Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 9 de Junho de 2008, aworldtowinns.co.uk

O Guantânamo global dos EUA

As detenções secretas, a tortura e as “capitulações extraordinárias” – a entrega de prisioneiros a países terceiros para serem torturados por agentes norte-americanos ou em nome dos EUA – não são práticas do passado, como gostariam os responsáveis de Washington que o mundo acreditasse.

Isto veio a público com um comunicado de 2 de Junho da Reprieve, uma “organização humanitária de acção jurídica” – como ela se refere a si própria – com sede na Grã-Bretanha. A organização “crê que os EUA têm vindo a usar vários navios como (possivelmente até 17) prisões flutuantes, onde têm sido interrogados prisioneiros em condições de tortura, antes de serem transferidos para outros locais, muitas vezes secretos. Os detalhes relativos à utilização dos navios-prisão têm emergido de várias fontes, entre as quais o exército e outros responsáveis governamentais norte-americanos, o Conselho da Europa, vários organismos parlamentares e jornalistas, bem como o testemunho dos próprios prisioneiros.”

O grupo planeia publicar mais para o final do ano um relatório mais detalhado. Por agora, está a exigir que o governo dos EUA dê explicações sobre o paradeiro dos prisioneiros (mais de cem que diz terem “desaparecido”) e informações sobre os navios. Também têm sido exigidas investigações sobre a cumplicidade do governo britânico.

Estas acusações foram parcial e indirectamente confirmadas pelo próprio governo norte-americano. No que foi considerado uma refutação das acusações da Reprieve, um porta-voz da Marinha dos EUA disse ao jornal Guardian: “Não há nenhuma instalação para detenções nos navios da Marinha dos EUA. É do conhecimento público que alguns indivíduos foram colocados em navios” durante períodos que ele disse terem sido de alguns dias. O porta-voz recusou-se a comentar as acusações específicas da Reprieve, como, por exemplo, a utilização de navios da Marinha em Diego Garcia – uma ilha situada no Oceano Índico e controlada pelos britânicos –, ou na sua vizinhança, como centros secretos de detenção.

O presidente do grupo multipartidário do Parlamento da Grã-Bretanha sobre as capitulações extraordinárias apelou aos governos dos EUA e da Grã-Bretanha para “serem honestos” em relação a essas prisões secretas. Em Fevereiro passado, o ministério britânico dos Negócios Estrangeiros admitiu ao parlamento que, apesar das anteriores garantias em contrário, voos norte-americanos de capitulações tinham aterrado por duas vezes em Diego Garcia. Um responsável da ONU tornou públicas alegações “muito, muito sérias” sobre os centros secretos de detenção em todo o mundo, incluindo em navios no Oceano Índico, em 2005.

A Reprieve citou um antigo prisioneiro de Guantânamo sobre as condições a bordo de um dos navios que refere, o USS Bataan: “Havia cerca de 50 outras pessoas no navio. Estavam todos fechados no fundo do navio. Os prisioneiros comentaram-me que aquilo era como algo que se vê na televisão. As pessoas que estavam detidas no navio eram espancadas de uma forma ainda mais brutal que em Guantânamo.”

Os navios secretos e o programa de capitulações de que eles fazem parte continuam em vigor. A Reprieve afirma que houve mais de 200 novos casos de capitulações desde que, em 2006, o Presidente George Bush declarou que essa prática tinha terminado.

Diz a organização: “A Reprieve irá suscitar uma particular preocupação sobre as actividades do USS Ashland e o período em que esteve na Somália no início de 2007... Nessa altura, muitas pessoas foram sequestradas por forças somalis, quenianas e etíopes, numa operação sistemática que envolveu interrogatórios regulares por indivíduos que se crê serem agentes do FBI e da CIA. No final, mais de cem indivíduos foram feitos ‘desaparecer’ para prisões em locais como o Quénia, a Somália, a Etiópia, o Jibuti e Guantânamo. A Reprieve crê que, durante esse período, também podem ter sido detidos prisioneiros para interrogatório no USS Ashland e noutros navios no Golfo de Aden.”

Isto é uma referência à invasão da Somália, patrocinada pelos EUA e usando como ponta de lança o regime etíope, que visou defender o regime dos odiados senhores da guerra do país contra forças identificadas como sendo da Al-Qaeda. Desapareceram tantos homens, mulheres e crianças nas prisões dos países invasores, que a organização Human Rights Watch [Observatório dos Direitos Humanos] disse que a Etiópia e o Quénia tinham transformado a região na “versão africana de Guantânamo”. (Ver o artigo do ex-funcionário da ONU e jornalista queniano Salim Lone, no Guardian de 28 de Abril de 2008.)

O director jurídico e fundador da Reprieve, Clive Stafford Smith, disse: “Segundo o próprio admite, o governo dos EUA detém actualmente em prisões secretas e sem julgamento pelo menos 26 mil pessoas, e as informações sugerem que, desde 2001, até 80 mil pessoas ‘passaram pelo sistema’.”

Além dos navios e dos países acima mencionados, crê-se que a CIA também utilizou “pontos negros” na Tailândia, Afeganistão, Polónia e Roménia. Mais abertamente, os EUA estão actualmente a reconstruir o complexo prisional da era da ocupação soviética situado na base militar de Bagram, perto de Cabul, para que possa conter mais de mil prisioneiros, e também estão a ampliar o seu sistema de prisões no Iraque.

Tudo isto além do “navio-almirante” da rede mundial de tortura dos EUA, Guantânamo, onde há mais de seis anos que estão detidos centenas de homens e rapazes. O director da Reprieve, Smith, representa actualmente um prisioneiro britânico, Binyan Mohamed, que, segundo Smith, foi torturado pela CIA em Marrocos durante 18 meses. Entre outras práticas, os seus interrogadores usaram repetidamente lâminas de barbear para cortarem os seus órgãos genitais e as suas pernas até ele fornecer a confissão que pretendiam. Smith crê que o governo da Grã-Bretanha tem provas que ajudariam a demonstrar a inocência do seu cliente, mas as autoridades britânicas têm-se recusado a entregá-las. Recentemente, Smith visitou o seu cliente e disse: “Ele está em muito mau estado”.

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