Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 15 de Dezembro de 2008, aworldtowinns.co.uk

Grã-Bretanha: Quando é que um assassinato não é um assassinato?

Um júri que analisava o caso do assassinato policial de Jean Charles de Menezes no Metro de Londres em Julho de 2005 rejeitou a alegação de que os disparos teriam sido “legais”. Como o juiz investigador, responsável pelo júri, tinha instruído os seus membros de que eles não poderiam decidir que a morte dele teria sido “ilegal”, a única alternativa deles a terem aceitado a história das autoridades teria sido entregarem um veredicto em aberto que não declarasse a polícia inocente. Os jurados esbofetearam as autoridades na cara tão vigorosamente quanto podiam, dadas as circunstâncias. Mas, embora o governo não tenha obtido o carimbo de aprovação do assassinato que procurava, a decisão dos jurados não define nenhuma culpa nem pena pelo massacre. O governo tem a esperança de que, tal como o anterior relatório da Comissão Independente de Reclamações da Polícia, este veredicto não venha a ter nenhuma consequência prática, a não ser a de reforçar a falsa alegação de que foi feita justiça. A família diz que espera vir a prosseguir mais acções legais.

A polícia matou Menezes, de 27 anos, a 22 de Julho de 2005, um dia depois de um aparentemente fracassado ataque bombista no Metro de Londres e duas semanas depois de várias bombas terem assassinado 52 pessoas em comboios e autocarros da capital. Os polícias alegaram que confundiram Menezes com um suspeito e que o abateram porque temiam que ele estivesse a transportar uma bomba. Depois de uma investigação de três meses, os jurados concluíram que a polícia não estava a dizer a verdade quando alegou que ele agira de forma suspeita durante o tempo em que a polícia o seguiu, que não teria respondido a um aviso (não houve uma única palavra ou gesto nesse sentido) e que, no último momento, ele se dirigiu aos agentes armados de uma forma ameaçadora que os teria deixado sem alternativa senão disparar. Nada do que Menezes fez, concluíram os jurados, era causa de alarme.

As maiores mentiras sobre Menezes não estiveram em julgamento. Depois de ele ter sido assassinado, o chefe da polícia, designado pelo Secretário do Interior, começou por alegar que ele era um terrorista, embora soubesse quase de imediato que o brasileiro não era um suspeito. Quando essa mentira se desmoronou, ele alegou que o assassinato era um acidente trágico mas justificado, em que uma decisão de disparar mostrou estar errada mas que se baseou no que a polícia acreditava ser verdade nesse momento. Os responsáveis que falsamente alegaram que o homem morto usava um casaco pesado, o que seria suspeito no verão, com fios metálicos que saiam visivelmente por baixo, que tinha um visto expirado e cocaína no sangue, que tinha fugido a correr dos polícias que o seguiam, que teria saltado o torniquete do Metro, que teria fugido para um comboio antes de eles o terem conseguido parar, etc. Não foi senão quando alguém entregou à comunicação social uma gravação do circuito interno de televisão (CCTV) – com imagens das câmaras de vigilância que a polícia alegara não existirem – que se percebeu que o jovem, vestido de uma forma ligeira, entrou calmamente na estação, recolheu um jornal, usou o seu passe de transportes, entrou normalmente na plataforma, subiu a bordo do comboio e sentou-se como qualquer outra pessoa. Esta revelação, que já não podia ser negada, foi o que tornou necessária a investigação judicial, se quisessem manter alguma aparência de justiça.

Muita da comunicação social atribuiu a culpa da morte a incompetência policial. Agora, depois do veredicto do júri, esta é a única defesa possível do estado no tribunal da opinião pública. Muito se disse sobre a história contada pela polícia de que uma série de erros da sua parte a teria impedido de parar Menezes nas muitas ruas em que ele viajou a pé e de autocarro antes de ter chegado à estação do Metro de Clarkwell. Mas, se a incompetência explica o que aconteceu, porque é que os agentes da polícia e os seus superiores foram louvados e recompensados, em vez de castigados ou mesmo punidos? Os atiradores estão de regresso ao trabalho, agora protegidos por uma regra de que não podem ser processados por matarem pessoas, legal ou ilegalmente. O homem responsável pela equipa de vigilância, que supostamente identificou mal Menezes e depois não o parou, foi promovido ao lugar de vice-comissário auxiliar. Sir Ian Blair, chefe da Scotland Yard, o comissário da Policia Metropolitana que liderou publicamente o encobrimento, recebeu um “aperto de mão dourado” de £400 000 quando se demitiu. Cressida Dick, o comandante sénior responsável pela operação, que deu todas as ordens para tudo o que aconteceu, minuto a minuto, também foi promovido e é agora um importante candidato para o substituir. O governo trabalhista e o estado deram o seu próprio veredicto, no seu todo: esses agentes e funcionários fizeram o que era suposto terem feito.

Embora os factos tenham sido divulgados pela comunicação social da Grã-Bretanha, os mais importantes comentadores não estão a dar muita atenção a este incidente nem a pô-lo no seu contexto, pelo que, mesmo quando ultrajados, não têm nenhuma verdadeira explicação para ele. O assassinato e o seu encobrimento têm por base a decisão da Grã-Bretanha de se juntar aos EUA na invasão do Afeganistão e, depois, do Iraque.

O primeiro-ministro trabalhista Tony Blair “levou o país para a guerra com uma falsa perspectiva”, como viriam a revelar registos oficiais posteriormente trazidos a lume. Blair tentou aterrorizar o público para que este apoiasse a guerra que ele e o Presidente norte-americano George W. Bush vinham a planear secretamente desde meados de 2002. Ele disse conscientemente uma série de mentiras, incluindo a vergonhosa alegação de que o Iraque estaria a ameaçar a Grã-Bretanha com rockets com cabeças de armas de destruição em massa que poderiam atingir Londres em menos de 45 minutos. A guerra tornou-se imensamente impopular na Grã-Bretanha, desencadeando as maiores manifestações que o país alguma vez viu. Quando as bombas trazidas por fundamentalistas islâmicos nascidos na Grã-Bretanha mataram viajantes londrinos em Julho de 2005, muita gente viu isso como um “ricochete” – resultado da agressão britânica no estrangeiro (e da opressão dos imigrantes no país) e culpou Tony Blair por isso. Isso foi um momento crítico para a classe dominante britânica. Sem querer exagerar a situação, poder-se-ia dizer que nenhum governo britânico recente esteve, não só assim tão odiado por muitos milhões de pessoas como também tão isolado da opinião pública em geral. E nunca antes uma luz tão agreste foi projectada sobre a mentira de que em países como a Grã-Bretanha as eleições significam o governo do povo e não uma ditadura da classe imperialista capitalista.

A forma como o estado limitou os possíveis veredictos deste julgamento também fica como uma exposição da ditadura por trás do sistema de justiça da Grã-Bretanha, uma vez que a decisão do júri significa basicamente que a polícia matou um homem sem nenhuma razão válida e que depois mentiu sobre isso, mas que não há nada que as pessoas comuns possam fazer sobre isso. Para que foi sequer necessário constituir um júri, se este só foi autorizado a agir dentro dos limites fixados pelo acusado – o estado? O processo eleitoral na Grã-Bretanha actua dentro de limites semelhantes, e foi por isso que a opinião da esmagadora maioria das pessoas não conseguiu impedir a guerra.

Na altura dos atentados de 14 de Julho de 2005, Blair declarou que qualquer pessoa que os ligasse às guerras no Iraque e no Afeganistão estaria a “dar apoio aos terroristas” e a namoriscar com a traição. Tal como ele antes alegara falsamente que a Grã-Bretanha se tinha juntado em sua própria autodefesa à invasão do Iraque liderada pelos EUA, ele tentou agora inverter o negro e o branco e alegar que o problema fundamental não é que a Grã-Bretanha é um país imperialista que actualmente apoia a ofensiva dos EUA no Médio Oriente e gera um justo ódio que pode ser injustamente usado contra o povo britânico, mas sim que as pessoas no Médio Oriente ou daí oriundas, e outros imigrantes, estão a aterrorizar a Grã-Bretanha e que a população deveria autorizar o estado a fazer tudo o que alegue sem em sua defesa, incluindo todo um conjunto de medidas tipo estado policial. “As regras do jogo mudaram”, decretou Blair pouco antes de Menezes ter sido morto. Isto significava claramente que se tratava de uma ameaça muito vasta, e não apenas contra os bombistas suicidas e outros reaccionários.

O juiz investigador responsável pelo júri, o ex-juiz do supremo tribunal Sir Michael Wright, defendeu as suas instruções aos jurados em que lhes proibiu de chamarem a esse caso um caso de morte ilegal, alegando que nenhuma “pessoa razoável” poderia concluir que o estado tinha tido a intenção de matar deliberadamente Menezes. Mas saber se o governo e a polícia tinham tido deliberadamente ou não a intenção de despejar sete balas na cabeça dessa pessoa em particular não é verdadeiramente o que está em causa.

Na atmosfera política de Julho de 2005, o governo (e não apenas a polícia) tinha todas as razões para criar um clima de histeria entre as pessoas e de mostrar a força e a desumana determinação do estado. A sua resposta foi organizar uma execução pública. Mesmo que não tenham tido a intenção de matar esse imigrante não branco em particular, qualquer pessoa razoável perguntaria: não estaria o governo à procura de sangue e será que eles verdadeiramente se preocuparam com o de quem?

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