Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 6 de Outubro de 2008, aworldtowinns.co.uk
O Czar Nicolau II foi reabilitado... Dizemos não, não e não
O Supremo Tribunal da Rússia reabilitou Nicolau II, o último czar da Rússia, membro da família imperial russa Romanov que governou cruelmente a Rússia durante três séculos. Embora a Igreja Ortodoxa russa tenha canonizado os Romanov como mártires, nenhum deles foi um “santo” no sentido comum dessa palavra.
A declaração de 1 de Outubro de que o czar foi “uma vítima da repressão política” é totalmente falsa num contexto histórico. Faz parte de uma tentativa global dos actuais governantes capitalistas da Rússia, dos seus porta-vozes e dos avidamente complacentes descendentes dos Romanov para denegrirem as vitórias revolucionárias da revolução bolchevique russa e para promoverem a ideia de que tentar “libertar a humanidade” nunca poderá levar a nada de bom. Isto contraria a verdade de que onde há opressão há resistência por parte dos povos de todo o mundo. E o reinado dinástico dos czares teve tudo a ver com opressão.
A monarquia dos Romanov usou um brutal sistema policial (a Okhrana) para esmagar toda e qualquer oposição, usando execuções, prisões e o exílio como castigo. A Ucrânia e outras zonas limítrofes da Rússia foram ocupadas. Foi desencadeada uma pletora de pogroms contra os judeus, os quais não tinham quaisquer direitos de cidadãos. Durante a maior parte do domínio dessa dinastia, a esmagadora maioria dos camponeses (cerca de 80% da população) eram servos, presos à terra e sujeitos aos chicotes e aos caprichos dos nobres feudais e dos outros grandes proprietários de terras. Os camponeses habitavam aldeias isoladas e viviam dominados por convicções patriarcais tradicionais e pelo obscurantismo religioso da Igreja Ortodoxa. As mulheres camponesas estavam também sujeitas aos abusos dos seus maridos. Esse sistema económico e social preservava métodos agrícolas tradicionais (os camponeses ainda usavam arados de madeira), pelo que o aumento dos rendimentos dos nobres implicava uma ainda maior intensificação da exploração dos camponeses. Os nobres também investiam na indústria e usavam os camponeses nesses trabalhos. Houve centenas de insurreições camponesas só durante o século XIX.
Após uma importante derrota do mal treinado exército russo na Guerra da Crimeia e a agitação em massa dos camponeses, ficou cada vez mais evidente a instabilidade do domínio czarista. O avô do último czar, Alexandre II, estabeleceu a Lei de Emancipação de 1861 para libertar 20 milhões de servos, pagando avultadas somas aos nobres e grandes proprietários para redistribuírem a terra pelos camponeses. Essa lei de “emancipação” incluía muitas condições que a tornaram odiosa para os camponeses. Deixou-os com largos anos de pagamentos compensatórios e com a manutenção de regras que estruturavam rigidamente a sua existência. O seu objectivo era duplo: subjugar os camponeses e facilitar a reciclagem da velha nobreza em capitalistas modernos.
Nos primeiros anos do século XX, virtualmente todos os sectores da sociedade russa estavam em alvoroço. Nos campos, os camponeses continuavam a arcar com um fardo insustentável. Os camponeses ficaram com terras insuficientes, enquanto o czar e os nobres continuavam a deter grandes propriedades. Os conflitos entre camponeses e proprietários começaram a surgir em algumas zonas: em 1902-3, houve revoltas camponesas generalizadas em algumas partes da Ucrânia e no Volga. A agitação também era comum entre os operários industriais. O rápido crescimento da indústria pesada na década de 1890 criou uma nova força de trabalho urbana cujas condições de vida e trabalho eram desesperadas. As greves tornaram-se frequentes por altura do fim do século e resultavam frequentemente em confrontos entre os operários e a polícia ou a tropa. Ao mesmo tempo, começou a desenvolver-se uma oposição política organizada contra o czarismo. Muitos membros da intelligentsia, uma pequena minoria da população com educação superior, tinham tido acesso às ideias ocidentais, incluindo as do Marxismo, e desejavam ver transformações radicais na Rússia.
A derrota do exército do czar na Guerra Russo-Japonesa de 1904 desencadeou uma série de actividades revolucionárias entre os soldados amotinados e a sociedade civil. A revolução de 1905 foi o culminar de décadas de agitação e descontentamento que decorriam do domínio autocrático da dinastia Romanov e do ritmo lento das mudanças na sociedade russa. Embora essa revolta tenha sido selvaticamente esmagada, as reformas iniciadas na sua sequência não foram suficientes para impedir a revolução de 1917.
O factor que a despoletou foi o terrível efeito da I Guerra Mundial sobre o povo e o exército, em grande parte camponês. Tratou-se de uma guerra predatória de redivisão do mundo que envolveu dois blocos imperialistas. A 23 de Fevereiro de 1917, surgiram greves em São Petersburgo, acompanhadas de protestos de donas de casa contra a falta de pão em tempo de guerra. A princípio, esses acontecimentos nas ruas da capital não pareciam ser mais perigosos que as manifestações anteriores que tinham sido reprimidas ou que se tinham esgotado sem resultados. Essa agitação tornou-se muito mais significativa quando os soldados da guarnição de Petrogrado desobedeceram às ordens de abrir fogo contra os manifestantes. Alguns regimentos revoltaram-se e viraram as suas armas contra os seus próprios oficiais. Nicolau abdicou do trono e foi formado um governo provisório liderado pelo reformista Kerensky. Mas Kerensky não podia fazer nada para resolver os dois assuntos prementes do dia, recusando-se a retirar a Rússia da guerra ou a redistribuir as terras.
A Revolução de Outubro de 1917, que derrubou Kerensky, foi profundamente definida pelos actos colectivos e pelas aspirações dos operários e dos camponeses. Desenvolveu-se numa atmosfera de generalizada desafeição social, resistência em massa e um grande fermento intelectual. O Partido Bolchevique liderado por Lenine estava preparado para a liderar como nenhuma outra força na sociedade russa dessa altura o poderia fazer. Teve um generalizado apoio e organização nos comités de fábrica, nas forças armadas e nos sovietes (as assembleias revolucionárias representativas dos trabalhadores e dos soldados que se tornaram em órgãos de poder). O novo poder proletário adoptou novos valores sociais, bem como relações económicas e sociais revolucionárias. O programa e a perspectiva bolchevique repercutiram-se não só na sociedade russa como em todo o mundo, quando os operários vieram em sua ajuda quando os seus próprios governos tentaram cercar e suprimir a nova sociedade da União Soviética.
As palavras de ordem bolcheviques que capturaram o sentimento das pessoas foram: Fim à Guerra, Toda a Terra aos Camponeses e Todo o Poder aos Sovietes. Depois das vitoriosas insurreições de São Petersburgo e Moscovo, emergiu uma guerra civil nos campos entre 1918 e 1920. Os Vermelhos e os seus apoiantes combateram os exércitos dos Brancos, alguns dos quais eram abertamente monárquicos e queriam restaurar o czar, enquanto outros queriam uma ditadura militar. Tropas britânicas, francesas, polacas, norte-americanas, japonesas e outras invadiram e ocuparam partes do país e juntaram-se aos Brancos para derrubarem o novo governo revolucionário.
Esta guerra civil representou uma batalha entre duas perspectivas opostas do mundo que competiam pelo governo da sociedade, uma que representava o velho sistema decrépito a que as massas veementemente se opunham e tinham derrubado, uma sociedade de domínio do czar e dos nobres sobre os camponeses e os operários ou um capitalismo pouco disposto e mesmo impossibilitado de gerar as grandes mudanças de que o povo russo necessitava, e uma perspectiva oposta, que representava um mundo novo onde as massas pudessem governar a sociedade e libertar toda a humanidade.
Foi neste contexto que o czar foi executado. Não foi um acto de vingança, mas uma decisão política tomada durante os dias negros dessa guerra civil, numa altura em que o restabelecimento da monarquia parecia ser uma possibilidade real. Esse acto político não foi muito diferente do que ocorreu durante as revoluções democráticas burguesas em França e Inglaterra, onde os reis foram decapitados para impedir a possibilidade do seu regresso ao poder e enfraquecer a contra-revolução.
O czar foi realmente uma vítima nessa batalha histórica? E quem foram os verdadeiros heróis nessa luta monumental?