Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 25 de Setembro de 2006, aworldtowinns.co.uk
O Aiatola Bento XVI ataca o Islão e a razão
Dado o volume de comentários que as recentes palavras do Papa Bento XVI produziram, é espantoso observar quão poucos comentadores parecem tê-las lido cuidadosamente ou, se o fizeram, que poderosas vendas políticas e filosóficas os impediram de ver o que lá está.
Que o Papa atacou o Islão é inegável. Na realidade, pode ter sido uma provocação consciente, com o objectivo de desencadear uma reacção “irracional” entre os defensores do Islão e assim demonstrar o ponto central do discurso de Bento XVI: que a sua religião, e apenas a sua religião, é consistente com a razão. A maioria das reacções a esse discurso restringiu-se a um enquadramento pró-ou-contra o Islão e evitou lidar com as questões mais profundas da verdade, da razão e da religião – todas as religiões.
Por que é que, a não ser como insulto deliberado, teria Bento XVI começar por citar, sem comentários, uma afirmação feita no século XIV por um imperador cristão em guerra com o Islão, que dizia: “Mostrem-me só o que Maomé trouxe de novo e aí encontrarão apenas coisas maléficas e desumanas, como a ordem para espalharem a fé através da espada, que ele pregou”.
O que torna esta declaração tão censurável não é que ofenda os muçulmanos ou mesmo apenas que o pretenda fazer, mas é que não é verdadeira. O espalhar da fé através da espada não foi introduzido pelo Islão, nem aí há nada nela mais violento que no cristianismo ou no judaísmo. A espada espalhou a fé católica – das guerras para o estabelecimento da autoridade papal às limpezas étnicas de comunidades cristãs rivais como os albigenses na França medieval, das conversões forçadas de muçulmanos e judeus em Espanha e Portugal à Inquisição que queimava como “hereges” os que buscavam uma compreensão mais científica do mundo e um mundo mais justo que o oferecido pelo catolicismo. A religião romana seria sem dúvida praticada hoje por menos gente se, por exemplo, os conquistadores espanhóis não tivessem usado o seu aço para a impor nas Américas e nas Filipinas. A teoria e a prática do uso da violência para objectivos religiosos vêm do Velho Testamento que o judaísmo, o cristianismo e o Islão têm em comum. No Novo Testamento cristão (de Mateus), Jesus proclama: “Não pensem que eu vim para trazer paz à Terra. Eu vim não para trazer a paz mas uma espada.” Por isso, é o cúmulo da desonestidade intelectual e da hipocrisia moral que o Papa acuse o Islão de inventar algo de “novo” a esse respeito.
Por trás deste discurso há motivações políticas claras e muito gravemente nefastas, que muita gente sabedora compreendeu. O correspondente no Vaticano do jornal norte-americano National Catholic Reporter, entre outros especialistas na Igreja, ligou esse discurso ao recente afastamento pelo Papa da “principal pomba do Vaticano nas suas relações com os muçulmanos”, ao seu discurso de Março à porta fechada e ainda secreto a todos os seus 179 cardeais que aparentemente se centrou no Islão e a sua oposição, por motivos religiosos, à entrada da Turquia na União Europeia. Esse correspondente escreveu que, em comparação com o seu antecessor João Paulo II, este Papa “é mais falcão em relação ao Islão”. Nas palavras do próprio Bento XVI, a sua posição pública face ao Islão será, em primeiro lugar, não conciliatória à maneira de João Paulo II, mas “franca” – o que quer dizer abertamente crítica do Islão enquanto religião.
O jornal The New York Times dizia que o discurso de Setembro de Bento XVI “marcava um ponto de viragem neste papado e talvez um momento histórico de clarificação: que, tal como o seu antecessor João Paulo II representou um papel chave no fim do comunismo, os seus apoiantes dizem que o papel de Bento XVI pode ser o de se levantar contra o Islão radical”.
Tem de ser feita uma correcção a esta afirmação, mesmo assim surpreendentemente esclarecedora. Primeiro, João Paulo II não representou nenhum papel no “fim do comunismo” – a URSS tinha deixado de ser socialista décadas antes de o bloco imperialista soviético se ter desmoronado em 1989. Mas esse “Papa da NATO” representou um importante papel no triunfo dos EUA sobre o seu principal rival – e deve salientar-se que os EUA encorajaram e contrataram forças fundamentalistas islâmicas na sua cruzada contra o “comunismo ateu”. Agora, o imperialismo norte-americano procura defender os seus interesses na era pós-soviética através da reconfiguração do terceiro mundo de modo a permitir um controlo político mais directo e portanto mais lucrativas condições de investimento. Bento XVI, ao que parece, procura vir a representar um papel semelhante na cruzada que Bush lançou contra aquilo a que já chamou de “fascismo islâmico”. Ainda está para ver até que ponto Bento XVI irá representar os por vezes contraditórios interesses europeus dentro desse projecto global liderado pelos EUA, mas esse é o projecto que o Papa está a apoiar.
Os tambores da propaganda, dos políticos e também de alguns intelectuais, que dizem que a causa dos conflitos no mundo actual é um “choque de civilizações” entre um Ocidente avançado e um Oriente bárbaro, têm origem e servem esses objectivos imperialistas. Como ficou claro nas crescentes dificuldades enfrentadas pelos EUA e pelos seus aliados (ou rivais aliados) no chamado Grande Médio Oriente, esse projecto não vai ser fácil. Contudo, essas dificuldades não significam que esses imperialistas abandonarão os seus objectivos. As potências imperialistas não conseguirão atravessar com sucesso este período se os seus próprios povos estiverem convencidos de que o único significado destes conflitos é o “sangue pelo petróleo”.
De alguma forma, e pelas suas próprias razões, o Papa foi ainda mais longe que Bush nos seus ataques ao Islão. Enquanto Bush acha útil distinguir por vezes entre o Islão de que ele gosta (os desprezíveis regimes da idade das trevas instalados ou apoiados pelos EUA no Afeganistão, no Iraque, na Arábia Saudita, no Paquistão, etc.) e as forças islâmicas que os EUA acham agora serem um obstáculo aos seus interesses, o Papa está a dizer que propagar a fé pela violência e não pela razão não só é a assinatura do “Islão radical” mas também uma parte essencial do próprio Islão.
Este Papa tem-se esforçado em se dirigir aos quadros da Igreja. Esta é uma das razões por que os seus discursos são escritos num estilo tão densamente académico, com tanto vocabulário especializado. Ele quer ganhar os intelectuais e outros “fazedores de opinião”, de forma a unir a Igreja contra os muitos católicos progressistas que fortemente se opõem às suas tentativas de derrotar as posições mais liberais, ecuménicas e autoproclamadamente humanistas que antes se sentiam à vontade na Igreja, e impor uma marcha forçada atrás na teologia e na prática. Alem disso, por causa da sua audiência mais europeia, das particularidades das sociedades europeias e das necessidades do imperialismo europeu, ele não prega o mesmo tipo de fundamentalismo religioso furiosamente ignorante que Bush e os seus. Mas embora critique o protestantismo e defenda contra ele a sua própria variante do cristianismo, os seus argumentos não são menos dirigidos ao restabelecimento da supremacia da religião nas sociedades ocidentais. Como escrevia no jornal Boston Globe o antigo padre católico James Carroll: “Bento XVI está a defender uma hierarquia da verdade. A fé é superior à razão. A fé cristã é superior às outras fés (sobretudo ao Islão). O catolicismo romano é superior às outras fés cristãs. E o Papa é supremo entre os católicos.”
A ideia chave do discurso de Bento XVI é a relação que ele descreve entre a fé e a razão. No Islão, alega ele, “Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está ligada a qualquer das nossas categorias, nem mesmo à da racionalidade. (...) Se fosse essa a vontade de Deus, teríamos mesmo que praticar a idolatria” (adorar ídolos, o que, para os monoteístas, significa ir contra deus). Por outras palavras, Bento XVI está a dizer que para o Islão – e, explicitamente num outro ponto do discurso, o protestantismo – a crença em Deus não vem da razão e opõe-se à razão. Ironicamente, o que ele aqui diz é verdade: a parte insultuosa e sectária é onde ele diz que o catolicismo é diferente.
Ele alega que, em contraste com o Islão e o protestantismo, onde a fé está separada da razão, a característica definidora do catolicismo é “um encontro profundo da fé e da razão” em que “não agir com logos é contrário à natureza de Deus” porque o “logos é Deus”. Em grego, logos tem dois significados: “razão” (lógica) e “palavra”. Os teólogos católicos usam-na como referência simplificada para o argumento de que a humanidade recebeu a razão para conhecer a palavra de deus – essa razão vem de deus e retornar-nos-á a deus. Porém, limitar-se a usar a mesma palavra para razão e deus não os torna na mesma coisa. Se tentarmos raciocinar sobre isso, não resulta. O que é que na razão leva alguém a acreditar no deus de Bento XVI, em vez de nalgum outro – ou mesmo em nenhum? Por questões de brevidade, em vez de argumentarmos contra a existência de deus, basta dizer que quem faz uma alegação destas tem a responsabilidade de a provar. De facto, o judaísmo, o cristianismo e o Islão, todos eles se refugiam, tal como o próprio Bento XVI o faz muitas vezes nesse discurso, na “revelação”, na fé e noutras categorias opostas à razão.
Depois, ele deixa sair o gato do saco ao dizer: “a fé cristã, em particular, é uma fonte de conhecimento” sobre o verdadeiro deus, em oposição às religiões anteriores cujos deuses eram “apenas o trabalho de mãos humanas”. Por que não considerar qualquer tipo de fé em qualquer coisa como algo de igualmente legítimo? Aqui o verdadeiro argumento de Bento XVI é claramente declarado: a existência do meu deus é compatível com a razão e o vosso não o é porque o meu deus existe realmente e o vosso não. Este argumento circular que é o seu verdadeiro pilar não chamou tanto a atenção como a citação anti-Islão com que o discurso começa, mas é um ataque ainda maior ao Islão e às outras religiões – e à própria razão, que ele distorce sob a capa de a elogiar.
Antes de chegarmos a esse ponto, temos que lidar com a afirmação de Bento XVI de que o cristianismo é o que define a Europa. Ele alega que o cristianismo é o único herdeiro do espírito grego da inquirição filosófica. (Esta é uma perspectiva muito selectiva da filosofia grega, centrada em pensadores cujas ideias o cristianismo depois achou útil, e não nas correntes materialistas e dialécticas opostas às perspectivas idealistas ou religiosas.) Isso é falso. Durante a Idade das Trevas baseada na fé em que a Igreja Católica subiu ao máximo do seu poder, não só a filosofia grega, mas também a ciência grega foram suprimidas e tornaram-se desconhecidas na Europa. Mas a ciência e a filosofia floresceram no Médio Oriente e na Espanha mourisca, entre os muçulmanos e os judeus que aí viviam. Neste sentido, o Médio Oriente e a Europa muçulmanos eram mais “civilizados” que a Europa católica. De facto, quando os cristãos europeus redescobriram as obras gregas fundamentais sobre a astronomia, a medicina, a filosofia e por aí adiante, mil anos depois de o catolicismo ter tomado o poder político, foi porque elas tinham sido preservadas em árabe. O pensamento grego influenciou o Islão e o pensamento islâmico influenciou muito o catolicismo moderno. Historicamente, eles não têm sido duas civilizações completamente diferentes. Alem disso, como salientou o escritor Carrol, a ideia que o cristianismo e especificamente o catolicismo “criaram a Europa” tem uma sórdida camada de anti-semitismo, sobretudo vinda de um Papa que se tem recusado a reconhecer as raízes católicas da perseguição europeia aos judeus. Também não podemos deixar de nos interrogar se Bento XVI quer dizer “a Europa para os europeus” – mas não para os imigrantes islâmicos.
Há um facto que Bento XVI e Bush e os seus defensores intelectuais sentem que é o seu argumento mais forte: com o triunfo do capitalismo na Europa, os caminhos e os destinos do Oriente e do Ocidente divergiram. Mas se o cristianismo é a razão para o desenvolvimento do Ocidente, então o que é que explica o sucesso do capitalismo no Japão? O florescimento da ciência e da razão na Europa deu-se apesar de, e em oposição, à Igreja Católica que perseguiu todos os que defendiam que o mundo é conhecível através da razão, da observação e da experiência – e que ainda hoje continua a limitar a prática, a autoridade e o espírito da ciência (incluindo a medicina e a investigação médica). O fim do feudalismo e das suas barreiras requereu o derrube do sistema de fé em que se baseava – pelo menos de parte dele. Bento XVI critica a Reforma protestante por separar os domínios da fé e da razão, mas essa separação serviu a classe capitalista ascendente, permitindo aos capitalistas tanto fazer uso da ciência e dos seus frutos como preservar a religião, não só para eles próprios, mas também para as massas que não poderiam ser controladas sem ela.
Como salientou Marx, o mesmo “amanhecer rosado do capitalismo” que deu origem ao Iluminismo também viu a Europa transformar África num terreno de caça de escravos, encarcerar a população nativa da América do Sul nas minas de ouro e prata e a pilhar a Ásia. O Capital, disse ele, surgiu “a escorrer sangue de todos os poros”. Essa foi uma das principais fontes do desenvolvimento que marcou a diferença entre o Oriente e o Ocidente e “criou a Europa”, nas palavras de Bento XVI.
O Iluminismo, um período do século XVIII em que foi formulado muito do actual pensamento moderno, incluindo o método científico, é problemático para Bento XVI. Ele reconhece “os aspectos positivos do modernismo, (...) agradecemos as maravilhosas possibilidades que abriu à humanidade e o progresso do humanismo que nos foi legado”. Ele gosta da riqueza e do poder que trouxe ao Ocidente. Ele elogia mesmo “o etos científico, (...) a vontade de obedecer à verdade, (...) um dos princípios fundamentais do cristianismo”. Ele esqueceu-se, claro, de incluir a palavra “não” nesta frase, mas isto era o que ele queria dizer, porque imediatamente a seguir usou uma definição da verdade que é oposta à visão científica. O seu objectivo, disse ele, é “alargar o conceito de razão e da sua aplicação. Enquanto nós nos regozijamos com as novas possibilidades abertas à humanidade, também vemos os perigos que surgem dessas possibilidades e temos que nos interrogar a nós próprios como os podemos superar. Apenas o conseguiremos se juntarmos a razão e a fé de uma nova forma, se superarmos a limitação auto-imposta de a razão ser empiricamente verificável.”
O problema é que o empiricamente verificável coloca limites à razão. A verificação empírica (a prova através da experimentação no sentido mais lato) é que marca a diferença entre a imaginação, independentemente de quão valiosa possa ser, e os factos, as ideias que provaram ser verdadeiras. O truque de prestidigitação filosófica de Bento XVI lida com um problema que nenhuma visão conseguiu solucionar antes do desenvolvimento do marxismo: a questão do conhecimento, especificamente a de como saber se as nossas ideias são verdadeiras ou não. A lógica é apenas uma parte da razão. Pode levar-nos ao conhecimento da realidade, mas apenas se for aplicada ao estudo concreto da interacção com o mundo. Com base no nosso conhecimento perceptual da matéria, desenvolvemos uma compreensão abstracta e essas ideias são por sua vez testadas, refinadas ou rejeitadas com base na prática no mundo material. O materialismo dialéctico marxista defende que nada existe senão a matéria e o movimento, e que o nosso conhecimento deles desenvolve-se através do movimento entre os dois lados, entre o conhecimento perceptual directo e as ideias abstractas. Este processo é inesgotável porque o nosso conhecimento da realidade é sempre relativo e incompleto e porque a própria realidade está sempre a mudar.
A ideia de deus, por definição, não pode ser provada como sendo verdadeira ou falsa porque nunca poderá ser seriamente testada ou submetida de qualquer outra forma ao teste objectivo da realidade. Independentemente de quanto os teólogos que Bento XVI cita possam ter tentado gerar ideias que estejam de acordo com a razão, no sentido limitado de parecerem lógicas (o que definitivamente não é verdade para o cristianismo e as suas escrituras em geral), a sua lógica esteve sempre fundada em pontos de partida não baseados na razão, nem testáveis pela razão. A razão e a fé são mutuamente incompatíveis.
Bento XVI critica o modo como, historicamente, o capitalismo tentou ter também a sua ciência e a sua religião dividindo as questões da fé e as questões do conhecimento em domínios separados, não só para atacar o protestantismo, mas, ainda mais importante, porque teme que uma vez isso feito, então todo o lugar central da fé no pensamento e na organização da sociedade se desmorona inevitavelmente. Isto, na sua perspectiva, aconteceu como resultado do modernismo e explica o caos e a miséria das sociedades ocidentais. A consequência, diz ele, de uma tal ligação directa entre o indivíduo e deus é que cada indivíduo decide “o que considera defensável em questões de religião” e torna-se “no árbitro exclusivo do que é ético”. Ele avisa: “Este é um estado das coisas perturbador para a humanidade” quando “a religião se torna numa questão pessoal” e a ética deriva da razão e não da religião.
De facto, seria muito libertador se a religião fosse uma questão puramente pessoal. Essa não é uma questão resolvida nos Estados Unidos, em sério risco de terem um regime teocrático, só para dar o exemplo mais perigoso a nível global, já para não falar da maior parte do resto do mundo, exactamente porque a religião está tão ligada a um sistema explorador e opressor. Será ainda melhor quando as pessoas decidirem abandonar voluntariamente a religião e todas as formas de superstição e irracionalidade. Quanto à ética, a humanidade tem sofrido há demasiado tempo com as éticas apoiadas pela religião e a sua justificação da exploração e da opressão. As questões éticas e os valores comuns que unem uma sociedade merecem uma atenção mais profunda numa outra ocasião, mas para a descrever agora em traços largos, porque é que o que é melhor para a emancipação da humanidade e para o florescimento dos indivíduos dentro desse contexto não pode ser a base de uma ética muito melhor?
Embora Bento XVI alegue não estar a “recolocar o relógio do tempo antes do Iluminismo”, está a avisar para as consequências do modernismo e a tentar desmontar as partes deste que ele vê como problema, incluindo a separação entre a igreja e o estado (a autoridade religiosa e a autoridade política). Será a sua perspectiva de uma sociedade tecnologicamente avançada mas baseada e governada pela fé, muito diferente, quanto ao essencial, da de Bush – ou mesmo da dos aiatolas do Irão?
As pessoas como Bush e Bento XVI podem defender alguns pontos do Iluminismo, mesmo que simultaneamente ataquem a maior parte dos seus aspectos positivos, devido à natureza contraditória do próprio Iluminismo. Olhando para isso de um ângulo muito diferente, Bob Avakian, Presidente do Partido Comunista Revolucionário dos EUA, um dos raros dirigentes marxistas desde Marx e Engels a escrever extensivamente sobre religião, salientou que o pensamento que triunfou nesse período deve ser dividido em duas partes: “O marxismo concorda com os aspectos do Iluminismo que dizem que o mundo é conhecível, que as pessoas devem procurar compreender o mundo (ou a realidade em geral) em toda a sua complexidade e que o devem fazer através de métodos científicos. (...) Aquilo com que [o marxismo] discorda é com (...) a noção de (...) ‘que a verdade nos libertará’ (...) [a qual] está ligada a essa ideia de que a ciência transformará o mundo através da mera força das suas ‘verdades’.” Embora “a Igreja Católica tenha acabado por ceder nas suas divergências com Galileu, (...) também há muitas, muitas verdades profundas que a Igreja Católica e outras instituições e autoridades religiosas ainda não reconhecem – e a de que Deus não existe não é a menor delas! Assim, não é apenas uma questão de saber o que é verdadeiro; também há o facto de que a luta social – e, numa sociedade de classes, a luta de classes – tem de ocorrer para que as ideias, mesmo as que representam verdades profundas, se tornem ‘operacionais’ na sociedade, para que sejam assumidas e aplicadas pela sociedade no seu todo. E isto leva-nos de volta à insistência de Marx de que a questão não é apenas compreender o mundo mas transformá-lo. (...) E, mais em particular, opomo-nos à utilização do Iluminismo e dos avanços científicos e tecnológicos que lhe estão associados, como forma de impor e justificar o colonialismo e o domínio imperialista em nome do ‘fardo do homem branco’ ou da alegada ‘missão civilizadora’ de um sistema imperialista ‘mais iluminado e avançado’ e por aí adiante.” (“Marxism and the Enlightenment”, Observations on Art and Culture, Science and Philosophy [“Marxismo e Iluminismo”, Observações sobre Arte e Cultura, Ciência e Filosofia], Insight Press, 2005.)