Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 21 de Junho de 2010, aworldtowinns.co.uk
No aniversário do início da insurreição popular no Irão
O centro de Teerão esteve cheio de gente no aniversário das eleições presidenciais. As pessoas caminhavam pelos passeios e parques à volta das universidades à procura de oportunidades de saltarem para o palco principal. Mas a segurança governamental também esteve presente em toda a sua força. Logo ao início da manhã, membros das forças de segurança brandindo bastões e de uniforme ou à paisana estiveram presentes, a pé, de moto ou de carros em toda a cidade de Teerão, sobretudo no centro da cidade e nas zonas à volta das universidades. À medida que as multidões iam surgindo, elas começaram a intimidar os transeuntes e a prender quem considerassem “suspeito”.
Os manifestantes conseguiram reunir-se em vários locais de Teerão em grupos de dezenas ou centenas de pessoas e gritaram palavras de ordem como “Abaixo o ditador”. Combateram as forças de segurança na Praça Azadi e na Rua Azadi no cruzamento com as ruas Behboodi e Vali Asr. Também houve relatos de prisões na Rua Enghelab, frente à Universidade de Teerão. Testemunhas disseram que a rua estava cheia de basiji (milicianos religiosos) e forças especiais. Um enorme número de forças estava colocado à volta das praças Vali Asr, Motahari e Vanak e na Avenida Keshavarz. Houve várias prisões em cada um desses locais. Um vídeo na internet mostra uma multidão a libertar com sucesso uma mulher que as forças de segurança estavam a tentar prender.
Há um ano atrás, a 12 de Junho de 2009, quando os resultados das eleições presidenciais no Irão começaram a ser divulgados e se tornou claro que o Presidente Mahmoud Ahmadinejad ia ser declarado vencedor, a maioria das pessoas achou que as eleições tinham sido fraudulentas. As pessoas, que há muito desejavam uma mudança, de repente viram que mesmo as suas mais ínfimas esperanças tinham desaparecido com o vento e saíram imediatamente à rua. Ahmadinejad, que pensou que também desta vez iria conseguir escapar com a fraude, apelidou os manifestantes de “bando de pó e espinhos”. Isso enfureceu as pessoas que responderam com uma enorme manifestação a 15 de Junho, convocada pelos líderes da oposição Mir Houssein Mousavi e Mehdi Karoubi. O Presidente da Câmara de Teerão Mohammad Bagher Ghalibaf, membro da mesma facção do regime que Ahmadinejad, calculou o número de manifestantes em cerca de 3 milhões.
Nessa manifestação foram mortas sete pessoas, segundo o regime. O verdadeiro número foi muito mais elevado. Entre os mortos nesse dia estavam Kianoosh Asa, um estudante da Elm-o-Sanaat (Universidade de Ciência e Tecnologia), e Sohrab Araabi, um estudante de 18 anos.
A 19 de Junho de 2009, o Guia Supremo da República Islâmica, Aiatola Ali Khamenei, colocou-se ao lado de Ahmadinejad. Este tipo de intervenção eleitoral directa não tinha precedentes. Khamenei ameaçou que os que desafiavam os resultados eleitorais anunciados seriam considerados responsáveis por todas as mortes. Ele esperava que esse discurso pusesse fim aos tumultos e protestos, mas mesmo a oposição dentro da República Islâmica desafiou-o e muita gente não estava nada disposta a recuar. Embora o número de pessoas que se manifestaram a 20 de Junho não tenha sido maior que nos protestos de alguns dias antes, muita gente, sobretudo jovens e também muitas mulheres, combateu corajosamente as forças de repressão e, dessa vez, os protestos ocorreram por todo o Irão, e não apenas em Teerão. Um vídeo que mostrava o assassinato nesse dia de uma jovem chamada Neda Agha-Soltani expôs a brutalidade do regime à escala mundial e enfureceu as pessoas em todo o mundo. Apesar da repressão nas ruas, das violações e tortura na prisão e dos assassinatos, esses protestos continuaram até 26 de Dezembro (o Ashura).
À medida que se aproximava o aniversário das eleições de 12 de Junho de 2009, os líderes da oposição Mousavi e Karoubi tentaram obter autorização para uma manifestação. Quando ela foi rejeitada, os líderes verdes cancelaram todo o programa a pretexto de protegerem as pessoas e evitarem mais mortes. Mas mesmo assim muita gente não estava disposta a ficar em casa nesse dia.
As universidades – Universidade de Teerão, Universidade Sharif e Universidade Amir Kabir (antiga Universidade Politécnica) transformaram-se em campos de batalha entre os estudantes e as forças de segurança que se apresentavam como Herasats (a instituição responsável pela segurança universitária, supostamente distinta das forças de segurança).
Uma estudante entre os manifestantes disse ao serviço em persa da BBC: “Um grande número de forças que se apresentavam como membros da Herasat, juntamente com os que trabalhavam para o Ministério da Informação (serviços secretos), estava estacionado dentro da universidade. Por três vezes, eles atacaram e espancaram os estudantes que se tentavam agrupar e manifestar. Depois, começaram a filmá-los de perto e a ameaçá-los.” Ela disse que entre os Herasat havia muitas caras novas que os estudantes nunca tinham visto antes. Também disse que depois das 15h30 formaram uma corrente para impedirem os estudantes de marcharem até à entrada principal. Atacaram os estudantes um a um, levando-os para o outro lado da corrente, onde os espancavam e pontapeavam. Também prenderam alguns dos estudantes. Houve relatos de cenas semelhantes na Universidade Técnica Sharif, onde mais de mil estudantes a gritar marcharam pelo campus. A universidade estava cercada por um grande número de forças de segurança.
As autoridades dizem ter prendido 91 pessoas nesse dia, mas alguns relatos indicavam que o número poderia mesmo ter chegado a 400.
Quando a noite começou a cair, e tal como na noite anterior, muitas pessoas foram para os telhados gritar “Abaixo o ditador” e “Allahu-Akbar” (Deus é grande), para exprimirem a sua oposição e indignação.
O dia 14 de Junho marcou o aniversário do brutal ataque à residência universitária de Teerão, bem como outros crimes do regime islâmico, entre os quais o assassinato de manifestantes e a violação e tortura até à morte de dezenas ou mesmo centenas de manifestantes presos, em particular na infame prisão de Kahrizak. Este ano, os estudantes da Universidade de Ciência e Tecnologia levaram a cabo um protesto em memória de Kianoosh Asa, o estudante aí assassinado que era da cidade de Kermanshah, no Curdistão, bem como de outras vítimas da repressão nesse dia de 2009.
A insurreição popular iraniana ainda não conseguiu derrotar a clique dominante e as pessoas perderam a iniciativa para a clique dominante, sobretudo desde o 11 de Fevereiro, quando o regime conseguiu levar a cabo uma celebração do aniversário da revolução iraniana de 1979 sem perturbações significativas. Mas, ao mesmo tempo, pode dizer-se com segurança que, apesar de toda a exibição de força do regime e da sua brutal repressão, a crise que estremeceu o país está longe de ter terminado. A única opção e o único plano do regime para impedir mais protestos é intensificar a sua sangrenta repressão. Não tem nenhum Plano B.
A força repressiva do regime também revela a sua fraqueza. Quantos regimes conseguiram manter-se durante muito tempo sendo assim tão impopulares e apenas baseando-se no seu punho de ferro?
O regime não tem conseguido resolver o seu isolamento político, o qual na realidade está a aumentar. A aguda luta interna entre as cliques do regime tem-nas desgastado. Resta-lhes pouca unidade política, excepto quanto à necessidade de reprimirem o povo. Além disso, o país está numa situação economicamente muito má.
Também a nível internacional estão num impasse porque, embora não possam abandonar a sua postura anti-imperialista que lhes é essencial para o que resta da sua legitimidade entre alguns sectores das massas, estão pouco dispostas e impossibilitadas de acabarem com a dependência do país em relação ao mercado imperialista mundial. Politicamente não se baseiam no povo e no seu potencial para construírem um tipo diferente de país, mas sim na esperança de que os imperialistas tolerarão a continuação da existência do regime.
Em suma, a crise que tomou conta do regime está longe de ter terminado.
Mas há uma fraqueza muito importante no movimento popular. A principal questão é a da liderança. Muita gente ficou muito desiludida com os líderes verdes. Em primeiro lugar, porque o seu objectivo é salvar a República Islâmica e não libertar-se completamente dela. Como é que eles podem liderar o povo rumo a um mundo melhor? Depois da luta do Ashura, os líderes verdes e os nacionalistas religiosos ficaram mais aterrorizados com o movimento popular que o próprio regime. Isto pode ser uma das razões por que os líderes verdes têm estado relutantes a convocar outro protesto ilegal. Muita gente crê que esses líderes foram testados e falharam. Os recentes protestos mostram que muita gente ainda está com vontade de lutar.
A experiência do último ano mostrou que a determinação e a capacidade de lutar das pessoas estão muito relacionadas com a natureza e clareza dos objectivos e com a compreensão que caracteriza pelo menos o núcleo do movimento popular. E isso só pode vir do tipo de liderança revolucionária de que eles precisam e merecem.
12 de Junho de 2010, 20h30:
Excertos de um relato de activistas para a newsletter estudantil Bazr
(...) Reparei que muitos carros e motos iam a caminho da praça, em direcção à Universidade Sharif (...) Havia um verdadeiro alvoroço dentro da universidade. Os estudantes tinham símbolos do movimento “Verde” e cartazes com palavras de ordem como “No aniversário do golpe, onde está o meu voto?” e “O ditador deve saber que o movimento não vai abrandar”. Também levavam nas mãos muitas fotografias de Neda, Sohrab e outros mártires, ao mesmo tempo que gritavam “Meu camarada mártir! Vou recuperar o teu voto, abaixo o ditador, os estudantes vão morrer mas não aceitam ser desprezados”, “Nós estamos a lutar, mulheres e homens: Vocês querem lutar? Vamos lutar” e outras palavras de ordem.
(...) Uma vez mais, a presença de raparigas estudantes era notável, sobretudo pela sua determinação em manterem a luta. Por exemplo, para desmoralizarem as forças basiji, as mulheres estudantes atiravam-lhe sandis. (As sandis são um tipo de sanduíche. Quando o regime quer atrair pessoas às suas manifestações, distribui sanduíches e bebidas gratuitas.) Em seguida, os estudantes dirigiram-se à entrada sul da universidade. Assim que partiram, algumas dezenas de estudantes basiji substituíram os cartazes que eles tinham deixado nas paredes por novos cartazes, onde estava escrito: “Mashallah Hezbullah” (“Muito bem, Hezbullah!” – os vigilantes do “Partido de Deus”.)
Uma jovem disse: “Isto é como uma guerra, eles mobilizaram tantas forças. Porque é que eles têm tanto medo de pessoas indefesas?”. Uma outra mulher disse: “Eles são como leões contra o nosso próprio povo, mas como ratos quando se trata de grandes potências como os EUA. Eles só conseguem perseguir o nosso próprio povo.”
Dirigi-me à Universidade de Teerão. A zona frente à Universidade e todas as ruas à sua volta estavam ocupadas pelas forças especiais e pela secção de informações dos pasdaran (os Guardas Revolucionários islâmicos). Prendiam todas as pessoas que lhes parecessem suspeitas.
Dirigi-me então ao cruzamento da Vali Asr. Os basiji atacaram algumas vezes e espancaram algumas pessoas.
Alguns camaradas disseram-me que tinha havido confrontos entre o povo e as forças de segurança na Praça da Palestina. Quando aí chegámos, não havia nenhum sinal das forças de segurança. A praça estava nas mãos do povo. E as pessoas gritavam palavras de ordem: “Abaixo a própria ideia do Velayat-e-Faghih” (a supremacia do “jurisprudente” que é o princípio central da República Islâmica), “Somos todos Neda, somos todos Sohrab, temos apenas uma voz.” Pergunto a uma mulher onde estão as forças de segurança. Ela responde-me: “Fugiram todos como cães”. Senti uma sensação de vitória e fiquei orgulhoso. Porém, não tardou muito tempo até os guardas especiais e as forças de segurança surgirem de todas as direcções. Começaram por disparar para o ar e depois atiraram gás lacrimogéneo. As pessoas tiveram que fugir. Eles prenderam tanta gente! Eu vi cerca de 30 ou 40 pessoas a serem presas (...).