Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 15 de Junho de 2009, aworldtowinns.co.uk
Insurreição da juventude no Irão
Os contestados resultados das eleições presidenciais iranianas deram lugar a desenvolvimentos sem precedentes e a República Islâmica viu-se confrontada com uma séria crise, tanto na estrutura do poder como na sociedade. O anúncio de que o Presidente Mamhoud Ahmadinejad tinha ganho esmagadoramente a reeleição foi um choque e uma surpresa para milhões de pessoas que não tinham votado nele. Rapazes e raparigas enfurecidos começaram imediatamente a sair para as ruas. Desde então, tem havido em cidades de todo o país confrontos entre as forças de segurança e os jovens. Além dos gigantescos protestos em Teerão, muitos outros tiveram lugar em cidades e vilas de todo o Irão e em inúmeras universidades, incluindo Shiraz, Isfahan, Tabriz, Rasht, Ghazvin e Hamedan.
A 15 de Junho, muitas centenas de milhares de manifestantes encheram as ruas de Teerão. Alguns dos participantes disseram que aí estiveram um milhão de pessoas; de qualquer forma, os observadores estão de acordo em que foi o maior protesto desde a revolução que em 1979 derrubou o regime do Xá apoiado pelos EUA e o maior acontecimento público de qualquer tipo desde os anos 80. Disparando a partir de um complexo seu, a milícia Basij do regime matou pelo menos oito manifestantes, segundo os relatos iniciais.
Essa manifestação foi convocada pelos candidatos “reformistas”, mas o Ministério do Interior recusou-se a autorizá-la. A chefe em exercício das forças de segurança, Ahmad Reza Radan, avisou que nenhuma manifestação ilegal seria tolerada. O candidato Mir Hossein Mousavi avisou que, caso não fosse dada autorização, organizaria um protesto no sepulcro do Aiatola Khomeini, o fundador da República Islâmica. As pessoas ardiam de desejo de se juntarem a outras pessoas para exprimirem a sua fúria e descontentamento, não só por causa destas eleições mas também por tudo por que têm passado neste regime. Elas não deixaram que a questão da autorização as detivesse e desafiaram as autoridades, que tentaram impedir que as multidões se reunissem bloqueando mensagens de texto dos telemóveis e páginas internet. Em algumas zonas de Teerão, o serviço de telemóveis foi completamente interrompido.
As forças de segurança foram particularmente implacáveis na resposta às manifestações de 13 de Junho, após os resultados oficiais terem sido anunciados, e no dia seguinte. Brigadas de dois homens em motocicleta – um a conduzir, o outro a manejar uma moca – e polícias de choque vestidos à Robocop e equipados com bastões eléctricos atacaram as multidões. Dispararam balas de plástico e gás lacrimogéneo e organizaram-se em gangues para espancarem os rapazes e raparigas que capturavam. Nem sequer a presença de câmaras de televisão e de jornalistas estrangeiros intimidou as forças de segurança. As pessoas responderam, por vezes com êxito. Também atacaram carros e autocarros propriedade do governo e bancos. As lojas e os veículos privados foram em grande parte poupados. A meio da noite de 14 de Junho, polícias e membros da milícia Basij atacaram e saquearam dormitórios na Universidade de Teerão e nas Universidades Técnicas de Isfahan e Shiraz. Muitos estudantes foram espancados e alguns foram presos.
As palavras de ordem mais comuns nos primeiros dias de protestos foram “Mousavi devolve o meu voto”, mas as palavras de ordem predominantes na manifestação de 15 de Junho em Teerão e em muitas das acções universitárias, incluindo em Tabriz e Ghazvin, foram “Morte ao governo traiçoeiro” e “Abaixo o ditador”. Nessa altura, muita gente tentou impor o slogan “Alá é grande”, que se tinha ouvido sobretudo na noite anterior, quando as pessoas em Teerão subiram aos seus telhados para protestarem (uma acção que fez lembrar a revolução de 1979 que acabou por levar Khomeini ao poder), mas isso não foi bem aceite pela maioria da multidão e rapidamente se extinguiu. As pessoas tinham boas razões para o recusar, uma vez que esse é de facto o slogan e o ponto de vista da República Islâmica que actualmente as governa. Depois de inicialmente terem tentado cancelar a manifestação, os candidatos Mousavi e Mehdi Karoubi e o ex-presidente “reformista” Mohammad Khatami acabaram por se juntar a ela para a impedirem de se tornar violenta, segundo explicaram. As forças de segurança recuaram, em vez de atacarem frontalmente uma tão grande multidão. A maior parte da manifestação foi relativamente pacífica, mas lá para o fim houve disparos vindos de um complexo da Basij.
Estes protestos em massa levados a cabo por jovens em cólera trouxeram de volta recordações e discussões dos dias da revolução de 1979 que eles não viveram e dos quais muitas vezes pouco sabem.
O estado de espírito e a atmosfera entre as pessoas e sobretudo entre os jovens são admiravelmente elevados. Eles estão decididos a lutar. O seu ódio a Ahmadinejad e ao “Líder Supremo” Ali Khamenei e àquilo por que passaram, sobretudo nos últimos quatro anos, parece-lhes intolerável. Eles tinham tido a esperança de mudar esta situação votando contra Ahmadinejad, mas isso não resultou. Muitos dos que votaram não acreditavam verdadeiramente no sistema ou em que Mousavi pudesse desencadear qualquer mudança, mas queriam Ahmadinejad fora. Agora estão enfurecidos não só porque acreditam que os resultados das eleições foram viciados como também porque o regime parecia estar a faze-lo descaradamente e com desprezo pela opinião pública. As pessoas sentem que foram insultadas, traídas, enganadas e usadas. Esta fúria tem raízes muito mais profundas que a crise eleitoral que a trouxe à superfície. A ditadura islâmica tem espezinhado os direitos mais fundamentais das pessoas e sobretudo das mulheres e dos jovens, tornando a sua vida num inferno. Além disso, milhões de pessoas estão a sofrer dificuldades económicas e outras, com pouca ou nenhuma esperança de futuro.
Muitos dos manifestantes ainda não eram nascidos quando Mousavi foi primeiro-ministro nos anos 80, ou eram demasiado novos para se recordarem dos massacres de comunistas e outros revolucionários durante o governo dele (antes de o Irão ter adoptado um sistema presidencial). Apesar disso, muitos tinham a sensação de que ele não iria nem poderia originar qualquer mudança fundamental. Muitos estavam conscientes de que, em última análise, os seus votos não decidem nada. Sabiam que os quatro candidatos tinham sido aprovados pelo Conselho de Guardiães do regime, o qual escrutina os candidatos para ter a certeza que eles são servidores apropriados do regime islâmico. Mas muitas pessoas esperavam que pelo menos pudessem afastar Ahmadinejad, e que isto criaria uma situação em que, até certo ponto, a severa repressão fosse afrouxada.
Porque é que tanta gente no Irão considera que as eleições foram viciadas, já que Ahmadinejad tinha claramente um apoio massivo entre os adeptos tradicionais das facções conservadoras do regime e pôde celebrar a sua “vitória” cercado por muitas dezenas de milhares de apoiantes? Há vários factores que sugerem uma fraude eleitoral. Mas, quer tenha havido fraude ou não, estas eleições eram particularmente imprevisíveis devido à significativa proporção do eleitorado que geralmente boicota ou ignora as eleições, porque não vê nenhuma razão para votar ou não vê nenhuma diferença entre as diferentes facções e candidatos do regime. Muita gente pura e simplesmente não acredita sequer na República Islâmica. Além disso, há cerca de 30-40 % das pessoas no meio-termo – não são firmes nos boicotes, mas também não são favoráveis à República Islâmica. Elas podem oscilar para um boicote ou para os que prometem a mudança. Essas pessoas são frequentemente atraídas para as eleições se acreditarem que lhes oferece nem que seja uma esperança mínima. Por isso, algumas empresas de sondagens previram que se a maior parte desse sector participasse, o principal candidato “reformista” Mousavi poderia ganhar à primeira volta. Nas últimas eleições presidenciais em 2005, a participação desse sector foi muito baixa. Ahmadinejad ganhou à segunda volta e mesmo então houve inúmeros relatos de fraude e burla.
Outra razão para a desconfiança popular em relação aos resultados divulgados foi a forma como eles foram anunciados. Pela primeira vez, o Ministério do Interior não anunciou os resultados numa base regional mas, em vez disso, deu os números para cada cerca de cinco milhões de votos, supostamente à medida que eram contados. A proporção de votos entre todos os quatro candidatos permaneceu similar durante todos esses anúncios. (Ahmadinejad com cerca de 64-66 %; Mousavi cerca de 29-33 %; os outros dois candidatos, Mohsen Rezaie com cerca de 1 % e Karoubi com menos de 1 %.) Uma partilha tão homogénea em cada cinco milhões de votos, à medida que eram apurados, é altamente improvável em qualquer país do mundo, quanto mais no Irão com as suas variações regionais em etnicidade, religião, cultura e apoio ao regime ou as diferentes facções do regime. Quando o Ministério do Interior finalmente divulgou os resultados por região a 15 de Junho, após um atraso não explicado, os números não correspondiam ao padrão das últimas eleições. Conjugado com isto, há uma desconfiança muito generalizada em relação à comunicação social, cujos directores são directamente nomeados pelo Líder Supremo, e uma desconfiança em relação ao próprio Khamenei.
Esta crise representa a confluência de duas contradições; o subjacente antagonismo dos interesses do povo e dos reaccionários no poder, e as brechas dentro da estrutura do poder que são agora mais agudas que em qualquer outro momento desde a sua fundação. Estas duas contradições sobrepõem-se e criam oportunidades e perigos para o povo e para todas as facções do regime. As brechas dentro do regime nunca antes tinham sido tão alargadas ao ponto de arriscarem a sua estabilidade. Não há dúvida nenhuma que as massas reconheceram correctamente uma situação favorável para exprimirem o seu ódio ao regime e aos seus símbolos Ahmadinejad e Khamenei. Elas têm toda a razão em protestar e em lutar contra um regime reaccionário.
Ao mesmo tempo, não há dúvida nenhuma que as principais figuras envolvidas nestes acontecimentos, como Mousavi, Karoubi e Khatami, tentarão usar e canalizar a ira e os protestos do povo para fortalecerem a sua posição nas suas disputas com a facção conservadora do regime. Eles querem uma situação em que possam negociar a luta do povo para seu próprio proveito político e tentarão fazer o seu melhor para pararem a luta das massas quando ela já não servir os seus interesses. Eles não querem pôr em risco a estabilidade global deste regime que eles construíram à custa dos cadáveres de milhares de revolucionários e da opressão e repressão de sectores inteiros do povo. Eles prefeririam que não houvesse nenhuma mudança a que houvesse uma forma de mudança fundamental, mas isso não é o que o povo deseja.