 quilómetros quadrados. O seu território é inacessível, cheio de colinas e caminhos estreitos que entrecruzam as aldeias. Não há aí nenhuma unidade industrial. Não há nenhuma via-férrea, pelo que nenhum comboio aí chega. Cerca de oitocentas mil pessoas vivem nesse território difícil. Em termos de castas e tribos, a tribo Kandha constitui mais de metade da população de Kandhamal. Os Panas, que são dálitas, formam o maior sector seguinte. É nessa tribo Kandha que o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS) se está a concentrar para os levar para o campo Hindutva. Os Panas são onde a comunidade cristã tem maior número. A percentagem de cristãos em Kandhamal – 25% – é incrivelmente elevada quando comparada com os 2,44% no total do Orissa. Em termos de percentagem, o Orissa tem a terceira maior concentração de hindus da Índia (quase 95% no censo de 2001). Os muçulmanos são apenas 2%. Kandhamal permanece socioeconomicamente atrasado, com uma grande percentagem da sua população a viver na miséria. Cerca de 90% dos dálitas não têm terra. A maioria dos cristãos não tem terra ou são pequenos proprietários marginalizados.

Os ideólogos Hindutva dizem que os dálitas têm benefícios económicos, amplificados pela cristianização. Isso não é confirmado pela realidade. O perfil demográfico de Kandhamal sugere que, nos últimos 40 anos, a população de pessoas de fora que têm migrado para o distrito aumentou 140%. Elas são todas não-tribais e não-dálitas, e pertencem sobretudo às castas superiores – Brâmanes, Karans, Telis, Sundhis, Kumudis, etc. Eles fazem comércio e negócios com a população tribal e com os dálitas. As histórias de opressão que os envolvem podem ser narradas separadamente. A maioria das terras férteis do distrito está sob o controlo destas comunidades comerciais. São eles que fornecem uma boa base para todos os grupos Sangh Parivar que actuam no distrito e têm representado um papel activo em toda a erupção de violência comunal.

O activista do RSS Swami Laxmanananda Saraswati, que liderava o movimento VHP em Kandhamal, não era um sadhu [homem santo] como estão a insinuar. Ele era membro do Kendriya Margadarshak Mandal do VHP, um poderoso painel de decisores. Ele operava em grande parte a partir de dois ashrams situados a 150 quilómetros um do outro. Para os seus seguidores, Saraswati era a encarnação de Parashurama, o primeiro santo guerreiro da mitologia hindu. Saraswati via-se a si próprio como o santo que derrotaria os cristãos. Saraswati era membro do que agora se chamam as Castas Mais Atrasadas [na classificação oficial da Índia, cujo suposto objectivo é acabar com os efeitos do supostamente ilegal sistema de castas]. Ele teve que abandonar o seu emprego devido a algumas irregularidades e a um processo policial por assassinato e conspiração criminosa que estava pendente contra si. Ele conseguiu escapar a muitos atentados anteriores contra a sua vida.

A ascensão das forças Hindutva no Orissa

Agitadores e arruaceiros fanáticos do VHP
Agitadores e arruaceiros fanáticos do VHP

O que aconteceu em Kandhamal não foi um acontecimento isolado. Foi o resultado de um esforço permanente do Sangh Parivar para propagar o veneno do ódio comunal no Orissa. Uma série de cruzadas anticristãs, tais como o horrível assassinato de Graham Staines e dos seus dois filhos em 1999 [queimados vivos no carro desse missionário], marcaram o início de um Hindutva agressivo no Orissa.

A história do Sangh no Orissa pós-colonial é longa e violenta. Virulentas campanhas Hindutva contra grupos minoritários repercutiram-se em Rourkela em 1964, Cuttack em 1968 e 1992, Bhadrak em 1986 e 1991, Soro em 1991. As forças Hindutva tiveram uma surpreendente ascensão após a subida ao poder do governo de coligação entre o Partido Bharatiya Janata [BJP] e o Biju Janata Dal, em 2000.

Contudo, não podemos culpar apenas o BJP pela consolidação das forças comunais. O papel de todos os maiores partidos políticos é igualmente condenável. Os líderes locais do principal partido de oposição [no Orissa], o Congresso, estão essencialmente com o Sangh Parivar, o que constitui a principal razão por que não é possível impedir a violência contra as minorias, nem sequer nas bolsas onde o Partido do Congresso tem uma grande influência. Os líderes locais do Congresso sempre deram uma boa ajuda a Swami Laxmanananda sempre que Swami organizava yajnas ou outros rituais comunais. Se nos recordarmos do papel que o Congresso representou durante os distúrbios no Guzarate [um enorme massacre Hindutva de muçulmanos em 2002] e nos dias seguintes [quando o governo central liderado pelo Congresso nada fez para ajudar os refugiados], iremos descobrir um papel semelhante ao desempenhado pelo Congresso no Orissa na situação em Kandhamal.

Actualmente, o VHP tem reivindicado ter 125 mil trabalhadores primários [nas actuais eleições parlamentares de âmbito nacional] no Orissa. Diz-se que o RSS opera 6000 shakhas com mais de 150 mil membros. O Bajrang Dal [ala da juventude do VHP] tem 50 mil membros que trabalham em 200 akharas [centros]. Os trabalhadores do BJP são mais de 450 mil. O BJP Mohila Morcha, o Durga Vahini (7000 instalações em 117 locais) e o Rashtriya Sevika Samiti (80 centros) são as três principais organizações de mulheres do Sangh. O BJP Yuva Morcha, Ala da Juventude, Adivasi Morcha e Mohila Morcha têm uma base elevada. O Bharatiya Mazdoor Sangh controla 171 sindicatos com 182 mil membros. O Bharatiya Kisan Sangh, com 30 mil membros, funciona em 100 bairros. O Sangh também controla várias fundações e filiais de instituições nacionais e internacionais que ajudam à angariação de fundos, incluindo: Amigos da Sociedade Tribal, Organização de Caridade Samarpan, Sookruti, Yasodha Sadan e Centro Internacional Odisha. O desenvolvimento sectário e a educação são levados a cabo pelas Ekal Vidyalayas, Vanavasi Kalyan Ashrams/Parishads (VKAs), Vivekananda Kendras, Shiksha Vikas Samitis e Sewa Bharatis – cimentando a obra de ódio e polarização civil.

As verdadeiras razões da “violência comunal”

“O Orissa é uma vergonha nacional! Parem de matar cristãos!” (Pano numa rua do Orissa)
“O Orissa é uma vergonha nacional!
Parem de matar cristãos!”
(Pano numa rua do Orissa)

A actual violência no Orissa não é exclusivamente religiosa. Deve ser vista em geral como parte das condições sociais, económicas e políticas em evolução no país e no Orissa em particular. O Orissa tem uma parcela de 6,6% do valor total dos recursos minerais mas constitui apenas 1,6% da produção industrial nacional. Estes enormes recursos minerais tornam obviamente o Orissa num destino lucrativo do capital privado e das maiores multinacionais do mundo. O governo do Orissa tem levado a cabo implacavelmente a aquisição de terras pela força bruta para as empresas mineiras e para a exploração de outros recursos naturais, tal como se viu em Kashipur, Kalinganagar, Jagatsinghpur e Hirakud, para honrar os compromissos que tem com várias grandes empresas nacionais e estrangeiras.

Por outro lado, também podemos observar o aumento da resistência popular a essas políticas de globalização e pilhagem económica pelos imperialistas. As classes dominantes, conscientes desta realidade, estão a procurar formas de contenção da oposição das massas. O Sangh Parivar está a trabalhar precisamente para os imperialistas com a sua política divisionista de criar tensões comunais e contrapor uns contra os outros os grupos mais marginalizados, neste caso os adivasis contra os dálitas, a maioria dos quais acontece serem cristãos. O Sangh Parivar faz falsas alegações de que os missionários cristãos e os comerciantes muçulmanos são os responsáveis pela aquisição e apropriação ilegais de terras dos adivasis. A noção de que os dálitas cristãos são os responsáveis pela falta de terra dos adivasis é falsa. A verdade é que há um declínio real do verdadeiro número de empregos disponíveis e de oportunidades geradoras de rendimentos na zona, apesar da implacável mineração e industrialização em algumas zonas.

O Sangh Parivar também está a tentar emular no Orissa o exemplo do Guzarate, através da hinduização da enorme população tribal. O Orissa tem cerca de 22% de população tribal e em alguns distritos como Koraput, Keonjhar, Phulbani, Sundargarh e Kandhamal, eles constituem a maioria. A população tribal também é uma importante base de apoio dos maoistas que estão a liderar a luta contra a máfia mineira.

A actual violência no Orissa deve ser vista como parte da estratégia global das classes dominantes para dividirem o povo e conterem a ascensão dos movimentos populares. A aguda crise económica mundial terá sérias repercussões na Índia, sobretudo num estado já empobrecido como o Orissa. O empobrecimento daí resultante levará a revoltas mais virulentas do povo contra os seus opressores. O trabalho do Sangh Parivar é desviá-las para batalhas intestinas de forma a salvar os governantes e os ricos. Não é surpreendente que os seus cofres estejam cheios com o dinheiro vindo dessas fontes para quem trabalham. O Sangh Parivar, com a ajuda do governo, já está a planear criar milícias reaccionárias no Orissa com a população tribal, segundo o modelo da “Salwa Judum” [no Chhattisgarh, onde as autoridades forçam a população tribal a viver em campos de repressão e a integrar as milícias para combaterem outros insurgentes rurais], para reprimirem os movimentos populares. Não há dúvida nenhuma que, tal como no Chhattisgarh, eles terão a resposta adequada das massas lideradas pelos maoistas.

Principais Tópicos