Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 19 de Janeiro de 2009, aworldtowinns.co.uk

O que trará o cessar-fogo a Gaza e à Palestina?

A História mostra, tal como o faz uma análise das forças e dos factores hoje em jogo, que a intenção deste cessar-fogo é infligir mais sofrimento, opressão e inevitavelmente mais violência ao povo palestiniano.

O que aconteceu durante o último cessar-fogo, entre Junho de 2008 e o fim do ano: Os pontos mais importantes do acordo não escrito mas bastante explícito foram a promessa do Hamas de parar os disparos de foguetes e morteiros e a promessa de Israel de abrir as fronteiras às importações e exportações, não na sua totalidade mas de forma suficiente a que as pessoas em Gaza pudessem viver vidas mais normais. Foi exactamente isso que Israel não fez e por razões declaradas abertamente: não iriam permitir que os palestinianos de Gaza tivessem nada parecido com vidas normais enquanto o Hamas estivesse no poder.

Houve alguns projécteis disparados de Gaza próximo do primeiro mês do acordo, supostamente por grupos distintos do Hamas. As estatísticas oficiais israelitas contaram apenas 11 foguetes e 15 morteiros lançados de Gaza entre 1 de Julho e 1 de Novembro de 2008. “Embora de forma nenhuma cem por cento segura, a cidade de Sderot [o colonato sionista mais próximo de Gaza], no sul de Israel, estava longe de estar a viver sob uma incessante barragem de foguetes”, escreveu Mouin Rabbani no Middle East Report Online (7 de Janeiro).

Se o bloqueio israelita a Gaza tem um objectivo político, também o têm os foguetes do Hamas: forçar Israel a cumprir esse acordo. (A utilização da violência pelo Hamas, tal como por Israel, é sempre politicamente motivada e aferida. Diz-se que se pensa que os atentados suicidas são neste momento politicamente contraprodutivos. Apenas ocorreu um único em Israel em quase quatro anos.) Pelo contrário, Israel endureceu o seu estrangulamento de Gaza, até os seus habitantes ficarem em situações desesperadas. À medida que se aproximava o prazo final para um novo acordo, o Hamas aumentou o número dos seus foguetes de pressão para a negociação. Israel respondeu a 4 de Novembro com uma incursão em Gaza que matou meia dúzia de combatentes do Hamas e pôs um fim abrupto a essas negociações. Isto foi feito com total conhecimento de como reagiria o Hamas e, quando foram lançados mais foguetes, Israel teve a desculpa que queria para o ataque total para o qual tinha estado a treinar as suas tropas e a planear há um ano.

O que procurava obter Israel durante a sua barragem de artilharia e mísseis de uma semana e com a sua invasão de duas semanas: O comentador Rabbani tentou fazer uma avaliação científica dos objectivos de Israel e chegou a uma conclusão partilhada por outros observadores bem informados. O ataque começou com 90 aviões de guerra a despejar mais de 100 toneladas de explosivos, matando imediatamente mais de 225 pessoas e ferindo pelo menos mais 700. Os objectivos iniciais não foram as instalações militares do Hamas mas a infra-estrutura civil de Gaza, edifícios e instituições geridas pelo Hamas, como o parlamento; todos os diferentes ministérios, a maioria dos quais sem qualquer importância militar directa possível; a principal universidade; a estação de televisão do Hamas; esquadras da polícia, incluindo postos de controlo do trânsito; uma prisão, matando presos detidos pela polícia dirigida pelo Hamas; várias clínicas de bairro, algumas dirigidas por grupos de ajuda humanitária estrangeiros; hospitais; escolas, mesquitas e por aí adiante. O maior número de mortes num único dia ocorreu quando Israel atingiu uma multidão numa cerimónia de graduação de cadetes da polícia. Em suma, Israel sabia que não podia extirpar o Hamas, mas, em vez disso, procurou destruir os órgãos do seu governo.

Ao mesmo tempo, embora continuando a centrar-se nesse aspecto da sua campanha militar, o estado sionista também levou a cabo o que só pode ser entendido como uma guerra contra o povo, um castigo colectivo infligido aos civis com o objectivo político de os virar contra o Hamas ou pelo menos fazer-lhes concluir que o preço de um governo liderado pelo Hamas era mais do que qualquer ser humano poderia suportar. Israel também quis provar a sua determinação em atingir os seus objectivos, independentemente do seu preço em sangue. Ao fim da segunda semana de guerra, Israel tinha despejado uma média de quase seis bombas e mísseis por quilómetro quadrado em Gaza e o seu verdadeiro impacto foi muito pior porque essas munições se concentraram em zonas habitadas. É moralmente injustificável culpar o Hamas pelas mortes de civis, como o fazem Israel e os EUA, ou mesmo esboçar uma equivalência entre Israel e o Hamas, o invasor e os invadidos. Não se trata de esconder a natureza dessa organização fundamentalista islâmica, mas a verdade é incontestável: o Hamas não tinha nenhum outro lugar senão Gaza para lutar contra os invasores, dado que foi Israel que impediu os civis de fugirem de Gaza ou mesmo de encontrarem aí qualquer abrigo seguro.

Os bombardeamentos das quatro escolas dirigidas pela ONU e usadas como refúgios de civis e o bombardeamento e incêndio do complexo da sede da ajuda da ONU aos refugiados não podem ter sido acidentes. Os comandantes israelitas tinham as suas coordenadas geográficas. Nalguns casos, os bombardeamentos continuaram mesmo enquanto os responsáveis da ONU estavam ao telefone com Israel a implorar-lhe que deixasse de atirar contra os civis sob a sua protecção. O tiro final de Telavive antes de declarar o cessar-fogo foi mais um ataque a outra escola centro de refugiados da ONU, em Beit Lahiya, deitando-lhe fogo com o que aparentou ser uma bomba de fósforo, matando dois irmãos, de cinco e sete anos, e cortando as pernas da mãe deles. O jornal médico The Lancet, com sede na Grã-Bretanha gritou num editorial: “A punição colectiva dos habitantes de Gaza está a colocar um fardo horroroso e imediato de ferimentos e trauma sobre civis inocentes. Estes actos infringem a quarta convenção de Genebra.” Além disso, criticava violentamente “as associações médicas nacionais e os organismos profissionais a nível mundial” por se manterem silenciosos. Este padrão deveria ser aplicado a todas as organizações e figuras públicas em todo o lado: onde é que vocês estavam quando Israel estava a cometer estes actos desumanos e ilegais?

O cessar-fogo: Israel e o Hamas (a que se juntaram as outras organizações armadas palestinianas de Gaza) declararam separadamente um cessar-fogo. Embora cada um dos lados tenha dito que o estava a fazer unilateralmente, tinha sido obtido um acordo entre eles, pelo menos indirectamente, através do governo egípcio que assegurou aos israelitas que o Hamas seguiria uma primeira declaração de Israel de fim dos combates e assegurou ao Hamas que as tropas israelitas se retirariam no prazo de uma semana. Mas o artigo do Haaretz que noticiou essa informação acrescentava: “Porém, as IDF [o exército israelita] continuarão a juntar recrutas ao longo da fronteira Gaza-Israel, como ameaça.” (19 de Janeiro)

A imprensa israelita noticiou um elevado moral entre as tropas do país à medida que marchavam para fora de Gaza. Certamente que elas foram bem-sucedidas na morte de muita gente, sobretudo civis, cerca de metade dos cerca de 1250 mortos (BBC, 19 de Janeiro) e elas próprias sofreram muito poucas vítimas. Gaza está completamente destruída, pelo que isso pode ser visto como uma vitória. Mas o Hamas disparou algumas dezenas de foguetes pouco antes de ele próprio declarar um cessar-fogo, só para mostrar que ainda o podia fazer, expondo como mentira a razão declarada por Israel para se regozijar (se, como alega Israel, invadiu para fazer parar os foguetes, isso não resultou). Qualquer interpretação mais profunda destes resultados da guerra terá que esperar que o fumo se dissipe. Mas uma coisa já é óbvia: Israel pretende usar o cessar-fogo e tudo o que se lhe seguir, chame-se guerra ou paz, para continuar a atingir os mesmos objectivos que o levaram a esta guerra.

A mais importante vitória de Israel talvez seja que, mais que nunca, juntou a “comunidade internacional” do seu lado e talvez com uma participação mais directa que anteriormente. A conferência de países árabes e europeus co-patrocinada pelo Presidente francês Nicholas Sarkozy e pelo Presidente egípcio Hosni Mubarak em Sharm el-Sheik, no Egipto, logo após o cessar-fogo, foi verdadeiramente incrível. Uma conferência para decidir o futuro pós-guerra sem a presença do Hamas, um dos dois lados! Além disso, como salientou o analista Rabbani no canal Al-Jazeera, nessa conferência sobre o futuro da Palestina, a palavra “ocupação” nunca foi mencionada. Um outro observador salientou que houve muita conversa sobre “crise humanitária” e “reconstrução” e tão pouca sobre política que se poderia pensar que a reunião tinha sido convocada para tratar dos resultados de um desastre natural e não de uma guerra de agressão.

Mas, claro que esta conferência era altamente política: os objectivos não declarados mas óbvios eram saber como reconstruir Gaza, na extensão em que isso venha a acontecer, de forma a enfraquecer o Hamas em vez de o fortalecer. Se os doadores “internacionais” como a Arábia Saudita e a Europa pagarem a conta, eles estão à espera de vir a escolher a música. Tem sido muito mencionado que a agora dócil Autoridade Palestiniana de Mahmoud Abbas, expulsa de Gaza pelo Hamas, ficou inicialmente satisfeita por Israel parecer estar a eliminar os seus rivais islamitas, mas enfrenta agora um dilema sobre como colher os seus frutos, uma vez que não ousa regressar a Gaza montada em tanques israelitas. Melhorar a posição de Abbas foi outro objectivo da conferência de Sharm el-Sheik, já que ele não parece ansioso por falar às multidões palestinianas, mesmo na Cisjordânia. Talvez agora ele possa regressar montado num camião de ajuda humanitária da Suécia ou de França.

Os EUA, embora não estivessem presentes na conferência, supostamente porque Washington estava ocupado com a chegada ao poder de Barack Obama, mesmo assim dominaram o horizonte. Numa bizarra distorção, o acordo escrito a que supostamente se deve o cessar-fogo não foi assinado entre os dois beligerantes, mas entre os EUA e Israel. O governo israelita anunciou que poderia declarar um cessar-fogo devido ao memorando de entendimento assinado em Washington pela ministra israelita dos negócios estrangeiros Tzipi Livni e a sua congénere norte-americana Condoleezza Rice, o qual detalha uma “série de acções” não especificadas para “deter o contrabando de armas” do Egipto para Gaza. A Grã-Bretanha, nunca inactiva quando os norte-americanos estão envolvidos, apresentaram-se a oferecer o envio de navios de guerra para isolar Gaza pelo mar. Este parece ser o fulcro de todos estes esforços diplomáticos: independentemente de quão bem ou mal Israel possa ter feito para enfraquecer as capacidades militares do Hamas, todas as potências imperialistas ocidentais, e os regimes árabes que delas são dependentes, estão empenhados em que o Hamas não se consiga rearmar e recolher os benefícios políticos da sua resistência e surgir vitorioso das cinzas como fez o Hezbollah depois da invasão israelita do Líbano.

Mubarak falou violentamente sobre como nunca autorizaria a presença de tropas internacionais em território egípcio, mas o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA (talvez não o cataloguem como “tropas”?) já está a trabalhar do lado egípcio da fronteira de Gaza e há poucas hipóteses de que ele venha a ousar desagradar aos seus amos de Washington. Ele culpou o Hamas pela guerra e chamou-lhe “um satélite iraniano que cresceu à sua porta” (Haaretz, 19 de Janeiro). O órgão de comunicação social israelita que noticiou isto estava impaciente por colocar o cessar-fogo no seu contexto: “a verdadeira batalha está a ser levada a cabo contra o Irão”. Isto é um exagero sobre o Hamas, o qual não é exactamente um delegado de ninguém, e também é desonesto, uma vez que Israel estava já a levar a cabo uma guerra contra os palestinianos quando o Irão, tal como o Egipto hoje, ainda era um trunfo norte-americano. Mas estas distintas contradições acabaram por resultar num processo único com camadas.

Os palestinianos nunca tiveram escolha entre a guerra e uma paz verdadeira e tolerável. Tem sido salientado, no que diz respeito ao actual cessar-fogo, que um dos mais famosos massacres de palestinianos por Israel, o do campo de refugiados de Sabra e Shatila quando Israel invadiu o Líbano em 1982, ocorreu quando essa guerra específica supostamente já tinha terminado, depois de a liderança e os combatentes da Organização de Libertação da Palestina terem saído do Líbano em troca de um compromisso norte-americano de protegerem a segurança dos civis palestinianos deixados para trás. Isto não é uma alegação de que a história necessariamente se irá repetir, pelo menos da mesma forma. Mas isto mostra que, para os palestinianos, guerra ou paz não é a questão chave. De qualquer forma, muitos palestinianos morrerão às mãos de Israel, quer directamente através do fogo de artilharia, quer indirectamente através de medidas como o ano e meio de bloqueio israelita de Gaza que causou tanta desnutrição e tantas mortes prematuras.

O depoimento de testemunha ocular da antiga Alta-Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Mary Robinson, que visitou Gaza em Novembro, antes da guerra, faz luz tanto sobre o bloqueio que a procedeu como sobre o contexto da própria guerra: “Toda a sua civilização foi destruída, não estou a exagerar”, disse ela sobre as condições que aí encontrou. Ela chamou a essa situação “castigo colectivo... É uma chocante violação de tantos direitos humanos... É quase inacreditável que o mundo não se preocupe enquanto isto está a acontecer.” (BBC, 4 de Novembro). Os que falsamente alegam estar comovidos com o custo humano da guerra mas que colocam uma cortina sobre o custo humano da chamada “paz” que antes havia, certamente que farão o seu melhor para esconder o que acontecerá a seguir.

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