Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 25 de Fevereiro de 2008, aworldtowinns.co.uk

O agravamento da situação no Afeganistão e as novas iniciativas imperialistas

Nos últimos seis meses tem havido inúmeros relatos de importantes comités governamentais ocidentais, grupos de estudo e autodenominadas organizações humanitárias que retratam a situação no Afeganistão em termos carregados e sombrios. Por exemplo, em Fevereiro, o Conselho Atlântico norte-americano alertou para o país correr o perigo de se transformar num estado falhado ou em vias de falhar. Há, entre as potências ocupantes, verdadeiros sinais de desilusão, um sentimento de fracasso e mesmo receio, mas a desilusão é ainda maior entre as massas populares do Afeganistão.

Agora, mais de seis anos depois de os talibãs terem sido expulsos e substituídos pelo governo de Hamid Karzai, instalado pelo Ocidente, não há nenhum fim à vista para as crueldades cometidas pelos imperialistas no Afeganistão em nome da guerra contra o terrorismo e da luta contra o tráfico de drogas ou mesmo dos direitos humanos, da democracia e da reconstrução.

O novo regime fantoche tem procurado identificar-se tão completamente com a lei islâmica da Xariá e com o discurso por trás dela que, em Janeiro, os seus juízes condenaram à morte Pervez Kambaksh, um estudante de jornalismo de 23 anos, por ter descarregado da internet um artigo sobre as mulheres e o Islão que os serviços de informações alegaram ser insultuoso para a religião. O parlamento é constituído por actuais e antigos senhores da guerra e por outros reaccionários amplamente odiados. Um relatório da ONG Womankind declarava que a situação das mulheres se deteriorou com a ocupação norte-americana, a ponto de agora a maioria dos casamentos envolver raparigas com menos de 16 anos, frequentemente vendidas pelos pais. As pessoas viram poucas mudanças positivas nas suas vidas, enquanto agora têm que suportar mais insegurança e mais insultos, abusos ou ainda pior dos ocupantes estrangeiros. Isto são condições perfeitas para forças fundamentalistas retrógradas como os talibãs crescerem em força e expandirem a sua guerra. Todos os relatos acima referidos concordam em que, em contraste com o período a seguir a os talibãs terem sido expulsos do poder em 2001 e com os poucos anos seguintes, eles estão agora a crescer em número e na sua capacidade de expandirem o âmbito das suas operações.

Um relatório de Maio de 2007 da Amnistia Internacional indicava que os habitantes do país estão sob uma pressão extrema em muitos aspectos das suas vidas. O relatório refere-se à brutalidade e às atrocidades cometidas por todas as principais forças armadas envolvidas até agora, incluindo as dos ocupantes norte-americanos (e da Nato), do regime de Karzai, dos chefes locais que supostamente trabalham para ele, dos talibãs e dos traficantes de droga. O relatório situa o número de pessoas mortas em 4000 durante o ano anterior. Diz que as forças de segurança do regime e as tropas dos EUA violam sem preocupações os direitos humanos da população civil em geral e despojam os 650 suspeitos detidos na base aérea de Bagram, controlada pelos EUA, dos seus direitos humanos mais elementares.

Dois meses depois, em Julho, o Comité Parlamentar de Defesa da Grã-Bretanha divulgou um relatório em que admitia que a missão da Nato no Afeganistão enfrentava um grande desafio. Nomeia como principais dificuldades o ressurgimento dos talibãs, o aumento do número de vítimas civis, a excessiva corrupção nas forças policiais e o lento processo de reconstrução.

Um relatório do grupo de investigação Pickering-Jones, com sede nos EUA, divulgado a 30 de Janeiro de 2008 conclui: “Os sucessos de seis anos estão sob séria ameaça devido à crescente violência, às fraquezas das soluções internacionais, ao aumento dos desafios internacionais e regionais e ao aumento da frustração e da desilusão entre vários sectores do povo do Afeganistão.”

Matt Waldman, conselheiro político da organização humanitária britânica Oxfam, disse que a razão por que os talibãs se estão a tornar mais fortes e a conseguirem mobilizar mais facilmente as pessoas é que a população do Afeganistão não vê nenhuma melhoria na sua situação e está frustrada e desiludida (BBC, 31 de Janeiro).

Não há dúvida de que estes e outros relatórios publicados nos últimos sete meses fazem parte da campanha dos imperialistas dos EUA e da Grã-Bretanha para pressionarem os outros membros da Nato a enviarem mais tropas para o Afeganistão. Mas, ao mesmo tempo, esses relatórios são confissões sobre algumas das realidades da vida no Afeganistão.

Embora os EUA, a Grã-Bretanha e o Canadá estejam desesperadamente a tentar pressionar os outros países membros da Nato, sobretudo a Alemanha e a França, a enviarem mais tropas e sobretudo a enviarem-nas para as zonas de guerra, também estão a tentar outras iniciativas para controlarem a situação e se salvarem de um desastre político e militar que pode estar a caminho.

Algumas iniciativas não-militares dos ocupantes

Os ocupantes têm tentado lançar as suas iniciativas a dois níveis. Uma é a tentativa de organizar a cooperação entre os governos do Afeganistão e do Paquistão sob a capa de “conferência regional de paz”. A outra é a política de encorajarem activamente os talibãs a negociarem com o governo de Karzai.

Quais são os novos elementos da tentativa de promoção da cooperação Afeganistão-Paquistão? O Partido Comunista (Maoista) do Afeganistão escreve no seu órgão Shola Jawid (18 de Dezembro de 2007):

“A ‘conferência regional de paz’ é uma iniciativa para atingir dois objectivos: um, é melhorar as relações entre o governo paquistanês e o regime de Karzai; e o outro é fortalecer uma vez mais os líderes tribais [da etnia] pachtun de ambos os lados da linha Diuorwand (fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão na região pachtun) e seguindo a linha de colocar o pachtunismo (o chauvinismo pachtun contra as outras nacionalidades do Afeganistão e da região) contra o pan-islamismo e o fundamentalismo.”

Os imperialistas têm uma grande experiência na compra de líderes tribais e grandes senhores feudais em muitas partes do mundo. Os britânicos fizeram-no em todo o Médio Oriente e na Ásia do Sul depois da I Guerra Mundial. Actualmente, os ocupantes norte-americanos e britânicos estão a fazer o mesmo no Iraque com os seus esforços para formarem “Conselhos de Activação” contra os fundamentalistas xiitas e sunitas entre os mesmos líderes tribais em que Saddam Hussein baseava o seu regime, ao mesmo tempo que reduzem a ênfase nas forças fundamentalistas xiitas que foram originalmente os principais pilares do seu regime, ao lado dos partidos nacionalistas curdos que também perderam alguma da sua importância para os ocupantes. É tristemente irónico ouvir os responsáveis norte-americanos e britânicos falarem sobre essa política copiada de Saddam e dos colonialistas britânicos anteriores a ele, como se ela fosse uma invenção recente.

No que diz respeito ao Afeganistão, os britânicos tiveram extensas negociações com os khans (senhores feudais) pachtuns durante as guerras afegãs do século XIX e muito depois disso. A União Soviética também tentou essa política num certo ponto tardio da sua ocupação, quando esta lhes estava a correr mal, tentando formar um conselho de reconciliação nacional com alguns líderes tribais e feudais. É de crer que os actuais ocupantes do Afeganistão tomaram todas essas experiências como ponto de partida para novas iniciativas que visam substituir o domínio dos partidos fundamentalistas islâmicos pela influência e o domínio dos khans e outras forças tradicionais locais. Estes parecem ser os objectivos por trás de algum do apoio financeiro a duvidosos “projectos de construção” e do dinheiro e armas que estão a ser distribuídos a grupos militares tribais de ambos os lados da fronteira Afeganistão-Paquistão.

O problema dos imperialistas é que eles passaram as três últimas décadas a fazer o oposto ou, por outras palavras, a tentarem fortalecer os partidos fundamentalistas islâmicos do Afeganistão e da região e em particular entre as tribos pachtuns dos dois lados da fronteira. Isso teve o efeito de integrar no fundamentalismo islâmico tanto as autoridades khans como as tribais. Não vai ser fácil inverter o rumo e tentar separá-los e restabelecer a autoridade dos khans e dos líderes tribais como oposição aos partidos fundamentalistas. Esse processo está destinado a ser complicado e cheio de contradições.

Quanto às tentativas de promover a cooperação Afeganistão-Paquistão, também isso é problemático. O Shola Jawid escreveu: “Em todo o caso, a primeira ronda da ‘conferência regional de paz’ aliviou a tensão entre os regimes de Musharraf e Karzai. Embora não seja de esperar destes esforços um resultado a curto prazo, eles estão a tentar realizar uma segunda ronda da conferência.” Mas desde então as coisas não têm corrido tão bem para qualquer dos regimes. Os fundamentalistas do noroeste do Paquistão têm a sua própria noção de frente única e de táctica para derrotarem os seus inimigos um a um. Baittulah Mehsud, líder da coligação fundamentalista recentemente renomeada Tehrik-e-Taleban aparentemente obteve um cessar-fogo com o governo de Musharraf, de maneira que o movimento talibã transfronteiriço de base pachtun se pode agora concentrar na expulsão da ocupação encabeçada pelos EUA e do seu governo fantoche no Afeganistão. No passado, Musharraf teve que aceitar este tipo de acordos. Isto atribui nitidamente interesses contraditórios aos governos de Musharraf e Karzai no que diz respeito aos talibãs, embora os dois governos sejam, em última análise, dependentes dos EUA. Movimentações que possam reduzir alguma da pressão sobre Musharraf poderão ser fatais a Karzai e vice-versa. Também há outros elementos de conflito que há muito persistem entre os dois países, incluindo as próprias intenções tradicionais do Paquistão de dominar o Afeganistão. A recente decisão do governo de Karzai de triplicar a dimensão do seu exército durante os próximos anos é amplamente vista como uma ameaça contra o Paquistão e não contra os talibãs.

A segunda iniciativa imperialista é procurar solucionar o problema talibã através de negociações com eles. Nos últimos anos tem havido muitas tentativas de se chegar a acordo com os talibãs que não levaram a lugar nenhum. Mas desta vez parece ser diferente e estão envolvidos os mais altos responsáveis. Mesmo o tom é diferente. Por exemplo, parece que Karzai se envolveu pessoalmente e que desta vez ele não se referiu ao Mulá Omar e a Gulbuddin Hekmatyar como terroristas mas como “Saheb” Mulá Omar e “Engenheiro” Gulbuddin Hekmatyar. (Saheb é um título tradicional que indica respeito. Na região, como em muitas partes do mundo, o título de Engenheiro é usado para indicar respeito por uma pessoa educada, sobretudo um engenheiro. Durante a guerra contra a ocupação soviética, o Paquistão canalizou o grosso da ajuda norte-americana para Hekmatyar, o qual era considerado pelos diplomatas norte-americanos um aliado fidedigno contra a URSS por causa do seu extremo fanatismo religioso. Ele é mais conhecido pela sua política de atirar ácido à cara de mulheres e jovens julgadas indevidamente cobertas.) Karzai chegou mesmo a deixar claro que está disposto a encontrar-se pessoalmente com Omar e Hekmatyar. Antigos e proeminentes responsáveis talibãs que detiveram altos cargos quando os talibãs estavam no poder e que estão agora a colaborar com os EUA e com o regime de Karzai, como Mulá Motavakel, Mulá Mujahid e Mulá Zaiif, respectivamente ministro dos negócios estrangeiros, representante dos talibãs nas Nações Unidas e nos Estados Unidos e embaixador talibã no Paquistão, têm estado muito activos em torno dessas iniciativas. Ultimamente houve alguns escândalos hipócritas quando foi revelado que os diplomatas britânicos tinham estado reunidos directamente com representantes dos talibãs com esse objectivo.

Inicialmente, parecia que esse projecto estava a avançar bem. Alguns responsáveis confirmaram publicamente que estavam a decorrer negociações preliminares. O controlo de algumas áreas foi mesmo entregue a pessoas próximas dos talibãs e do Partido Islâmico de Hekmatyar como gesto de boa vontade da parte do governo. Mas, de repente, a página virou-se e recomeçou a hostilidade entre as forças da coligação e do seu regime fantoche e os talibãs e o Partido Islâmico de Hekmatyar. As forças da Nato e da coligação publicaram cartazes de “Procura-se” com líderes talibãs e do Partido Islâmico, oferecendo 200 mil dólares por informações que conduzam à sua prisão. Por seu lado, essas forças aumentaram as suas acções militares e atentados suicidas em Cabul. Isto pode ser entendido como uma indicação de que até agora esses esforços de negociação fracassaram.

Por quê? Se Karzai se envolveu pessoalmente nessas negociações, é difícil imaginar que tenha agido sem o acordo dos ocupantes. Há várias razões possíveis para o fracasso, mas uma é clara e pode ser a razão mais importante. Embora seja certo que os imperialistas encabeçados pelos EUA não se opuseram à tentativa de compromisso entre o regime de Karzai e a oposição fundamentalista islâmica e sejam de facto a principal força por trás disso, eles têm uma enorme condição prévia: a sua presença no Afeganistão não pode ser posta em causa. Por outro lado, embora os talibãs também não vejam nenhum problema em negociar e colaborar com o regime de Karzai, eles sabem bem que neste momento a sua única credibilidade vem da sua oposição armada às forças estrangeiras no Afeganistão. Se abandonarem a sua única vantagem nesta fase, poderão tornar-se numa força esgotada. Os seus crimes do passado e a sua crueldade são bem conhecidas e sentidas pelas massas e são fonte de não menos que um total descrédito. Se fossem colaborar com o regime fantoche nessas condições, arriscar-se-iam a desaparecer. Por isso, parece ser um beco sem saída, pelo menos na actual situação.

O Shola Jawid também escreveu: “Por isso, não parece que um compromisso entre o regime de Karzai e as forças islâmicas que lhe resistem, e mesmo o início de negociações formais entre eles, possam ser realizáveis em breve, mas as tentativas do regime fantoche para o conseguir já começaram e continuarão como manobra política. As negociações secretas e não oficiais entre os dois lados reaccionários continuarão e o regateio sobre certas questões políticas continuarão entre eles.”

Os imperialistas declararam a sua ocupação um sucesso apenas dois meses após a invasão. Mas essa vitória mostrou ser oca. Os vários truques e iniciativas na sua tentativa desesperada de afirmarem o seu controlo sobre o país não estão a funcionar. De cada vez que eles parecem resolver uma parte do problema, outro surge. Por cima disso, as infinitas contradições entre as forças reaccionárias têm sido um grande obstáculo para eles. Mas, por outro lado, os fundamentalistas islâmicos reaccionários estão a tirar proveito da situação e do descontentamento das massas para se fazerem passar por anti-ocupação. Esta situação dará espaço de manobra aos dois lados reaccionários. Como nos recorda o Shola Jawid n.º 18: “A resistência das forças reaccionárias não consegue ter uma perspectiva melhor que a da resistência anti-soviética”. Por outras palavras, devido ao facto de a liderança da guerra de resistência contra a ocupação soviética ter estado nas mãos dos fundamentalistas, embora essa guerra tivesse sido ganha, os seus resultados foram desastrosos para as massas. Todos conhecemos as consequências. É por isso que a questão de saber quem liderará a resistência à ocupação encabeçada pelos EUA não pode ser mais crucial. Mas, de qualquer forma, os imperialistas puseram os seus pés num lugar de onde não podem sair sem pagarem caro.

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